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Os conselhos na perspectiva socialista

CAPÍTULO 2 – Conselhos – Expressões da Democracia Participativa

2.1 Os conselhos na perspectiva socialista

A breve experiência da Comuna de Paris é vista como importante referência histórica das lutas operárias contra a opressão e barbárie capitalista. Em 72 dias, foi possível praticar a experiência de socialização da política e da economia, com a eliminação da propriedade privada dos meios de produção, das classes sociais, do trabalho alienado e do Estado.

A Comuna de Paris, em 1871, se traduz na primeira experiência de um governo essencialmente operário, ou ditadura do proletariado, da história. Cabe lembrar que em 1870 a classe operária, em Paris, apresentava um acúmulo de organização em sindicatos, partidos e conselhos operários, gestados no século 19, em que as experiências do levante em 1848 na França e a criação da I Internacional em curso influíram no pensamento e ação da tomada do poder na Comuna de Paris, cuja composição social era majoritariamente proletária. (ABRAMIDES, 2011, p. 29).

As medidas tomadas pela Comuna foram pautadas na autogestão, e na democracia direta.

A Comuna, que se constituiu na rebelião de uma cidade, na bandeira da independência política dos trabalhadores, demonstrando que era possível unir igualdade e liberdade, no primeiro governo operário que tendia ao socialismo, socializou o poder político que deve ser a alavanca para acabar com o poder econômico. (Idem, p. 31).

Os motivos da derrota da Comuna são diversos, mas o que vale ressaltar é a demonstração da capacidade dos operários de tomar o poder e governar de maneira diversa ao que se tinha até então, com o horizonte da emancipação humana.

Outra experiência importante foram os sovietes, na Rússia. Também pautados na ideia de autogestão, propunham a organização dos trabalhadores

de maneira independente, sem vinculação a partidos, governos ou sindicatos. Surgidos inicialmente em 1905, foram constituídos como comitês operários de fábricas, e como comitês de camponeses.

Com o objetivo de organizar os trabalhadores, principalmente num momento conjuntural de greves na Rússia, eles foram violentamente reprimidos pelo governo tsarista, e retomados em 1917, após a implementação do governo comunista, com uma estrutura que previa não só os conselhos de fábrica, mas um formato mais complexo, em que se criavam conselhos nas províncias até chegar às estruturas maiores de gestão. Nesse período, os sovietes passam a assumir tarefas de gestão pública, sendo que a burocratização do regime comunista russo, dentre outros motivos, contribuiu decisivamente para o seu enfraquecimento.

Vários autores consideram um paradoxo o fato de que os sovietes surgiram em um país onde não havia tradição na organização de sindicatos, de partidos e de parlamentos. No início do século 20, a Rússia tzarista ainda não conhecia os principais mecanismos da democracia burguesa, tais como o sufrágio geral, os direitos de associação sindical e partidária etc. Mas foi exatamente aí que os sovietes entraram em cena, a partir dos acontecimentos de 1905, e sobretudo de 1917. Organismos surgidos a partir das necessidades mais imediatas dos trabalhadores em luta por seus direitos socioeconômicos, eles rapidamente foram desempenhando um papel político na luta contra o regime tzarista, até se tornarem embrião de um novo poder revolucionário – mesmo conhecendo um hiato histórico de mais de dez anos devido ao descenso do movimento operário e socialista e o aumento da repressão policial e política tzarista. (MARTORANO, 2011, p. 45-45).

Os conselhos de fábrica surgidos em Turim, em 1919, objetivam uma democracia operária e o poder político proletário, atuando de forma independente de partidos e sindicatos. Os conselhos diferem dos sindicatos, por seu caráter “orgânico”, em razão de sua estreita ligação com a situação do operário na fábrica. (idem, p. 53).

Havia divergência, entre os membros do Partido Socialista Italiano, sobre a compreensão do papel dos conselhos de fábrica na transformação da sociedade. Enquanto Gramsci e outros membros da revista L’Ordine Nuovo, dentre os quais Palmiro Togliatti, acreditavam nos conselhos como organismos fundamentais para a passagem da condição de trabalhador para a de produtor,

ou seja, para a consecução de um Estado socialista, outra corrente do partido defendia a atuação via sindicatos, que mantinham intacta a discussão sobre o regime do trabalho assalariado.

Outras experiências importantes foram a Revolução Alemã de 1918 e a Revolução Húngara de 1919, além da experiência austríaca, em 1917, até o surgimento da primeira república naquele país.

Após esse período, a ascensão do fascismo, na década de 1920, fez com que as experiências fossem praticamente extintas, e retomadas 40 anos depois. Isso não significa que o debate sobre os conselhos, e mesmo os defensores desse modelo, tivessem deixado de existir. Houve disputa no campo do movimento da esquerda operária, onde a visão de que a condução dos processos de transformação seria hegemonizada pelos partidos políticos ganhou centralidade.

Tais experiências vão ressurgir na Polônia e Hungria, em 1956, na Tchecoslováquia, em 1968, em contextos já bem diversos das experiências anteriores.

Ao analisar as experiências descritas, afirma Martorano (2011, p. 49):

[...] os conselhos foram a principal forma política de caráter popular encontrada pelos trabalhadores na tentativa de construir uma nova democracia ao longo do século 20. Em parte, esse fato pode ser explicado porque os conselhos operários – a exemplo da Comuna de Paris e dos Sovietes em 1905 e 1917 –, foram fruto da própria luta dos trabalhadores e não uma prévia invenção de seus líderes políticos ou de intelectuais socialistas.

Nas experiências, os conselhos se constituíram como espaços de organização dos operários e dos cidadãos em geral no sentido de garantir a socialização da política, e tendo como objetivo comum a emancipação humana e a construção de uma sociedade socialista.

Esse legado da esquerda mundial teve influência no imaginário (ideário) de grande parcela da esquerda brasileira, que na luta pela redemocratização do País, inspirou-se nessas experiências para impulsionar a criação de conselhos no Brasil.