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Lugar dos conselhos na estrutura do estado

CAPÍTULO 3 – Sociedade Civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e

3.2 Lugar dos conselhos na estrutura do estado

Definir os conselhos como esfera social-pública não estatal ajuda a entender, mas não é suficiente para explicar o lugar dos conselhos na estrutura organizacional do Estado.

Vários são os argumentos possíveis para explicar tal situação. Um deles diz respeito à diversidade de tipologias de conselhos na sua forma de organização, natureza, atribuições e procedimentos, níveis de governo (municipal, estadual, distrital ou nacional), porte do município.

Tal situação cria dificuldades de constituição de regras comuns. Quanto aos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, a própria legislação que estabelece a sua criação é bastante genérica, conforme aponta o entrevistado Wanderlino:

Em verdade, a previsão no Estatuto era bastante vaga e refletia mais um ideal, um desejo de efetivar o princípio da participação popular e da democracia direta no âmbito do Estado brasileiro. O Estatuto é muito pobre em normas/regras específicas sobre a organização e o funcionamento desses conselhos. Institui-os como órgãos colegiados (obviamente como instâncias autônomas do Estado, pois previstas em lei), paritários (quantitativamente entre governo e as entidades ditas “não governamentais”), com poderes deliberativos em decisões vinculantes no limite de suas atribuições legais (e não consultivo, como de praxe) e incumbido (no Estatuto) de controlar ações das políticas públicas. A melhor definição de suas atribuições e a ampliação da sua missão original veio com a lei federal, em 1992, que criou o Conanda, e com as leis estaduais e municipais que criavam seus homólogos locais. Na verdade, nessa legislação posterior é que se começa a falar em “formulação de políticas”. Ainda hoje é baixíssimo o nível de regulação jurídico-legal desses conselhos. Além do mais, a ONU, em 1993, posteriormente, aprovou em assembleia geral uma resolução conhecida como Princípios de Paris, que recomenda que os órgãos de controle de ações, no campo dos direitos humanos, seja composto por agentes públicos não governamentais (definindo sua composição mínima), experts, peritos- comissionados, com absoluta autonomia funcional, com assessoramento, apoio técnico-administrativo dos agentes governamentais que o integrarem. Em 2004, o citado Comitê de Genebra recomendou ao Brasil o cumprimento dessa normativa internacional. (Wanderlino Nogueira Neto, entrevista em 20/01/2013).

Sobre a composição da sociedade civil no conselho, observa-se diversidade de formatos. Alguns contam com a divisão da sociedade civil por

segmentos; outros preveem apenas a participação de organizações sociais de atendimento direto e de defesa de direitos etc. Há ainda situações em que algumas representações da sociedade civil são permanentes, estabelecidas na legislação. A forma de definição dos suplentes também é diversa. Em vários locais, os suplentes são da mesma organização dos titulares e, em outros, definidos por ordem decrescente de votação.

Para citar como exemplo, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo elege a sociedade civil por segmentos: atendimento social; defesa dos direitos da criança e do adolescente; melhoria das condições de vida; estudos e pesquisas; defesa de trabalhadores vinculados à questão.

Em vários conselhos, organizações da sociedade civil não podem apresentar candidaturas ao conselho, pelo fato de não terem atuação direta na área da infância e adolescência. Se uma das premissas do conselho é a participação da sociedade civil organizada, a imposição de limitações à entrada de alguns segmentos colide com o princípio, reforçando uma visão corporativa e segmentada da política. É necessário estabelecer as regras para a participação e composição dos conselhos, porém, há que se criar condições para garantir o direito de participação ao maior número possível de atores e segmentos da sociedade civil organizada.

As legislações infraconstitucionais que determinam a criação dos conselhos e respectivos Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, tampouco têm dado conta de melhor definição do lugar que esse espaço institucional ocupa na estrutura do Estado. Segundo Lavalle (2012), os conselhos são uma categoria jurídica de operação do Estado, portanto, possuem materialidade institucional. Ocorre que o desconhecimento sobre esse lócus, ou o desrespeito às suas decisões, faz com que, em muitos casos, os conselhos funcionem de forma paralela ao Estado.

