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3 RESULTADOS: EXPERTISE DO PROFESSOR

3.3 CONDIÇÕES PARA O DESEMPENHO EXPERT DE PROFESSORES

No que se refere às condições que favoreceram o desenvolvimento de um comportamento considerado de excelência, emergiu no contexto desta pesquisa uma ênfase ao ambiente em que as participantes tiveram suas primeiras experiências de vida, assim como a indicação de pessoas que apóiam e ajudam no sentido de poderem se dedicar mais intensamente ao trabalho realizado. Sob esse aspecto, nota-se nos relatos feitos um envolvimento com o trabalho que supera o tempo administrativamente estipulado para realização da atividade docente.

3.3.1 Rede social de apoio

O desempenho do indivíduo em uma dada atividade é considerado ou avaliado dentro de um contexto sócio-cultural. Nesse sentido, entender um desempenho excepcional envolve compreender as condições sócio-culturais que favoreceram seu desenvolvimento. Segundo o ponto de vista de uma das participantes, o meio social em que vive o professor estimula e ajuda no desenvolvimento de um bom desempenho.

(...) Então, assim, acho que o meio estimula. O meio ajuda muito. (A., 31 anos)

Nesse sentido, o ambiente onde viveram suas primeiras experiências foi considerado relevante por grande parte das participantes. Os relatos indicam que alguns comportamentos necessários à boa realização do trabalho docente foram desenvolvidos desde criança por meio do apoio parental. Dentre esses comportamentos figuram: a capacidade de comunicação, a responsabilidade para concluir o que se propõe a fazer e o gosto pela leitura.

Morei em vários lugares do país, né? Por causa da profissão do meu pai, o que me ajudou muito na questão da comunicação. (A., 31 anos)

(...) Pode ser da minha formação, né? Sou filha de militar. Estudei no Colégio Militar. Enfim... Tudo que eu me proponho a fazer eu termino. (A., 31 anos) (...) Eu nasci numa casa... Muito livro, muito jornal, muita revista. Com quatro anos eu lia e sem entrar na escola. (...) E a gente tinha muito acesso a revistas, a livros, livrinhos de histórias. É hábito na minha família. (M., 60 anos)

(...) Ele [pai] me fazia dormir contando... com uma história. E isso foi muito importante, foi muito importante pra mim. (M., 49 anos)

Além das considerações tecidas acerca do apoio parental, houve destaque ao apoio recebido por marido e por filhos, depois de já estarem exercendo a atividade docente. O marido de uma das participantes a apóia sendo fonte de informação e disponibilizando recursos materiais que agilizam a parte técnica do trabalho. Outra participante destaca que o marido e a filha auxiliam na digitação das atividades e garantem que ela se envolva no trabalho sem ser incomodada.

E ele [marido] está sempre disponível. Sempre disponível. Pro que eu pergunto, ele tem uma resposta legal. (...) Mas, às vezes, o que ele tem dúvida, ele procura, assim, no que ele tem de reserva de informação, pra poder dar aquela explicação. E, sem contar, os recursos que ele me... que tá sempre me disponibilizando, né? (...) Então,

ele, por exemplo, me comprou um mimeógrafo. Eu tinha um mimeógrafo dentro da minha casa. Um mimeógrafo de alta qualidade. Não era novo. (...) Outra coisa que meu marido também me arrumou, na época, que foi assim maravilhoso... Todo mundo tinha um inveja! [Risos] Ela arrumou uma impressora matricial, sabe? Matricial. (...) Ele me deu, também, uma máquina de datilografia elétrica. (V., 54 anos)

(...) Na minha casa, eu tenho... eu tinha, na casa onde eu morava antes, eu tinha um quarto, que o meu marido montou só pra mim. Só tinha livros meus. (V., 54 anos) Eu te falei que minha filha digita. Agora, precisando ajeitar esses quinze textos, meu marido já arrumou uma pessoa no trabalho que quer ganhar um trocado e, fora do serviço, vai digitar isso pra mim. Então, eles vão me ajudando assim. E fora que me dá sossego. (...) Aqui, eu tô aqui inteira. Não fica aquela atentação, não. E pronto. Eu acho que essa harmonia, essa paz... Eu chego em casa todo mundo tá fazendo isso, tá fazendo aquilo, eu abro e vou cuidar da minha vida. Ninguém fica me incomodando. (R., 45 anos)

Assim, os discursos das entrevistadas revelam que as condições ambientais favorecedoras de um desempenho superior se limitam a dimensão familiar, na figura de pais, maridos e filhos. Somente uma participante destacou que o ambiente de sala de aula também é importante. Para ela, é fundamental que o professor goste da movimentação própria de uma sala de aula; isto é, a sala de aula deve ser um ambiente natural.

