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5. Resultados

5.2 Aspetos Associados ao Recrutamento e Retenção de Mão-de-Obra

5.2.1 Aspetos que Influenciam a capacidade de Atração de Mão-de-Obra

5.2.1.3 Condições de Trabalho

De forma a compreender melhor o efeito que as condições de trabalho têm nos processos de recrutamento e retenção de motoristas, os participantes foram questionados acerca das mesmas. Neste âmbito, os participantes indicaram diversas características que impactam o ambiente de trabalho a que os motoristas estão sujeitos e as suas tarefas.

Os participantes enumeraram uma diversidade de melhorias relativas ao funcionamento da profissão com potencial impacto no bem-estar dos motoristas e no funcionamento da própria função. Estas melhorias são percecionadas como uma evolução positiva ao longo do tempo nas condições de trabalho face à exigência da profissão e à sua “dureza”. Os participantes P. 2, P. 6 e P. 7 destacam as melhorias ao nível da qualidade e automatização dos equipamentos e veículos que tornaram o trabalho dos motoristas menos exigente do ponto de vista físico e mais “limpo”:

“Os camiões de hoje em dia não são como os camiões de há 20/30 anos. Agora os camiões são automáticos, fazem quase tudo de forma autónoma (…) Antigamente, os camiões tinham condições muito piores, nem ar condicionado tinham. Os motoristas saíam daqui com cartas e com a mercadoria e só sabíamos deles quando chegavam ao destino e o agente avisava que eles tinham chegado (…) Hoje em dia, eu sei a qualquer momento onde estão todos os meus camiões a partir do meu telemóvel (…) As condições dentro do camião são muito melhores, a qualidade dos equipamentos e a eletrónica envolvida não têm nada a ver com o que tínhamos antigamente” (P. 6)

Quatro participantes (P. 1, P. 4, P. 6, P. 9) indicaram ainda o incremento de legislação que rege o setor, nomeadamente no que diz respeito à regulamentação dos períodos de condução, como uma mudança importante. A legislação tem o objetivo primordial de aumentar o bem-estar do motorista, protegendo aspetos essenciais da sua saúde como a fadiga que interfere diretamente tanto com a sua segurança como com a segurança rodoviária pública. Tendo em conta que o fator rapidez do transporte é essencial para a rentabilidade da atividade, estas mudanças vêm colocar restrições a essa rentabilidade. Para as empresas, este incremento de regulamentação representa um aumento de custos significativo uma vez que diminui o tempo de condução e, portanto, a rentabilidade do transporte. Neste âmbito, o incremento de legislação contribui para o aumento de custos das empresas de transportes.

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“A forma de trabalho foi sendo regrada pela legislação ao longo do tempo. Mesmo os próprios veículos começaram a ser equipados com tecnologia que não permite tempos de condução absurdos como os que se praticavam antigamente. Os tempos de pausa, tudo isso passou a ser regulamentado. O que também é bom para eles porque não são obrigados a fazer tanta maluqueira. Diminuíram-se os riscos, a sinistralidade, a nível de saúde deles também melhorou mas piorou bastante o aspeto financeiro” (P. 9)

Três participantes indicaram também outro tipo de vantagens que a profissão proporciona ligadas às condições de trabalho, tais como: o local de trabalho que não se fixa num escritório; a ausência de monotonia no dia-a-dia; a relativa “liberdade” para gerir o tempo; e também o trabalho sem a presença das chefias.

“Uma das vantagens que a profissão tem é que o motorista, dentro de alguns requisitos, é dono do seu tempo. Por outro lado, não trabalha no mesmo espaço físico e fechado do seu chefe, há pessoas que não gostam disso, gostam de ser livres, não estão fechados num sítio (…) Têm horários a cumprir mas têm aquela missão de levar a carga do ponto A ao ponto B e é mais livre, não está fechado num escritório, não está num armazém, há pessoas que valorizam bastante isso” (P. 2)

“Aqui no transporte nacional, a ausência de monotonia. Todos os dias são diferentes. Há problemas novos todos os dias. Trabalhar de segunda a sexta na área dos transportes também é muito bom” (P. 5)

Uma outra característica apontada pelos participantes tem a ver com a questão da solidão que foi apontada por três participantes (P. 4, P. 6, P. 9). Estes indicaram que os motoristas, nas suas viagens de longo curso, podem passar alguns dias sozinhos. Esta questão pode ser uma vantagem ou desvantagem da profissão, sendo subjetiva.

