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Este estudo teve como objetivo investigar as trajetórias de aprendizagem de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental que são reconhecidos positivamente por sua atuação, buscando compreender motivos, condições ambientais e processos de aprendizagem que contribuíram para que as participantes da pesquisa atingissem e mantivessem um desempenho considerado por pares como superior. Mais precisamente, esta pesquisa buscou identificar fatores que pudessem ser comparados à literatura da área da

expertise, no sentido de determinar ou não a existência da expertise neste segmento de ensino.

Para tanto, os resultados apresentados serão discutidos tendo como apoio as contribuições teóricas da área da expertise e da educação.

4.1 PROFESSORES EXPERTS: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

Em diversas áreas de atuação, existem pessoas que se diferenciam de outras em termos da qualidade de seu desempenho. Acredita-se que isso não seria diferente na área do ensino. Contudo, essa questão ainda tem sido pouco contemplada, em parte, porque o conhecimento sobre o desenvolvimento da expertise é relativamente novo. Nesse sentido, a exploração da

expertise no ensino é cercada de aspectos a serem descobertos e de equações a serem

resolvidas, a começar pela definição do que seria um professor expert nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

De acordo com French e Sternberg (1989, p. 158), a expertise, em um contexto amplo, é entendida como uma “capacidade, adquirida pela prática, de desempenhar qualitativamente bem uma tarefa particular de um domínio”. Nesta investigação, entende-se o ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental como o domínio particular. Desse modo, poderíamos inferir que o professor expert dos anos iniciais do Ensino Fundamental seria aquele que desenvolveu, por meio da prática, um desempenho qualitativamente bom.

No entanto, tal conceito carece de elementos mais precisos. Nesse sentido, para buscar elementos que possibilitassem explorar conceitos de expertise aplicados a professores, foram incluídas no roteiro da entrevistas semiestruturada questões, como: qual é sua percepção sobre o desempenho profissional de um bom professor? Como você avalia sua atuação profissional?

Os discursos revelaram uma variedade de características que, em conjunto, comporiam o comportamento de um professor que tem sua atuação reconhecida positivamente. Em outras palavras, o conjunto de características descritas delinearia a noção do que seria um professor ou uma professora expert no segmento de ensino investigado.

Para tanto, as características elencadas pelas participantes foram agrupadas em dois segmentos distintos. Um segmento refere-se aos aspectos mais técnicos da profissão e, outro, a atributos de ordem pessoal. Dentre os aspectos técnicos que comporiam o comportamento

expert do professor figuraram conhecimento sobre o currículo, conhecimento sobre como os

alunos aprendem, capacidade de planejar as ações, trabalho sistematizado por rotinas e preocupação com os resultados do trabalho em termos de quão eficiente tem sido o processo de aprendizagem dos alunos. Quanto aos atributos de ordem pessoal, figuraram o envolvimento pessoal com o trabalho e atitudes, tais como: percepção de si como pessoa responsável, dedicada, comprometida, entusiasmada, paciente e sensação de incompletude.

Em alguns estudos que buscaram delimitar características de bons professores (CUNHA, 2001; NAIFF et al, 2008), em estudo que buscou desenvolver um instrumento de aferição de características que tornam a prática do professor eficaz (FAKUDA; PASQUALI, 2002) e em estudos sobre a expertise de professores (BERLINER, 2001, 2004), identificou-se que o domínio do conteúdo a ser ensinado é uma característica importante dos professores investigados. Nesta pesquisa, apesar de o domínio de conteúdo ser mencionado, o conhecimento sobre o currículo emergiu com mais frequência nos discursos.

Os programas curriculares são quadros aos quais os professores se dedicam. Ensinar é, dentre outros aspectos, seguir um programa. Os programas escolares são instrumentos cognitivos que permitem aos professores organizarem sua atuação em função de objetivos, de expectativas, de cronologias, etc. Os programas curriculares exercem, portanto, um papel relevante, unificando a ação coletiva dos docentes e orientando-a para conteúdos e objetivos comuns (TARDIF; LESSARD, 2007). Desse modo, é possível compreender a importância dada pelas participantes ao conhecimento do currículo, seguido em escala de menor significância do conhecimento do conteúdo a ser ensinado.

