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O Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CAPÍTULO 3 – Sociedade Civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e

3.7 O Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

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O Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) é um fundo público, de modalidade especial, instituído pela Lei n. 8.069/90. É também conhecido como FIA ou simplesmente como Fundo da Criança e do Adolescente. Na União, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios deverá ser criado um único e respectivo Fundo, conforme estabelece o ECA. (BRASIL, 1990, art. 88, IV).

O fundo dos direitos da criança e do adolescente, a despeito da intenção dos legisladores de publicizar a utilização de recursos públicos, além de intensificar o processo de descentralização financeira e de fazer com que a

                                                                                                                         

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Para a discussão desse item, foi utilizado o texto de Francisco Sadeck, Orçamento Público e

Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. In: ASSIS, Simone Gonçalves de et. Al.

(Org.). Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da criança e do

adolescente. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Educação a Distância da Escola

Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2009.

sociedade civil decida e controle tais recursos, tem se mostrado um problema para os conselhos. A constatação de que não se tem conseguido atingir o que a legislação previu, parte de questões de diversas ordens e de variados lugares.

Lembremos que a tarefa fundamental dos Conselhos de Direitos é o controle social, ou seja, além do trabalho de incidir e contribuir na elaboração do orçamento público, deve controlar sua execução, no sentido de garantir a aplicação correta dos recursos financeiros conforme foi decidido e aprovado.

Sobre a natureza, o Fundo da Criança e do Adolescente é considerado especial, que tem base na Lei 4.320/1964, em especial nos artigos 71 a 7429.

Uma destas questões iniciais diz respeito à composição de recursos para este fundo. Neste ponto, a legislação é bastante clara e pode ser observada no que determina o artigo 4o do ECA, parágrafo único, alínea d: “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

Portanto, os recursos devem provir do tesouro público e, além dele, também de destinações do imposto de renda de pessoas físicas ou jurídicas; multas decorrentes de condenação em ações cíveis e aplicação de penalidades administrativas ou penais previstas nos arts. 228 a 258, do ECA; outras fontes, tais como convênios, transferências entre entes da federação, doações/contribuições de pessoas físicas, governos, organismos nacionais ou internacionais, resultados de aplicações financeiras e de cláusulas específicas de contratos de licitação pública; além de doações de bens materiais de pessoas físicas ou jurídicas.

O que se observa é a ausência ou baixa participação dos governos na composição de recursos do Fundo da Criança nos municípios. Os fundos, atualmente, contam com recursos advindos de destinação de pessoas físicas e jurídicas e de multas aplicadas pelo Poder Judiciário. Isso se coloca em

                                                                                                                         

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Art. 71 – Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação. Art. 72 – A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais. Art. 73 – Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo. Art. 74 – A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem, de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

municípios de grande porte, objeto de análise mais detida deste estudo. Em municípios pequenos, verifica-se a ausência real do fundo, por inexistência de qualquer recurso ali alocado.

A recusa do poder público em alocar recursos do tesouro público no Fundo da Infância reside na resistência em partilhar o poder, sobretudo quando envolve dinheiro. O discurso de inúmeros gestores públicos é de que o Fundo da Infância não deve receber recursos públicos, o que demonstra total desconhecimento legal ou, o que é pior, atitude de dissimulação ante o imperativo da lei.

Sobre isso, dizem os entrevistados:

[...] agora, o recurso do fundo não pode ser também, como entendimento de alguns, só recurso de destinação fiscal. Tem que ter recurso oriundo do tesouro. [...] Tem (recursos) para as conferências, para algumas coisas, mas ainda está longe de ser os recursos que precisa; mas tem. (Entrevistado 2).  

Quer dizer, o dinheiro que vem é do recurso federal; o estado ou município não põe nenhum centavo e quer que faça mágica, contrate equipe técnica boa, e aí sucessivamente, é uma dificuldade muito grande. (Entrevistado 7)

Ao não alocar recursos, ou fazê-lo em quantidade insuficiente, o Estado coloca para o conselho a tarefa de captador de recursos para o fundo, o que é outra distorção. É necessário compreender que os recursos do Fundo da Infância é uma pequena parte de um todo orçamentário que compõe as políticas destinadas a crianças e adolescentes. A maior parte dos recursos deve estar alocada nas políticas sociais básicas e em ações estruturadas e perenes de atenção à infância. E é papel do conselho participar e interferir na elaboração do orçamento público da infância, o que tem sido pouco realizado.

Grande parte consome boa parte da energia em cuidar da captação de recursos de pessoas físicas e jurídicas. Tal fato tem gerado situações de distorção de tal ordem que é comum verificar materiais de comunicação de conselhos que só divulgam o fundo. Inclusive, existem páginas, na internet, de Fundos da Infância descolados dos conselhos.