“A solidão também existe. Muitos deles ligam só para falar. São muitos dias fora. Mas também há muitos que gostam precisamente por causa disso. Quando começa a chegar a idade de reforma, ficam com receio por que sentem que vão perder essa “liberdade”, essa autonomia. E nem querem pensar em voltar para casa e ficar em casa. Temos todos os casos” (P. 9)

A partir das respostas dos participantes, detetaram-se dois tipos de serviço de transporte distintos: âmbito nacional e âmbito internacional. Assim, os participantes apontaram especificidades a cada tipo de serviço, caracterizando diversas vezes essas especificidades como entraves da profissão a grupos de trabalhadores específicos. Neste âmbito, os entrevistados referiram que algumas características do trabalho têm um carácter particularmente adverso para as mulheres devido, sobretudo, a duas razões: pelo facto de estes possuírem um papel socialmente estabelecido como mais responsáveis pela esfera

43 familiar e, então, afastam-se de empregos que exijam uma maior disponibilidade (ou que não permitem tanta proximidade à esfera pessoal e familiar); e também pelo facto de esta ser uma profissão exigente em termos físicos pela que a mulher, neste aspeto, fica numa posição desfavorável em relação a trabalhadores homens.

Em relação ao âmbito do transporte nacional, sete dos nove participantes referenciaram os horários alargados e contínuos praticados no setor.

“Não há nenhum motorista que lhe diga que faz 8 horas de trabalho diário. Faz sempre muito mais. Eles já estão consciencializados que é assim. Têm horário fixo de entrada mas de saída é variável. Já estão conscientes dessa elasticidade horária (…) As mulheres até se candidatam, mas depois quando conhecem as condições não ficam. Repare, entrar às 7h e sair, muitas vezes, às 20h30 não é fácil. E eu entendo que seja um ritmo cansativo (…) Nós aqui já fizemos propostas a 2 senhoras que não aceitaram. Não por uma razão de vencimento, mas de horário. Não há aqui diferenciação nenhuma se é homem ou mulher, o vencimento é igual, as horas também” (P. 5)

“Os nossos horários são móveis, não temos horários fixos. Os motoristas sabem de um dia para o outro, o horário que farão. Podem começar às 9h ou às 5h e em 90% das vezes só sabem no dia anterior. É complicado. A média é começar às 6h e chegar entre as 17h e as 20h” (P. 7)

“O fator que pesa mais neste momento é a carga horária. Nós fazemos entrevistas de entrada e de saída e esse é o fator mais referenciado. Mesmos os distribuidores acabam por ter horários mais alargados do que o normal. Nós aumentamos o salário todos os anos, e neste inclusive o aumento nos distribuidores até foi maior do que o dos restantes colaboradores e sabemos que somos uma empresa claramente competitiva nesse aspeto. Ficamos a perder devido à carga horária (…) Os distribuidores de ligeiros não estão ilegais mas têm maior flexibilidade para fazer mais horas do que os pesados (…) faltam pessoas que queiram efetivamente fazer o trabalho quando isso implica fazer muito mais horas do que aquilo que esperam (…) Nós exigimos disponibilidade aos nossos distribuidores, com as mulheres vemos essa disponibilidade um bocadinho fragilizada. Quando o filho está doente, é a mãe que fica em casa… As mulheres é que engravidam…” (P. 8)

Noutro ponto, mas ainda dentro da atividade nacional, a crescente exigência em termos físicos e psicológicos a que os motoristas são submetidos é também uma das características referenciadas por 4 participantes. Os participantes indicam as diferenças na capacidade física entre homens e mulheres como entrave à maior participação do género feminino no setor.