De acordo com estudos já citados (BERLINER, 2001, 2004; CUNHA, 2001; FAKUDA; PASQUALI, 2002; NAIFF et al, 2008), o conhecimento sobre o conteúdo representa uma dimensão significativa do processo de ensino e de aprendizagem e uma característica de professores que apresentam um desempenho considerado superior. No entanto, no contexto desta pesquisa, a importância desse tipo de conhecimento emergiu como aspecto que dá sustentação ao trabalho de mediação realizado pelo professor entre o conteúdo

e o aluno. Nesse sentido, as participantes elegeram o conhecimento sobre as características de aprendizagem dos alunos como uma particularidade fundamental ao professor que se destaca por sua atuação.

Essa particularidade, segundo o pensamento de Tardif e Lessard (2007), torna-se evidente devido à natureza do trabalho docente. O trabalho do professor é uma prática centrada nos alunos, em torno dos alunos e para os alunos. Dito de outra maneira, a complexidade da atuação do professor decorre do seu objeto de trabalho; isto é, um ser humano que pode cooperar ou resistir à intervenção do docente.

A partir do momento que o professor tem conhecimento claro das características de aprendizagem da faixa etária com a qual atua e desenvolveu a capacidade de observar os alunos e identificar os mecanismos de aprendizagem em uso, ele tem condições de estabelecer estratégias para ensiná-los. Observa-se, assim, que as professoras investigadas também construíram um conhecimento sobre estratégias de ensino e são capazes de adequá-las ao contexto da sala em que estão atuando.

Em síntese, foi possível identificar quatro tipos de conhecimento desenvolvido pelo grupo de professoras estudado: conhecimento sobre o currículo, conhecimento sobre o conteúdo a ser ensinado, conhecimento sobre as características de aprendizagem dos alunos e conhecimento sobre estratégias de ensino. O conjunto de conhecimentos necessários à atuação nos anos iniciais do Ensino Fundamental descritos pelas participantes coincide com os achados de Angell, Ryder e Scott (2005), quando investigaram longitudinalmente o conhecimento base de professores experts na área de Física.

Estudo desenvolvido por Berliner (2001) indica que o desempenho superior de professores está diretamente relacionado à possibilidade de articular todos os conhecimentos acima citados no momento da atuação. Tal conclusão é oriunda de experimentos realizados em laboratório, quando foi solicitado a professores que planejassem e ministrassem aula para um grupo de alunos. Os professores que participaram do experimento sentiram-se frustrados em seu desempenho, destacando que, apesar de terem conhecimento sobre o assunto a ser ministrado, atuavam melhor quando estavam com seus próprios alunos, pois os conheciam bem.

Outra característica de um professor expert, elencada pelas participantes, diz respeito à capacidade de planejar pormenorizadamente sua ação. Para entender essa característica no contexto do desenvolvimento da expertise, novamente, é importante tecer comentários acerca de características particulares do trabalho docente. Tardif e Lessard (2007) indicam que o professor deve oferecer serviços educacionais que incluem sequências de instrução mais ou

menos coerentes, com progressão e diferenciação, além das atividades de socialização. Desse modo, cabe ao professor o cuidado de selecionar e hierarquizar os objetivos em relação aos alunos, considerando a natureza do assunto a ser ensinado, seu grau de dificuldade, seu lugar no currículo, etc. Portanto, a planificação da ação constitui um aspecto importante da atuação docente, pois ela permite pensar antes, permite estar preparado, tendo em mente o que se vai fazer.

Ainda de acordo com Tardif e Lessard (2007), o professor deve considerar, ao planejar, o conhecimento sobre os processos de aprendizagem dos alunos, as atividades anteriores e posteriores, pois elas definem as etapas em que os estudantes se encontram; a natureza da matéria a ser ensinada, seu lugar no currículo e seu nível de dificuldade; as atividades de ensino; os recursos e as obrigações. Interessante observar que tais elementos remetem aos conhecimentos necessários à atuação já descritos, respectivamente: conhecimento sobre as características de aprendizagem dos alunos, conhecimento do conteúdo, conhecimento sobre currículo e conhecimento sobre estratégias de ensino.

