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Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente – uma nova

CAPÍTULO 2 – Conselhos – Expressões da Democracia Participativa

2.4 Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente – uma nova

Uma das principais conquistas do movimento da infância, no período do movimento constituinte, foi a inclusão do artigo 227 na Constituição22 e sua posterior regulamentação, que deu origem à Lei 8.069/1990, conhecida como ECA, o qual veio consolidar a previsão constitucional de proteção às crianças e adolescentes brasileiros.

Apesar de não ter previsão legal no ECA, o Sistema de Garantia de Direitos tem como objetivo promover a articulação, os trabalhos integrado e complementar em rede na operação da política de atendimento à criança e ao adolescente23.

O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) é uma instância de defesa dos direitos da criança e do adolescente introduzidos pelo ECA; compreende ações para prevenção, promoção e defesa dos direitos. É o fio condutor para a realização de uma intervenção pautada no princípio de cooperação, cujo objetivo é a proteção integral dos direitos infanto-juvenis, alçados à condição de prioridade absoluta. O SGD é caracterizado pela articulação entre a sociedade e o Poder Público, visando ao funcionamento dos mecanismos de defesa, à promoção e ao controle social dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes. A competência-fim do sistema é a efetivação dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais das crianças e dos adolescentes. O SGD está estruturado em três eixos temáticos: da defesa dos direitos humanos; da promoção dos direitos humanos; do controle da efetivação dos direitos humanos. (SANTOS et. al., p. 46-47)

O principal órgão desse sistema é o Conselho dos Direitos. Com isso, são criados, em todo o Brasil, conselhos nas esferas municipais, estaduais e nacional de governo.

                                                                                                                         

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela Emenda Constitucional 65, de 2010).

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O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou, em 2006, a Resolução 113, que dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Sobre a criação dos Conselhos dos Direitos afirma o entrevistado Wanderlino Nogueira Neto:

Esses conselhos controladores dessa área têm base legal no art. 227, §7o combinado com o art. 204, II da Constituição Federal que os prevê como decorrência do princípio constitucional da democracia mista representativa e participativa direta e dos novos paradigmas ético- políticos do processo de redemocratização no Brasil e de superação do período anterior autoritário e ditatorial. Em concreto, foram inspirados em experiências de conselhos de políticas públicas outras (saúde, educação, meio ambiente, defesa social, etc.) todos nascidos com a mesma inspiração política e com base também na Constituição Federal. Em nível internacional, a ONU mantém, com essas atribuições de controle e formulação da política internacional de promoção e proteção de direitos humanos, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança, em Genebra, como parte integrante do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que deve ser visto também como similar ao Conanda e seus homólogos estaduais e municipais. (Wanderlino Nogueira Neto, entrevista em

20/01/2013).

A criação dos conselhos está prevista no Artigo 88 do ECA, que estabelece as diretrizes da política de atendimento.

Art. 88 - São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento;

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;

IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

VI - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família

substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; (redação dada pela Lei no 12.010, de 29 de julho de 2009);24 VII - mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade. (Inciso incluído pela Lei 12.010, de 29 de julho de 2009) (Lei 8.069/1990, artigo 88, incisos I a VII).

A previsão da criação e do funcionamento de conselhos de políticas com a inserção da sociedade civil é a forma preponderante de participação na gestão e decisão de políticas públicas do Estado.

Os conselhos são espaços institucionais públicos, previstos na estrutura do Estado, que contam com a participação de seus representantes e também de representantes da sociedade civil, com atribuições de decisão e controle sobre as políticas públicas, devendo agir de forma colegiada e articulada. São espaços institucionais autônomos e especiais, embora não possuam personalidade jurídica, estando administrativamente vinculados a um órgão público, no caso dos municípios, via de regra, a uma secretaria municipal.

No livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, a explicação sobre o artigo 88 do ECA, que trata da criação dos conselhos, é bem elucidativo, no que tange à intenção do legislador:

Os Conselhos dos Direitos, um em cada um dos níveis municipal, estadual e federal, são a instância em que a população, através de organizações representativas, participará, oficialmente, da formulação da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente e do controle das ações em todos os níveis.

A norma geral estatutária, ao prever que o “lócus” privilegiado para essa participação é num conselho, cria a possibilidade de compor divergências naturais, disciplinando a forma, o meio e o modo pelo qual o poder constitucional de participação na formulação da política se exercerá do lado não governamental.