Quando o fundo consegue dispor de recursos, os problemas dizem respeito à forma de utilização. Boa parte dos municípios não dispõe de

diagnóstico da situação da infância, o que dificulta estabelecer prioridades de aplicação dos recursos disponíveis. Em muitos conselhos, ferramentas de planejamento, como os Planos de Ação e Planos de Aplicação, simplesmente inexistem, ou, quando são realizados, viram peças formais não utilizadas como subsídios para a decisão sobre os projetos e ações prioritárias a serem financiadas pelos recursos do fundo. Nesses casos, os conselhos transformam- se em presa fácil de discussões corporativas e sem conexão com as reais necessidades da população que deve ser beneficiada. Sobre isso, afirma o entrevistado Wanderlino:

A falta de formulação e do planejamento da política de direitos humanos na área da infância e adolescência (só aconteceu quase 20 anos depois...!) muito prejudicou o processo. E criou um sistema perverso e dissipador de recursos públicos, em um “balcão de projetinhos”, onde uma luta por recursos para ações sem sustentabilidade e não inseridas em planos maiores (para além dos meros e burocráticos “planos de aplicação dos recursos”) passou a motivar a ação de alguns conselheiros nos Conselhos dos Direitos, de maneira imediatista, corporativista e personalista. (Wanderlino

Nogueira Neto, entrevista em 20/01/2013).

Contudo, há exemplos de conselhos que, a despeito das dificuldades enfrentadas, conseguem empreender iniciativas que garantem qualidade às decisões, porque embasadas em planejamento.

[...] nós vamos entregar o diagnóstico agora, estamos concluindo para fazer a impressão, e vamos apresentar ao gestor aonde ele tem que pôr recurso, não adianta ele colocar recurso, por exemplo, na região leste, e o problema ser na norte e na sul. Ele tem que colocar o dinheiro aqui, tem que erradicar os problemas nessas regiões. Regiões que não têm escola, que não têm creches, que não têm nada, e essas crianças ficam vulneráveis a todo tipo de violência que se possa imaginar. Esse é um dos últimos trabalhos desta gestão, já está pronto, foi consolidado, para encaminhar e ver a possibilidade de ainda incluir no PPA, que só vai em junho, e também na LOA do ano que vem, para garantir recursos significativos. Essa é a nossa vontade, e, pela primeira vez na história, participar de forma decisiva na elaboração de um orçamento participativo, quer dizer, mostrando, provando, onde que realmente está, porque só pedir, sem diagnóstico, todo mundo quer uma creche no seu bairro, mas não se sabe qual é aquele que mais precisa e agora estamos mostrando para o gestor onde mais precisa. (Entrevistado 7).

Outro ponto de dificuldade no que tange ao Fundo da Infância, diz respeito à gestão administrativa. O Conselho de Direitos tem a tarefa de fazer a gestão política do fundo, ou seja, decidir de que maneira serão aplicados os recursos e controlar a execução orçamentária. Cabe ao órgão do Executivo ao qual o fundo está vinculado administrativamente, proceder à gestão burocrática do cotidiano do fundo, que implica um rol de ações, dentre as quais: processo de conveniamento, pagamento, controle de entrega de documentos e prestação de contas, controle da conta corrente do fundo, comunicação permanente com os conselheiros, e disponibilização das informações necessárias aos conselheiros, dentre outras.

Observa-se que a burocracia do Estado tem obstaculizado a rápida operacionalização das decisões de alocação de recursos pelo plenário do conselho. Essa questão colide com o princípio legal da prioridade absoluta. Sob o discurso da responsabilidade fiscal e outras preocupações de ordem técnico-procedimental, criam-se dificuldades que acarretam demora no repasse dos recursos e prejuízos às crianças e adolescentes, além do que afeta a imagem do conselho junto aos destinadores e/ou doadores30 de recursos ao fundo.

Cabe ainda apontar outro ponto de tensão, na questão dos Fundos da Infância, e que é motivo de intensos debates entre os diversos sujeitos do movimento da infância. Trata-se do direcionamento dos recursos, por quem doa ou destina aos Fundos da Infância, que pode escolher uma prioridade ou um projeto específico. O debate reside na compreensão de que esse direcionamento fere a competência dos conselhos no que tange à gestão política dos recursos dos fundos. Ou seja, é competência indelegável dos conselhos a decisão sobre onde devem ser aplicados os recursos dos fundos, não podendo sofrer interferências de interesses outros.

No sentido de normatizar esta situação, o Conanda emitiu a Resolução 137/2010, que dispõe sobre os parâmetros para a criação e o funcionamento dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

                                                                                                                         

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A diferença entre doação e destinação é que a destinação pode se utilizar do benefício fiscal do imposto de renda, enquanto que a doação não apresenta essa possibilidade.