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3 RESULTADOS: EXPERTISE DO PROFESSOR

3.2 DESENVOLVIMENTO DA EXPERTISE DE PROFESSORES

3.2.1 Formação inicial e formação continuada

Formação inicial: Escolas Normais e Cursos de Pedagogia

Para algumas das participantes a escolha pelo magistério foi algo desejado. Assim, a formação na antiga Escola Normal era algo idealizado. Para uma professora, no entanto, o magistério foi uma opção para conseguir uma profissão de forma mais rápida.

Então, dentro da família da minha mãe, fora minha mãe, ela tem quatro irmãs e as quatro foram professoras. E a minha avó era uma pessoa que trabalhava para formar as minhas tias professoras, em professoras. Na época, no Rio de Janeiro, se tinha o curso de... magistério, que era a Escola Carmela Dutra. Nessa época, as professoras se formavam com anel, com aquela estrelinha prateada em cima daquela pedrinha preta, né? A minha vó trabalhava, trabalhava, trabalhava, comprava... era comprada a beca e o anel. Eu nem... eu nem via aqueles anéis nos dedos das tias. Não via. Eu via nos estojos. Eram lindos aqueles anéis. (V., 54 anos)

Então, fui ser professora. Fiz o magistério pra ser professora. Então, não era aquela coisa. Eu acho que foi mais incentivo de ter uma profissão mais rápido, de me formar mais rápido e ter a profissão garantida. Não era uma coisa que gostasse muito, pelo menos achava isso, né? (A., 46 anos)

Dentre as participantes, oito tiveram a formação inicial realizada em Escolas Normais e somente duas concluíram a formação inicial em faculdades e em universidades em curso de Pedagogia.

Eu fiz o magistério. É... Em Formosa, numa escola de freiras. De lá, eu comecei logo a trabalhar. (C., 48 anos)

E eu me lembro que eu estava naquela eminência de fazer um curso superior. Não sabia o quê fazer. Não sabia. Aí... Daí, eu me lembro que fui até uma uni... a uma faculdade. Eu decidi fazer aqui em Brasília mesmo. E eu comecei a olhar. Pedi... Fui nas áreas... nas... nas... nos departamentos e comecei a olhar os é... o currículo, a grade de disciplinas de cada um. Aí, eu olhei um, olhei outro, olhei outro e disse assim: “Ah! Eu acho que vou fazer esse aqui. Legal, porque tem... tem Psicologia.” Não era Psicologia pura que eu queria. “Tem Sociologia, tem História da Educação, tem Matemática, tem... tem Filosofia.” Achei, assim, legal! Achei, assim, dá uma ideia geral, sabe? Sem ser técnico, né? (...) Foi ótimo. Fiz meu estágio na Secretaria. Ainda estava fazendo o curso superior. E me formei em Pedagogia. (V., 54 anos)

No entanto, observa-se no discurso de algumas participantes críticas ao nível de capacitação que os estabelecimentos de formação oferecem aos futuros professores. As falas relativas ao que as professoras pensam sobre a formação inicial denunciam que os cursos de formação lançam profissionais com sérias deficiências conceituais e técnicas no mercado de trabalho.

E, assim, você vê que existe pedagogo, que tá formado, ou magistério, enfim, pra alfabetizar, não sabe escrever. (A., 31 anos)

Mas, eu vejo que muitas delas não tiveram a experiência da... da criança, do desenvolvimento, assim, por exemplo.(...) Já vi professora, assim, com vinte e poucos anos, falando na Educação Infantil dos rabiscos da criança. "Ah! Esse rabisco seu tá muito feio. Eu não vou colocar no painel hoje, não." Não é rabisco. É garatuja. A fase que ela se encontra é essa: da garatuja (A., 31 anos)

Quando você começa, você tem aquele medo, você tem aquela... aquele receio de... Aquela coisa iniciando mesmo, da falta de preparo, de percepção do todo, do que é a profissão, da percepção do que é o aluno em si, do lado humano da escola, né? (M., 45 anos)

Outra professora descreve que estágio oferecido pelas instituições de formação é insuficiente para dar a dimensão do que é realmente uma sala de aula. Em sua opinião, os cursos de formação inicial não garantem a atuação competente do professor. Esse nível de desempenho profissional é construído ao longo da carreira.

(...) a gente faz o magistério, faz aquele estágio e é um estágio tão pouquinho que, na realidade, você não vai fazer muita coisa na sala de aula só com ele, né? Então, você aprende é no dia a dia. (C., 48 anos)

Para outra participante, o tipo de estágio supervisionado realizado na época em que ela havia cursado o magistério oferecia um contato maior com o aluno, mas a formação era conduzida no sentido de seguir um modelo de atuação. De acordo com a entrevistada, um modelo pronto de aula que possa ser implementado em sala, de fato, não existe.