À maneira do sistema de freios e contrapesos presente nos sistemas judiciários modernos, a norma geral federal, cuja fonte, repetimos, reside no art. 204 da CF, institui três princípios para essa forma participativa da formulação política: 1) o princípio da deliberação – ou seja, as esferas governamental e não governamental adotarão, conjuntamente, deliberações acerca de como se aplicará o art. 227 da CF, no seu âmbito de atuação (municipal, estadual ou federal), tendo como normas gerais de sua conduta o Estatuto. O Conselho não pode deliberar sobre matéria privativa de outros âmbitos da                                                                                                                          

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O ECA tem sofrido várias alterações, desde a sua promulgação, em 1990, o que busca responder às mudanças da sociedade. As propostas de mudança nem sempre significam um aperfeiçoamento da legislação. Elas sintetizam lutas de grupos sociais, e expressam a correlação de forças em determinados momentos históricos.

Administração Pública. Juridicamente, só tem poderes para agir nos limites das normas estatutárias; 2) o princípio do controle da ação – por este princípio, governo e sociedade também se unem para comparar as ações levadas a efeito em torno da criança e do adolescente com as normas gerais presentes no Estatuto e verificar se há desvio. Havendo, deliberam formas, meios e modos para sua correção. Trata-se, portanto, de um moderno mecanismo social de retroalimentação, que busca a eficácia da norma; 3) o princípio da paridade – a junção de dois atores sociais coletivos, governante e governado, para deliberar sobre políticas e controlar ações delas decorrentes não teria o caráter de freio ao arbítrio, nem de contrapeso ao desvio da norma, se não se lograsse equilibrar a balança. A norma geral federal encontrou na paridade o mecanismo de equilíbrio. Cada lado entrará com o mesmo número de membros no Conselho. Dessa forma, mesmo sem evitar possíveis cooptações por um dos lados, como afirma Pedro Demo, a norma busca reduzir arbítrio e desvios. Se o colegiado, ainda assim, praticar desvio, continua intacta a exigibilidade de sua correção pelas vias do direito constitucional de petição pela cidadania e do de representação pelo Ministério Público. Como se vê, o sistema de freios e contrapesos do Estatuto carrega consigo um potencial intrínseco de elevada eficácia. (CURY; SILVA e MENDEZ, 2010, p. 371-372).

O inciso IV do mesmo artigo 88 do ECA, determina a manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais, vinculados aos respectivos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O entrevistado Wanderlino Nogueira Neto, quando indagado sobre o objetivo de criação dos fundos, assim afirma:

Fazer com que os conselhos paritários exerçam controle direto (autorizativo) sobre a gestão financeira (pelos governos) de determinadas parcelas de recursos públicos alocados a um fundo de capital para investimentos (art. 77ss do Código Financeiro Nacional), visando à aplicação desses recursos em programas especiais elencados no Estatuto, de maneira genérica, e, mais especificamente, em ações, programas e serviços da política de atendimento dos direitos ou de garantia de direitos. Assim, pelo menos, parte dos recursos públicos (as doações quando entram nas contas do FIA se transformam automaticamente em recursos públicos) tem um processo de destinação mais democratizado, com participação direta das organizações sociais. (Wanderlino Nogueira Neto, entrevista em

20/01/2013).

Nessa mesma linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do

Trata-se de um fundo público cujos recursos serão necessariamente aplicados no âmbito da política de atendimento dos direitos, como deflui da própria topologia da norma que o institui.

Cotejando a diretriz que prevê o fundo com as linhas de ação a que se refere o art. 87, temos que as políticas sociais básicas se nutrirão dos recursos orçamentários que lhes são próprios, aí incluída a de assistência social, nas quais crianças e adolescentes têm direito à "destinação privilegiada de recursos públicos", como consta do parágrafo único, "d", do art. 4º do Estatuto.

Assim sendo, os recursos recolhidos ao fundo destinar-se-ão aos aspectos prioritários ou emergenciais que, a critério do Conselho em deliberação específica, não possam ou não devam ser cobertos pelas previsões orçamentárias destinadas a execução normal das várias políticas públicas em seus respectivos âmbitos.