Também implica a compreensão da relação desse espaço institucional com os Legislativos, pois, se a função precípua é a de controle social, ele não tem a incumbência de legislar. Há, contudo, a compreensão de que uma das atribuições é decidir sobre as políticas públicas e a cogestão dessas políticas. Esse entendimento está longe de ser consenso. Na mesma entrevista, ao

indagar sobre como surgiu a ideia de proposição da criação de conselhos gestores, a resposta foi a seguinte:

Na verdade, não se criou nenhum “conselho gestor” com o Estatuto e sim conselhos (1) controladores das ações públicas da chamada então “política de atendimento de direitos de crianças e adolescentes” (hoje chamada de política de direitos humanos de crianças e adolescentes) e (2) formuladores dos parâmetros, dos princípios e das diretrizes gerais dessa política. A coordenação e execução (gestão) dessa política (como das demais no Brasil) é da esfera da atual Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Na época da edição do Estatuto, da Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA) e depois do Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça. São coisas diferentes, são diversas as atribuições entre gerir (administração direta, financeira, pessoal, material de serviços e programas públicos) e controle (parametrar-monitorar-avaliar-corrigir). Esses conselhos controladores dessa área têm base legal no art. 227, § 7o combinado com o art. 204, II da Constituição Federal, que os prevê como decorrência do princípio constitucional da democracia mista representativa e participativa direta e dos novos paradigmas ético-políticos do processo de redemocratização no Brasil e de superação do período anterior, autoritário e ditatorial. Eles, em concreto, foram inspirados em experiências outras de conselhos de políticas públicas outras (saúde, educação, meio ambiente, defesa social, etc.), todos nascidos com a mesma inspiração política e com base também na Constituição Federal. Em nível internacional, a ONU mantém com essas atribuições de controle e formulação da política internacional de promoção e proteção de direitos humanos, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança, em Genebra, como parte integrante do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que deve ser visto também como similar ao Conanda e seus homólogos estaduais e municipais. (idem).

E prossegue, de maneira elucidativa:

Entendo cogestão governo e sociedade organizada, num sentido diferente da experiência dos conselhos controladores. Todavia, na época da redemocratização no Brasil, a literatura e as experiências alternativas/alterativas de cogestão eram fartas, ricas, revolucionárias mesmo. Qualquer estudo da arte a respeito da democracia indireta ou participativa no Brasil e no mundo pode isso resgatar, sem dúvida. E dentro desse contexto, surgiu a ideia de fortalecimento do controle social (exclusivo da sociedade) e especificamente da participação da sociedade organizada nesse movimento, ao lado da cogestão e como aliada a esta. (idem).

O entendimento sobre o significado de gestão, ou cogestão, define esse ponto de tensão. De fato, as tarefas de gestão e de controle são conflitantes entre si?

Na linha de reflexão sobre as responsabilidades e atribuições dos conselhos, Tatagiba e Almeida (2012, p. 76) apresentam outro ponto importante de tensão:

[...] as responsabilidades institucionais conferidas aos conselhos gestores no âmbito das políticas implicam uma justaposição de competências para seus atores: eles encaminham e ao mesmo tempo deliberam sobre demandas sociais; exercem o controle social e são objetos desse mesmo controle; são responsáveis pelo controle e, muitas vezes, pela própria execução das políticas.

Os conselhos são, portanto, uma das instâncias no cenário de decisão e controle das políticas estatais. Contudo, é obscuro o fluxo de comunicação, competências e inter-relações destes com os demais órgãos. Os conselhos são espaços institucionais deliberativos sobre as políticas da sua área de competência e utilizam as resoluções como principal instrumento legal de publicização de suas decisões. Elas têm valor jurídico? Em que escala hierárquica se colocam? Lei municipal pode ir contra resolução do Conselho, ou vice-versa? Quando uma resolução de um conselho estadual ou do conselho nacional colide com uma legislação municipal, a qual o conselho deve respeitar?

[...] a questão acerca da existência ou não de uma hierarquia superior das deliberações dos conselhos dos direitos sobre os atos normativos do chefe do Executivo é tema algumas vezes debatido, particularmente mediante um conflito constituinte. O que parece certo, firmado na jurisprudência, é que a decisão dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente possui natureza vinculativa, ou seja, a sua decisão em relação aos direitos de crianças e adolescentes deve ser adotada por todos os outros segmentos (governo, outros conselhos e sociedade civil). (ASSIS et al, 2009, p. 77).

Por vezes, os conselhos compreendem de forma simplista que a autonomia político-institucional prevista na legislação impõe, aos demais órgãos do Estado, uma aceitação passiva de todas as decisões emanadas do conselho. De fato, tais decisões são passíveis de contestações e

questionamentos e, mais uma vez, não se percebe a existência de espaços e fluxos de comunicação entre esses diversos setores/órgãos para o debate e a busca de entendimento sobre tais deliberações.

Esse debate ganha amplitude no caso da política da infância e adolescência que tem caráter transversal e implica a necessária abordagem intersetorial.