Ao entender que a expertise é a capacidade de desempenhar qualitativamente bem uma atividade e que o planejamento faz parte da atividade docente, compreende-se a importância dada pelas participantes à capacidade de planejar as ações. O planejamento é, segundo o as entrevistadas, o instrumento que garantirá a previsão, a coerência, a continuidade e a sequência da ação, tendo como objetivo favorecer a aprendizagem dos alunos.

Ao discorrerem sobre como colocam em prática as ações planificadas, emergiu no contexto desta investigação o conceito de rotina. A rotina é entendida pelas participantes como um meio de auxiliar os alunos a lidarem com o tempo escolar e com suas responsabilidades, ao mesmo tempo em que é um mecanismo para organizar os tempos e os espaços para o desenvolvimento das atividades. Contudo, há o entendimento de que a rotina pedagógica não equivale a agir sempre do mesmo modo.

Achado semelhante foi encontrado por Monteiro (2006), ao investigar saberes e práticas constituídas nas trajetórias de vida de quatro professoras alfabetizadoras consideradas bem sucedidas. A pesquisadora constatou uma preocupação marcante das professoras em estabelecer rotinas durante o desenvolvimento dos conteúdos e das atividades. Berliner (1988, 1994, 2001), por sua vez, expôs que a fluidez observada no comportamento dos professores

experts que participaram de seus estudos deve-se, especialmente, ao uso de rotinas.

Tardif e Lessard (2007) confirmam que o trabalho do professor é fundamentado em interações que são reguladas por regras estabelecidas, padronizada, rotineiras e improvisadas. A rotinização de situações de trabalho é importante porque garantem a estruturação do tempo

e dos espaços escolares, dando maior liberdade ao professor e liberando-o para dar mais atenção a outros aspectos da prática. Nesse sentido, a estruturação rotineira não esgota a realidade das interações cotidianas, marcadas por situações variáveis, nas quais o professor precisa improvisar. Todavia, para ser capaz de improvisar com eficiência, o docente precisa ter, à disposição, planos que se adaptem a diferentes situações. Tal capacidade é desenvolvida somente com a experiência adquirida na prática.

Reiterando que a expertise está diretamente relacionada à qualidade do desempenho, observou-se, nos depoimentos das entrevistadas, uma preocupação em monitorar a qualidade do desempenho em termos do resultado do trabalho realizado. Entende-se, aqui, que a qualidade do desempenho é delineada a partir da análise das respostas de aprendizagem dos estudantes. Portanto, conclui-se que, na visão das professoras indicadas para este estudo, o professor que se destaca por sua atuação é aquele que se preocupa com a aprendizagem de cada aluno. A aprendizagem do aluno é a meta a ser atingida.

Desse modo, a resposta de aprendizagem de cada aluno é o feedback que permite avaliar quão eficientemente o trabalho está sendo realizado e que dispara uma análise reflexiva sobre a prática. Os dados sugerem que, quando as estratégias utilizadas estão atingindo os objetivos de aprendizagem esperados, elas são mantidas. Por outro lado, quando a turma ou alguns alunos indicam que a atuação não está ocorrendo a contento, há a clareza da necessidade de mudança de postura, de estratégias, de atitudes. De acordo com Ericsson (2006b), o feedback informativo é um importante aspecto da prática deliberada, pois ele oferece ao indivíduo oportunidades para refinar gradualmente a performance por meio da repetição ou da concentração em aspectos críticos do desempenho.

Segundo Monteiro (2006), o que diferencia um professor com desempenho satisfatório de um professor bem sucedido em sua atividade profissional é a qualidade do resultado; isto é, a menor ou a maior frequência do sucesso dos alunos. De maneira geral, as professoras por ela investigadas organizam práticas de ensino comprometidas com a aprendizagem de cada criança, independentemente das condições socioeconômicas, culturais e de ritmos de aprendizagem. Conclui-se, assim, que a qualidade do desempenho das professoras é considerada em termos de respostas de aprendizagem dos alunos, ao contrário de se reconhecer positivamente somente aquele professor cujos alunos atingem altos resultados em testes padronizados.

A aprendizagem da maioria dos alunos é o dilema central da escola. Portanto, o desafio é a equidade de tratamento que os professores devem garantir a todos os estudantes, apesar de suas diferenças individuais. Não existe uma lógica natural para equacionar tal

dilema, no entanto cada professor o resolve à sua maneira, decidindo por práticas pedagógicas que favoreçam o trabalho com a coletividade e com individualidade dos alunos (TARDIF; LESSARD, 2007). Portanto, a maneira como o docente consegue fazer com que a maioria dos estudantes avance em relação aos níveis de aprendizagem apresentado é o que caracteriza a qualidade de seu desempenho.