A política de atendimento prevê ações que, historicamente, nunca fizeram parte dos programas dinamizados pelas políticas públicas brasileiras. E as prevê exatamente em razão dessa histórica ausência. A previsão dos fundos no âmbito das normas gerais federais decorre do princípio da exigibilidade: a correção de desvios da norma, a ser feita caso a caso ou no âmbito da própria política pública, deve sempre contar com possível suporte financeiro, se necessário. Há exigibilidade também para a presença de recursos no fundo, a ser exercida seja através das petições previstas no inc. XXXIV do art. 5º da CF; das requisições do Conselho Tutelar; ou através de sentença da autoridade judiciária. (CURY; SILVA e MENDEZ, 2010, p. 373).

O artigo 89 da mesma lei define que a função de membro do conselho nacional e dos conselhos estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente é considerada de interesse público relevante e não será remunerada.

Segundo a pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente existe em 91,4% dos municípios brasileiros. Apesar do índice elevado de localidades que possuem conselhos instalados, é preocupante saber que aproximadamente 500 municípios ainda não o fizeram, passados mais de 20 anos da promulgação do ECA. Sabe-se, ainda, que muitos conselhos são criados apenas juridicamente, para garantir o acesso a fundos públicos.

Por causa da dimensão e heterogeneidade do Brasil, a criação e o funcionamento dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente tem sido ela também muito diferenciada nas diversas localidades. No sentido de disciplinar esse procedimento, em acordo com a legislação maior

que é o ECA, o Conanda expediu a Resolução 105, de 2005, e posteriores alterações, via Resoluções 106, também de 2005, e 116, de 200625.

Os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente são criados em cada município por meio de lei específica, cuja propositura é de competência do chefe do Executivo local. Com o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, também deve ser criado o Fundo da Infância e da Adolescência.

Por ser espaço institucional que deve contar com participação paritária, a composição deve ser de número igual de representantes do governo, indicados pelo próprio governo para o mandato, e representantes da sociedade civil, escolhidos pela própria sociedade civil dentre seus pares.

As atribuições do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente são:

- Fazer com que o ECA seja cumprido;

- Participar ativamente da construção de uma Política Municipal de Proteção Integral (promoção e defesa de direitos) para Crianças e Adolescentes, com atenção prioritária para a criação e manutenção de um Sistema Municipal de Atendimento que articule e integre todos os recursos municipais;

- Participar ativamente da elaboração da Lei Orçamentária do município: zelar para que o percentual de dotação orçamentária destinado à construção de uma Política Municipal de Proteção Integral para Crianças e Adolescentes seja compatível com as reais necessidades de atendimento, fazendo valer o princípio constitucional da absoluta prioridade na efetivação dos direitos das populações infantil e juvenil;

- Administrar o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, destinado a financiar a criação de um Sistema Municipal de Atendimento (programas de proteção e socioeducativos), as atividades de formação de conselheiros e de comunicação com a sociedade;

- Controlar a execução das políticas de proteção às crianças e adolescentes, tomando providências administrativas quando o município ou o Estado não oferecerem os programas de atendimento necessários. Caso as

                                                                                                                         

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Resoluções são documentos que se constituem na forma legal de os órgãos darem visibilidade aos seus atos administrativos, decisões ou recomendações.

providências administrativas não funcionem, deverá acionar o Ministério Público;

- Estabelecer normas, orientar e proceder ao registro das entidades governamentais e não governamentais de atendimento a crianças e adolescentes, comunicando o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária;

- Acompanhar e estudar as demandas municipais de atendimento, verificando as áreas onde existe excesso ou falta de programas, bem como a adequação dos programas existentes às reais necessidades municipais; e tomar providências para a superação de possíveis lacunas e inadequações;

- Divulgar os direitos das crianças e adolescentes e os mecanismos de exigibilidade desses direitos;

- Presidir o processo de escolha dos conselheiros tutelares.26

Por ser composto de forma paritária, a participação da sociedade civil organizada é uma condição para a existência e o funcionamento do conselho, mas não é o seu fim. A participação coloca-se como mandamento constitucional, podendo, inclusive, seu descumprimento, ser motivo de ajuizamento de medidas judiciais.

No Capítulo 3, aborda-se como tem se dado a experiência prática dos conselhos, a partir do lugar da sociedade civil, seus avanços e desafios.

                                                                                                                         

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Disponível em: <www.promenino.org.br> - link “conheça os direitos da infância”. Acesso em: 12 jan. 2013.

CAPÍTULO 3 – Sociedade Civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da