(...) É uma ambiente muito natural pra mim. Ficar no meio de aluno que conversa, que fala. Eu também converso muito, falo muito, adoro estudar... [Risos] Conteúdo e gosto muito de... de... ensinar. Então, eu acho que a sala de aula é um ambiente natural, né? É um ambiente que se torna muito natural. Porque você tem, aí, todos os ingredientes que você tá acostumada ali, né? Esse ambiente de aluno que fala, que mexe, que grita, que... Um ambiente de sala de aula, né? E ensinar, né? Ensinar é... Maneiras diferentes de ensinar, de saber passar conteúdo são todas coisas que eu gosto. É... De conteúdo em si, né? Gosto muito. (M., 45 anos)

3.3.2 Casa como extensão da escola

Ainda no que se refere às condições ambientais, aspecto que surgiu repetidas vezes nos discursos diz respeito à utilização do ambiente familiar como uma extensão da escola. Uma das participantes ao ser convidada para participar da pesquisa disse que a entrevista poderia ocorrer tanto na escola quanto em sua casa, porque esta era a extensão do ambiente de trabalho. Durante a entrevista, a referida participante indicou que em sua casa há um quarto destinado à sua atividade profissional.

É verdade! Quantas vezes eu trabalho lá. Se você for na minha casa. [Novamente, se emocionou] O quarto meu de trabalho... (...) Na minha casa, eu coloquei assim: uma mesa com umas gavetas, uma estantezinha, que estava tudo socado lá dentro, assim... Se eu puxar vem tudo. E, só ali. Eu queria... eu quero colocar só ali, porque se não vai ter... vai ter coleções em outros armários. Se eu bobear, eu encho só com material da escola. (V., 54 anos)

Para algumas participantes, não é possível conseguir organizar todo o material necessário à aula durante o período que estão na escola. No ambiente escolar, elas relatam que ficam envolvidas com a regência, com corrigir atividades dos alunos e com a reprodução de material. Em casa, elas conseguem pesquisar materiais diferenciados, estudam e concluem planejamentos. Segundo a opinião de uma das professoras, levar trabalho para casa é uma característica de muitos professores. Interessante observar que a referida professora não trata essa característica como um aspecto negativo da profissão.

(...) Ultimamente, o horário que eu tenho mais é à noite mesmo. Aí, tem que deixar aquele horário pra fazer trabalho, pra ler, pra rever materiais. Isso tudo à noite, porque durante o dia, basicamente, é, assim, com o aluno mesmo, né? De tá corrigindo, de tá preparando aula, rodando material, corrigindo. Aula à tarde... Que eu dou aula todos os dias à tarde, né? Então, a parte da tarde não tem como mudar. É, realmente, na sala de aula. O que me sobra é muito à noite e, às vezes, no final de semana. (M., 45 anos)

(...) Mas, assim, não deixo de levar muita coisa pra casa. E eu vejo, assim, que esse tempo que, às vezes, eu vou pra casa, que eu, às vezes, assim, uma coisa que eu comecei na escola e consigo finalizar mais em casa. Então, assim, esse tempo é uma extensão mesmo da escola, né? Que a gente não deixa, às vezes, pra um outro dia. Eu acho que vai muito, assim, é uma característica até dos professores, né? Assim, na maioria. Não deixar, né? Pro amanhã. Acaba estendendo, mesmo, pra casa. (C., 37 anos)

E, em casa, eu tenho... tem que ter pelo menos duas horas de estudo em casa. (A,. 46 anos)

As falas sugerem que a atividade profissional do professor que atua na primeira fase do Ensino Fundamental requer uma preparação minuciosa do material que será utilizando durante a regência. Esse material é preparado por cada professora. Uma das participantes relata que realiza noventa por cento do trabalho de preparação para aula na escola, sendo que o restante é realizado em casa. De acordo com ela, o importante é entrar em sala devidamente preparada.