Dentre os atributos pessoais que caracterizam um professor com desempenho superior, houve destaque, por parte das participantes, ao envolvimento emocional com o trabalho realizado. De acordo com Galvão (2003), o aprendizado em alguns domínios parece ser influenciado, dentre outros aspectos, por um tipo de envolvimento emocional com o produto a ser aprendido. Ackerman e Beier (2006) reforçam que a característica afetiva representa uma área de predição do desenvolvimento e da expressão da expertise, contudo essa área conta, até o momento, com poucos dados substantivos.

Isto posto, cabe destacar que estudos realizados por Gomes (2008) e Lemos (2010) deram passos significativos rumo à compreensão da relação entre o sujeito expert e seu objeto de conhecimento. A investigação de Gomes (2008) indica, com razoável certeza, que indivíduos se tornam experts por meio de estudo individual deliberado, com influências de respostas essencialmente afetivas. Já o estudo de Lemos (2010) revela que qualquer pessoa pode se tornar um expert, desde que tenha o desejo que a ampare e a impulsione na dedicação de longo prazo. De acordo com a autora, o desejo de saber é que mantém o indivíduo envolvido com a área de domínio.

Especificamente no campo do ensino, Tardif e Lessard (2007) destacam que o trabalho docente comporta, intrinsecamente, um componente emocional. A relação de muitos professores com a profissão é, antes de tudo, uma relação afetiva. Pode-se inferir, portanto, que a atividade docente traz consigo uma carga emocional. Contudo, as falas das participantes, encerram um vínculo afetivo profundo com o ensino, ao ponto de se emocionarem quando se referem ao seu objeto de dedicação.

A respeito desse tipo de vínculo com o domínio, Lemos (2010) assevera que o processo de desenvolvimento expert é influenciado por respostas afetivas, que envolvem um compromisso emocional com o objeto de conhecimento e com pessoas-chave envolvidas no processo. No contexto desta investigação, entende-se a atividade docente com objeto de conhecimento e as pessoas envolvidas no processo como os estudantes.

Desse modo, não surpreende o fato de as participantes estenderem o vínculo afetivo aos alunos. As participantes declaram o envolvimento emocional com a área e com os alunos. Acrescentam, ainda, que não basta o vínculo do professor em relação ao aluno, mas a relação

inversa também importa. Há indicação de que a qualidade da relação professor-aluno pode influenciar nas respostas de aprendizagem. Dados semelhantes foram encontrados por Monteiro (2006). Houve a indicação de que as professoras alfabetizadoras bem sucedidas, além do apoio de certos conhecimentos científicos, agiam também em função de emoções, sentimento e afetos. O vínculo emocional estabelecido com o ensino gerava um vínculo emocional com os alunos. Já os estudos de Berliner (2001, 2004) indicaram que os professores experts exibem paixão pelo ensino e respeito pelo alunos. O termo ‘respeito’ pode soar frio, mas deve ser compreendido relativamente à tradição de comedimento na demonstração de emoções típica da sociedade americana.

Como já mencionado, Tardif e Lessard (2007) apontam que a relação de muitos professores com a profissão é uma relação afetiva. Acrescenta-se a este aspecto, que a relação com os alunos comporta, também, a dimensão da afetividade. O trabalho docente é um trabalho emocional, decorrente da natureza interpessoal das relações entre professor e aluno. Assim, dificilmente os professores conseguem ensinar se os alunos não gostarem deles ou, no mínimo, se não os respeitarem. De modo semelhante, não há educação possível se não houver um envolvimento emocional ou afetivo dos alunos na tarefa.