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“Se fosse ser apenas condutor, não há grandes diferenças ser homem ou mulher. O que acontece é que não é só conduzir, é preciso fazer cargas e descargas” (P. 1)

“São profissões “violentas” fisicamente, de algum esforço físico” (P. 2)

“Falando da distribuição [porta-a-porta], é o pior nos transportes porque existe muito esforço físico e exige muita resistência à pressão, apesar de ser horário diurno. Há uma pressão muito grande e aí o motorista tem de carregar e descarregar (…) Nós não somos sexistas. Isto é um trabalho que é duro (…) nós estávamos a precisar de motoristas para entregas de cargas mais pesadas. Exigem algum esforço físico, manuseamento de equipamentos, uma senhora fica mais cansada” (P. 5)

“Há poucas mulheres por causa da capacidade física. As mulheres que temos têm o serviço de carga adaptada o que não nos transtorna porque são apenas 3 num universo de 400 distribuidores. Se o número de mulheres fosse superior, teríamos de pensar na coisa de outra maneira” (P. 8)

No âmbito do transporte internacional, sete participantes apontaram a situação de o motorista ter de passar jornadas de vários dias fora da sua zona de residência, assim como os fins-de-semana, como uma dificuldade da profissão. Esta característica foi também caracterizada como entrave à participação de mais mulheres na função.

“Estar longe de casa e da família é uma barreira difícil de ultrapassar para as mulheres. É uma questão cultural. A mulher sente-se mais responsável pela parte da casa e dos filhos” (P. 3)

“Em média, um motorista passa 8-12 dias fora. Pode haver imprevistos, podem passar 15 dias mas é uma exceção. O problema aqui também se prende com os fins-de-semana. O dia a que ele sai daqui vai ditar se passa o fim-de-semana seguinte ao próximo em casa. O motorista sai daqui hoje, o fim-de-semana seguinte passa fora, depois dependendo da chegada, vai passar o seguinte fora ou não. É sempre assim. Apesar de ter sempre as folgas. Têm sempre em média 2 dias de folga entre viagens. Mas se as viagens terminarem sempre a meio da semana, ele vai passar sempre os fins-de-semana fora. Aqui importante, seria de alguma forma garantir que ele de vez em quando passa o fim-de-semana cá. Na nossa empresa, quando o motorista se queixa, nós tentamos ter isso mais em atenção, viagens mais curtas… Mas regra geral, é o serviço que aparecer. Só quando o motorista se queixa é que a parte operacional tenta ter isso em conta. Mas passar fins- de-semana fora para um motorista é inevitável. É como um padeiro que trabalha de noite” (P. 9)

Ainda associado a este tópico, um participante referiu que a localização geográfica de Portugal apresenta-se como uma desvantagem para o setor dos transportes rodoviários de mercadorias português. Assim, o participante explicitou que, pelo facto de Portugal se localizar na periferia da Europa, um motorista português está obrigado a percorrer uma distância maior do que um motorista que seja proveniente dos países do centro europeu.

45 Desta forma, obriga a um maior esforço e disponibilidade em ficar longe da área de residência. O participante ligou ainda esta razão há dificuldade em recrutar jovens para o setor uma vez que atualmente os jovens são mais avessos a empregos com este tipo de características.

“Nós aqui portugueses estão muito desenquadrados do centro da Europa. Um motorista francês, holandês, belga ou alemão ganha muito mais do que um português e o tempo de permanência em viagem é muito mais curto: 2/3 dias. Um motorista do centro da Europa, todos os fins-de-semana pode estar em casa. Em países periféricos como o nosso, a realidade é diferente (…) E depois tem a ver com o constituir família. A partir do momento em que tem família e filhos, não ver o crescimento do filho, já pesa de outra forma. Já começam a pedir para não ir tantos dias para fora, para fazer viagens mais curtas, a passar do transporte internacional para o transporte nacional… A disponibilidade já não é a mesma. As mulheres vão surgindo no transporte de passageiros… autocarros, mas não exige esforço físico, os horários estão todos previstos, haja passageiros ou não, o autocarro passa, voltam a casa todos os dias.” (P. 4)