Às vezes. Noventa por cento. Eu chego e faço. Quando não tem jeito, eu faço em casa, porque eu não entro na sala sem tá com a aula preparada. Eu tenho que tá com a aula preparada. (M., 60 anos)

Outra professora transforma seus domingos em dia de exercício profissional. Interessante observar que ela estabeleceu uma rotina de trabalho em casa. Começa corrigindo material de aluno, faz os planos de aula e pesquisa materiais diferenciados.

Sigo rotina. Sou sistemática. Como eu te contei começa no domingo. Já levo tudo na sexta-feira. (...) Todo domingo. Mas é rotina. É uma coisa, assim, meio... [Risos] Eu começo pela manhã no domingo. (...) E, aí, acordo de manhã e começo. Abro. Sempre começo corrigindo tudo que tá atrasado. Mas, é... Gente, é uma coisa, assim, que chega a ser engraçada. Corrijo tudo que tá atrasado e, depois que corrijo tudo que tá atrasado, começo a fazer o plano de aula. Aí, vejo uma coisa ou outra, que acho: "Não. Aquilo eu posso fazer diferente." Então, eu vou pesquisar. Aí, pesquiso. Aí, pergunto. Aí, num sei quê. Ali, pras minhas filhas pá rá rá, pá rá rá. Então, fico nesse plano de aula. Você pode colocar umas duas horas, nessa confusão de abre outro livro, abre outro livro. E tem muitos livros, lá, em casa e eu coloco todos sobre a mesa. Aí, isso vai até meio dia. Até, aí, eu não elaborei nada. Só planejei a minha semana e corrigi o que eu tava de pendência... (R., 45 anos)

Assim, observa-se que a dedicação ao exercício profissional para essas professoras supera o tempo de 8 horas diárias estipulado administrativamente. Muitas das entrevistas conseguem delimitar o tempo que trabalham em casa.

Horas? Eu acho que eu tenho. Eu acho que eu consigo mensurar aqui. Deixa eu ver! Acho que umas sete horas. (R., 45 anos)

Bem. Na semana... São umas... De... de escola são os dias que eu tô aqui coordenando, né? Mas, tem bem mais em casa. Eu posso te dizer assim: doze horas. Seria o tempo? (C., 37 anos)

Ah! Muito, minha filha. Cinco horas, eu fico todos os dias só com eles. Cinco horas, fico com eles. Então. É... Tem os horários de planejamento aqui. Tem um... Final de bimestre, assim, você é professora, você deve saber. Às vezes, eu fico até dez horas, só com trabalho de aluno. É cinco horas mais cinco horas em casa, organizando pasta, organizando atividades, corrigindo. Assim. (M., 45 anos)

Uma das participantes, no entanto, descreve que o envolvimento com o que está sendo realizado é tamanho que a faz perder a noção do tempo.

Pois é. [Risos] Às vezes, você chega em casa e está cheia de problemas para resolver em casa. Aí, cê senta de frente ao computador: "Eu tenho que fazer isso para turma.” Então, você senta ali, tenta criar, elaborar as atividades que você quer desenvolver com a turma e esquece do resto. (A., 46 anos)

O envolvimento com o trabalho em casa não é tratado pelas participantes com pesar. Ao contrário, parece que é algo bem elaborado por elas. Não há o sentimento de limitação da vida pessoal ou subtração do tempo destinado à família.

(...) Quando eu chego em casa: ai! [referindo-se ao sentimento de alívio de alguns professores quando chegam em casa] Eu não. Eu não dissocio uma coisa da outra. "Ah! Então você não tem vida própria?" “Tenho. Não deixo de ter.” (A., 31 anos) (...) E, aí, eu fui cuidar da minha vida. Mas com a maior... Sem nenhum: “Ah! Deixei, subtraí tempo de ficar com minha família. Ah! Subtrai tempo do meu lazer.” Não. Não. Não, porque isso pra mim é bem elaborado. (R., 45 anos)