(...) E, hoje, tá pior ainda os cursos de Pedagogia. Eles estão piores ainda. Te dá essa segurança? Quando existia o curso de magistério, eu acho que o contato que a gente tinha, assim, que era bem maior com o aluno, né? Na... Na escola campo, que era chamada, né? Você até fazia... Como é que é? Siga o modelo, não é? Você via o professor lá, dando aula. Aí, quando chegava a sua vez, você procurava seguir... seguir aquele modelo. Mas, não existe um modelo pronto. É igual criar filho. Num tem uma receita. (M., 49 anos)

Sob o ponto de vista de uma das participantes, os cursos de formação inicial, de maneira geral, orientam os futuros professores a seguirem um conjunto de regras e técnicas

para ensinar. Os professores em início de carreira, devido a pouca experiência, tendem a se conformar com as regras que são orientados a seguir.

O Normal que seria, né? O magistério. A gente fica muito... acho... acredito que meio que limitado, né? Você aprende muitas é... muitas regrinhas, muitas técnicas, né? De se trabalhar, mas assim... Aí, você vai se limitando, né? (C., 37 anos) Somente uma participante destacou que o estágio supervisionado foi importante para que ela decidisse pela carreira e para que aprendesse. A participante realizou estágios pela universidade que frequentava e pela escola particular na qual atuava no mesmo período em que cursava o curso superior.

(...) Eu tive quatro estágios: dois pelo magistério, dois pela... pelo ensino especial. Me fizeram muito... muito bem, assim. (A., 31 anos)

Fiz essas duas opções. Aí, fui fazer uns estágios. Me... Me fortaleci e falei: “Não, quero fazer isso.” Me formei. Ainda teve greve e tudo mais, mas continuei lá no estágio que eu tava fazendo na particular. (A., 31 anos)

(...) Então, isso [o estágio] me moldou demais. Acho que molda mesmo. Assim, você ter que se policiar, pra aquela crítica se transformar em solução. Criticar é muito fácil. (A., 31 anos)

Assim que começaram a trabalhar como professores regentes, a qualidade da formação inicial se refletiu na urgência de adaptação ao contexto de uma escola. Uma das entrevistadas reconhece as dificuldades enfrentadas no início da carreira, mas destaca que alguns aprendizados para atuar são adquiridos somente no ambiente escolar.

E, aí, quando a gente começa, a gente tem aquela experiência pequena de magistério de 2º grau, né? Um estágio mínimo que você faz. Então, quando eu cheguei na escola, eu não sabia... Na nossa época, era mimeógrafo a álcool ainda. Eu não sabia como mexer, né? No mimeógrafo. Eu não sabia as coisas, né? Os desenhos. Eu não tinha prática. Não sabia mexer num diário. Não tinha prática da sala de aula. Não conhecia a rotina de uma sala, porque isso a gente aprende é no dia a dia, né? (C., 48 anos)

Os primeiros anos da atuação são lembrados com certo pesar pela maioria das entrevistadas. Talvez por considerarem que a formação inicial não apresentou a qualidade esperada, as professoras tendem a avaliar insatisfatoriamente o próprio desempenho no início da carreira. De maneira geral, as participantes avaliaram o desempenho inicial como mecânico, tímido, limitador e inseguro. Uma das participantes destacou, inclusive, que a imagem construída anteriormente sobre a educação não correspondia à realidade.

É, no princípio, eu até fazia as coisas, mas não... estava lecionando ali, mas não com aquele incentivo que eu tenho atualmente, de pesquisar mesmo, de entender. Eu, de uma certa forma, era uma coisa mais é... mecânica, talvez, né? De repassá-la a... a... as atividades pras crianças. (A., 46 anos)

Ah... Era uma coisa, assim, bem mais tímida no início da carreira. [Risos] Bem... Bem... Bem mais... Acho que, assim, bem mais tímida. Era, assim, mais... Era uma atuação mais limitadora. Eu acho que todo mundo faz assim, né? (M., 49 anos) Não. Não tinha, não. [segurança] Eu me calava. Eu chorava. (...) Tava no iniciozinho, você tinha que, além da timidez, a insegurança do começo. Será que eu posso? Será que não? (M., 49 anos)

(...) No começo, assim, eu tinha uma visão muito é... muito deslumbrada, assim, né? Eu achava que eu ia mudar tudo, que eu ia chegar, né? E todo mundo é... Aprender maravilhosamente bem. E, assim, quando eu entrei, realmente, eu vi que não era bem isso, né? (C., 37 anos)

Formação continuada

As professoras que realizaram a formação inicial em Escolas Normais, posteriormente concluíram o curso de Pedagogia. A grande maioria, continuou estudando, sendo que oito delas fizeram algum tipo de especialização relacionada à área de atuação e uma concluiu o mestrado.