Ainda no âmbito do transporte internacional, três participantes apontaram o modo de vida “nómada” como uma das características inerentes à profissão que desincentivam a entrada de novos motoristas no setor, nomeadamente de mulheres e jovens. No transporte internacional, o motorista passa mais tempo dentro do seu camião do que em casa, e nesse sentido, importa considerar as condições disponíveis tais como condições do próprio veículo e das infraestruturas de apoio. Neste âmbito, os participantes referem os seguintes aspetos: o motorista tem de assegurar um estilo de vida autónomo, nomeadamente a nível de alimentação; apesar de as condições dos camiões notarem constantes melhorias, não deixam de implicar um modo de vida “nómada”, de algum desconforto e sacrífico em termos de qualidade de vida; a qualidade inconstante das infraestruturas que servem de apoio aos motoristas e a falta de liberdade que o motorista tem para escolher as infraestruturas que irá usar; a segurança do próprio motorista face a possíveis assaltos; e, por fim, a solidão e o isolamento inerente à profissão uma vez que os motoristas de transporte internacional fazem as suas viagens sozinhos.

“Um motorista está 2/3 semanas fora. A casa dele é um camião. Tem uma cama, tem de cozinhar, o que recebe como ajudas de custo não compensa se comer sempre em restaurantes. É essa a realidade (…) É muito equivalente a ser um emigrante. Quem gostar de viajar… o próprio meio de trabalho, é onde vive, onde come, onde dorme, onde cozinha (…) Um motorista que ganhe 1800€ não pode estar sempre a comer nas áreas de serviço. Em França uma refeição custa 15/20€. Se eu fizer isso todos os dias, não chega, gasto tudo na

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estrada e levo para casa 600€, mais valia estar numa fábrica e estar em casa todos os dias (…) Andar na estrada é muito mau, não nos podemos esquecer disto. Tirando a Áustria e a Alemanha, é tudo mau. As áreas de serviço são medíocres. Para se tomar um duche, tem de se planear e não é sempre que lhe apeteça. Um motorista pega no camião e vai com destino a Lille, quanto é que pode conduzir? Vai conduzir 8/9 horas que é o máximo e vai ver onde calha. Vai conduzir 6 horas para ficar numa área de serviço melhor e perder horas de condução? Mas dependendo da rota, vai ter de parar e se calhar depois de recomeçar, só poderá parar para mais um duche no dia seguinte, ou ir ao wc. Estamos a falar de condições nómadas, de sacrifício, ao sabor da maré, não se sabe como vai ser amanhã, para onde se vai amanhã, qual a carga de amanhã. O camião não é uma autocaravana. Um camião nem wc tem. Agora pense, se para os homens a logística da higiene nesta profissão já é difícil, para as mulheres então…” (P. 4)

“Mesmo a nível de internacional, que é o que fazemos aqui, o ambiente dos parques de motoristas é muito próprio, de homens e eu não estou a ver as mulheres a serem integradas nisto. Os parques só estão preparados para receber homens, só há balneários para homens, o setor nem sequer está preparado para acolher mulheres. Acredito que para as mulheres que andem no internacional seja muito difícil. Temos de cumprir com horários pelo que o motorista não pode parar quando lhe apetece, nos melhores parques, tem de sujeitar ao que aparece na rota” (P. 6)

“Isto realmente é um estilo de vida muito mau. É solitário, mas, por exemplo, o motorista para ganhar dinheiro não pode estar sempre a comer fora. Se comer fora, não vai ganhar dinheiro, vai perder dinheiro. Portanto, o motorista tem de levar comida e cozinhá-la e isso depois leva aquelas alimentações pobres. Sandes, coisas rápidas… Já nem falo de estar longe da família, é o modo de vida em si. Vive 15 dias seguidos dentro de um camião (…) Esta profissão é vista como de homem, com algum risco para a mulher. Andar na estrada de noite… Mesmo os homens são assaltados. Há assaltos aos motoristas e há assaltos à mercadoria/camião. Há zonas mais propícias. Os assaltos aos camiões são mais frequentes. Aos motoristas, este ano já aconteceu pelo menos 3 vezes. Felizmente, sempre sem danos físicos” (P. 9)