O vínculo emocional estabelecido com a área e com os alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por vezes, é comparado ao papel materno. Brasil (2008), ao revisar a literatura sobre a constituição profissional dos docentes da Educação Infantil, identificou que, ao longo da história, a imagem do profissional dessa área foi associada à mulher, entendendo- a como educadora natural, passiva, amorosa, paciente e guiada pelo coração. Desse modo, foi concebido, como base para função dos responsáveis para o trabalho com crianças pequenas, o modelo materno. O entendimento da mulher como naturalmente capacitada para a função docente que envolve, dentre outros aspectos, o cuidar e o educar fez com que barreiras à capacitação e à profissionalização fossem criadas. Portanto, cristalizou-se a concepção do magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental como uma profissão para atender características próprias do sexo feminino, especialmente, pela possibilidade de exercer o sentimento maternal.

Sobre essa relação de gênero, Tardif e Lessard (2007), em seus estudos, observaram que professores do secundário também disseram do envolvimento afetivo que estabeleciam com os alunos. Porém, a afetividade está mais presente no discurso das professoras e, especialmente, no dos professores e das professoras que atuam no primário. De maneira geral, a emoção com relação aos alunos, entre os homens, é mediada pela matéria ensinada, enquanto que, entre as mulheres, a afetividade é levada mais diretamente à pessoa do aluno.

Frisa-se, entretanto, que o forte vínculo afetivo-emocional estabelecido com o objeto de expertise foi observado em campos não exercidos majoritariamente por mulheres, conforme comprovam os estudos realizados por Galvão (2000) no campo da música, por Gomes (2008) nas áreas da música, da advocacia e da química e por Lemos (2010) no domínio da medicina.

Destaca-se ainda que, embora o grupo selecionado para participar desta pesquisa seja composto unicamente por mulheres, a comparação da atuação pedagógica com o papel materno foi fraca. Por essa razão, talvez, o atributo paciência, caracterizador de funções femininas, não tenha sido indicado com significância, pois somente uma entrevistada se referiu à paciência como necessária ao professor com desempenho superior.

Com força um pouco menor que o envolvimento emocional com a área, emergiu, nas falas de metade das participantes, a vocação para a docência, como elemento caracterizador de um professor que se destaca. Como já mencionado, historicamente, a imagem do profissional para atuar com crianças pequenas foi associado à mulher, à professora-mãe, e carregou, também, a concepção de que esse profissional desempenha a função por amor, por vocação ou por sacerdócio (BRASIL, 2008).

Tardif e Lessard (2007) reforçam que o trabalho docente ainda guarda fundamentos religiosos, como devotamento, a virtude, a disponibilidade e a generosidade. Dentre eles, pode-se destacar a vocação. Contudo, os autores destacam que a docência já se transformou consideravelmente desde então. Desse modo, não era de se esperar que a noção de dom/vocação estivesse tão presente nas significações de professoras que vivem um movimento histórico marcado pela busca da profissionalização e que tiveram uma formação mais longa e aprofundada.

As professoras alfabetizadoras bem sucedidas investigadas por Monteiro (2006) também associaram a atuação ao conceito de vocação. As professoras declararam atitudes idealistas, apontando a função docente como uma vocação, apesar de ressaltarem a importância da aquisição de alguns saberes, hábitos e capacidades antes de trabalhá-los com os alunos. Brasil (2008), ao investigar as significações da Educação Infantil na perspectiva de professores que atuam neste segmento, observou o forte apelo vocacional destacado pelos professores que atuam na Educação Infantil. Lemos (2010) identificou, também, que alguns médicos experts comparam à medicina ao sacerdócio, dada à preocupação com o lado humano da profissão.

Estudos sobre o desenvolvimento do comportamento expert, desde suas investigações mais iniciais, têm se distanciado da noção de vocação ou de hereditariedade (ERICSSON;

SMITH, 1994; ERICSSON, 2006b; GALVÃO, 2003). As pesquisas sobre expertise têm indicado de forma cada vez mais consistente que o desempenho de alto nível não acontece em decorrência do acaso, fruto natural do desenrolar do tempo (LEMOS, 2010). Evidenciam também a ausência de indícios que levem a crer que o desenvolvimento da expertise seja restrito a um grupo específico de pessoas ungidas desde o nascimento com qualidades especiais diferenciadoras; ao contrário, quanto mais se examina a área, mais forte é a convicção de que qualquer pessoa com desenvolvimento normal pode atingir esse nível de desenvolvimento (GALVÃO, 2003; GALVÃO, PERFEITO, MACEDO, 2011). A expertise é, portanto, resultado, dentre outros aspectos, da prática intensiva ou estudo deliberado, das