(...) Mas, aí, foi só eu me formar em Pedagogia, foi um contínuo, não deu mais para parar. Então, eu me formei em 94... me formei em 94, em Pedagogia. É... licenciatura plena, naquela de dar aula para o ensino médio, né? O ensino de... ensino... Escola Normal. É, na época quando eu fiz a Complementação Pedagógica, fiz meu estágio numa escola da Secretaria mesmo... de Educação, lá na Asa Sul. Depois, fiz meu estágio na Escola Normal de Brasília. Foi, assim, uma experiência muito boa, quando eu estava lá, completando o curso superior. (...) Aí, quando eu terminei o Curso Superior, eu emendei numa pós-graduação em Administração Escolar. Terminei Administração Escolar fiz uma pós-graduação em Psicopedagogia. (...) Aí, fiz o Mestrado na Universidade Católica. Bom, daí, eu não parei mais. (V., 54 anos)

Todas disseram participar frequentemente de cursos de formação continuada. Como todas entrevistadas fazem parte do quadro funcional da Secretaria de Educação do Distrito Federal, uma das formas de progressão na carreira prevista no Plano de Carreira do Magistério Público do Distrito Federal se faz por meio da apresentação, a cada cinco anos, de um certificado de algum curso de capacitação realizado pelo funcionário com duração mínima de 180 horas. Em expressão de uso corrente, os professores denominam essa progressão de

“pular barreira”. Todavia, as entrevistadas, de maneira geral, indicaram que participam desses cursos, preocupadas com a própria formação.

(...) Eu não tenho mais barreira pra pular... Mas, todos os cursos que eu fiz pra pular barreira, eu queria... eu não quis fazer por fazer. Eu quis fazer pra eu aprender. Vê em quê que eu posso... Né? Agora mesmo, eu tô fazendo um curso de alfabetização de linguagem escrita, né? A colega até falou assim pra mim: "Ué, Márcia, você vai fazer esse curso:" Eu falei: “Vou. Eu quero fazer.” "Ah! Mas você não tem mais barreira pra pular". Eu falei assim: “Barreira, eu não tenho, mas eu quero fazer. Eu tô atuando na alfabetização, eu quero saber o que tem de novo.” (M., 46 anos) Algumas participantes indicaram que a quantidade de cursos realizados supera em muitas horas o que é necessário para todas as progressões previstas no plano de carreira.

(...) Eu não fico no curso só pra ter um certificado, não. Que, inclusive, eu até tenho dito aqui pras colegas, né? Em termos de certificado, eu tenho certificado até pra eu pular todas as barreiras. Então, não é por isso. Eu faço é porque eu gosto mesmo, né? (C., 37 anos)

Ah! Eu tenho um tanto. Eu tenho uns diplomas que eles me dão não sei pra quê. Tenho um punhado na área de inclusão, dessas síndromes, de problemas de fala, problemas de escrita. Eu vou entrando. Tenho um tanto assim. Eu fui pra Escola da Vida e vou agora de novo. Às vezes, tem em Belo Horizonte. Teve. Geralmente, final de férias tem. Tem muita coisa interessante e eu vou. Esses, aqui, que a Secretaria de Educação oferece, faço. (M., 60 anos)

Entende-se, assim, que a participação das entrevistadas em cursos de formação continuada não apresenta um caráter meramente burocrático, devido a uma normatização prevista no Plano de Carreira da categoria. Ao contrário, os cursos de formação continuada são buscados para conhecer novas metodologias e novos recursos pedagógicos, para atualização, para tornar as aulas mais atrativas e para atuar de forma mais segura.

É importante [a formação continuada] porque a clientela, por exemplo, no caso de um professor, a clientela, ela é... é... sempre... se renova a cada época, a cada época. Então, as maneiras de ensinar elas vão... elas vão surgindo, né? Coisas muito interessantes, maneiras... novas metodologias, novos... novos materiais. Todos os aspectos, vamos dizer assim, do lado de ensino-aprendizagem, que se renova a cada época. Então, o professor tem que tá buscando isso aí, né? Correndo atrás dessas novas maneiras pra que possa se renovar e não ficar aquele professor desatualizado. (M., 45 anos)

É bom pra gente poder... Como é que se diz? Se reciclar, né? Não sei se hoje em dia a palavra reciclar, né? Mas, assim, pra te dar embasamento mesmo, né? E outra coisa, porque tem que tornar uma... a aula mais atrativa hoje em dia. (C., 37 anos) A formação. É claro que contribui, porque ela vai te dando... Que tudo é a segurança, né? Claro que contribui, porque a formação é que vai te dar a segurança. Se você não tem formação, você entra numa sala de aula... Você tá ali totalmente

insegura e criança é um bichinho muito perspicaz. Eles percebem rapidinho que você não domina nada. (M., 49 anos)

Ao discorrerem sobre a trajetória de formação acadêmica para atuar no Ensino Fundamental, as participantes deixam evidente que o processo de aprendizagem para atuar neste segmento é processual e que a formação inicial é apenas a primeira etapa para um desenvolvimento profissional permanente.