A imprecisão sobre a compreensão do que seja esse espaço institucional e de seu lugar no aparato do Estado, tem como consequência um tratamento irrelevante e, por vezes, de desrespeito às deliberações dos conselhos.

Olha, algumas vezes não; algumas vezes não são acatadas. As propostas que apresentamos, eles põem em banho-maria e se não tiver formação, que é outra coisa que o conselho deve, é papel, está na lei, investir nessa formação, eles ficam como figuras, como acontece em outros conselhos, que os representantes são indicados pelo governo [...] e isso não é denunciado, porque o conselho estadual também não está acompanhando esse processo, fica muito nos seus estados, mas deveria estar fiscalizando, monitorando, mais próximo. (Entrevistado 5).

Olhe, às vezes, sim, às vezes não. Sei que, no ano em que éramos não governamental, realmente as coisas fluíram muito bem, mas no ano em que foi governamental gerou certa dificuldade, em relação à secretaria, mas esperamos que agora nessa gestão tudo volte a funcionar como deve. (Entrevistado 4)

Não é tão respeitado como deveria ser. Temos uma Secretaria da Criança que, quando precisa do conselho, delibera junto, precisa dessa articulação com o próprio governo, que é um governo amplo, de uma coligação ampla, então delibera junto. Mas, quando tem ações que é a Secretaria da Criança mais a Secretaria de Assistência Social, o próprio governador, dentro das suas ações na área de criança e adolescente, quando está favorável para eles, não inserem ou não buscam esse diálogo com o Conselho da Criança. Então, o que temos visto, e não é só neste governo, todos os governos que temos acompanhado, essa movimentação dos Conselhos da Infância, do Conselho dos Direitos da Criança, vemos que o que é de interesse vai junto, o que não é de interesse, não vai, se tenta esfriar, deixar para lá, e aí fica a sociedade civil dentro do conselho pressionando, fazendo pressão e temos usado muito a câmara legislativa para fazer essa pressão. Mas, vemos também o governo levando sozinho a política da criança e do adolescente, sem consultar e sem dialogar com o conselho, quando é de interesse dele ou quando imagina que

o conselho vai bloquear, vai inviabilizar alguma coisa. (Entrevistado

6).

Em diversas situações, o conselho entende que só o Judiciário é capaz de resolver tal situação. Não desconsiderando tal prerrogativa. Há que se cuidar para evitar a judicialização da atuação dos conselhos.

 

Não cumpriu a deliberação de conselho, eles têm que agir. Temos até instrumentos, hoje, e a ação do Ministério Público é uma delas, para fazer cumprir as deliberações do conselho. Porque se usa essa forma de ser do conselho não ser ordenador de despesas, e não sei se teria que ser mesmo, mas não cumprir a deliberação, a atuação do Ministério Público. Temos instrumentos para garantir essa autonomia no cumprimento das deliberações. (Entrevistado 2).

Na época, a gente fez entrada no Ministério Público, enfim, mas não houve resposta nenhuma nesse sentido, e a própria sociedade civil não enfrentou isso muito forte. O fórum fez alguns enfrentamentos, mas não teve unidade tão grande assim para continuar o debate, porque lá é respeitado até aonde fere os interesses políticos.

(Entrevistado 1).

Também é perceptível que os fluxos de operacionalização das decisões do conselho, ou são inexistentes, ou, quando existem, não são monitorados no seu passo a passo, ficando muito na dependência dos funcionários administrativos de apoio ao conselho (quando existem) cuidar dessas tarefas, sem uma devolutiva sobre tais processos.

Existe sim. As decisões são votadas em plenário, primeiro, passam pelas comissões, de trabalho; após a comissão trabalhar aquele tema, ou aquela resolução, vai para a plenária votar; votada, é publicado no Diário Oficial do município e são encaminhados ofícios à Secretaria Municipal de Assistência Social para a execução.

(Entrevistado 2).

O fluxo é muito frágil. Provavelmente, vai sair, com o novo planejamento do conselho agora, no início deste ano, uma metodologia de acompanhamento do fluxo. Mas ele é criticado por nós mesmos, por não dar conta de acompanhar, principalmente porque não tem um número de técnicos suficiente, dentro da equipe do conselho e da própria secretaria que dá suporte estrutural para o conselho. Então, tem uma fragilidade nesse processo. (Entrevistado 6).

Muito ainda há que se percorrer, no sentido de obter melhor conexão e mais integração com o ambiente estatal, sendo necessário investimento na legitimação e no fortalecimento dos conselhos no interior do Estado.