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Após a apresentação e análise das informações obtidas nesta investigação empírica, procede-se à interpretação das mesmas tendo em consideração a literatura consultada inicialmente.

A informação recolhida e analisada levou à análise de aspetos referentes à disponibilidade, contratação, condições de trabalho e retenção dos motoristas do setor dos transportes rodoviários de mercadorias em Portugal. Assim, podemos analisar os resultados, nomeadamente, as razões apontadas para a escassez de mão-de-obra à luz da distinção teórica fornecida por Lodovici et al. (2009) e Nikolov et al. (2018) entre razões que contribuem para a escassez de mão-de-obra quantitativa ou qualitativa e, podemos ainda discutir os resultados específicos dos mecanismos de compensação da profissão de motorista tendo como base a teoria dos diferenciais salariais compensatórios.

Os participantes identificaram a falta de mão-de-obra no setor dos transportes rodoviários de mercadorias apontada tanto Lodovici et al. (2009) como por IRU (2019) como um desafio do mercado de trabalho atual. No entanto, há participantes que, apesar de assumirem que é uma realidade do setor, não o veem como uma realidade dentro da empresa. Segundo estes participantes, não sentem falta de motoristas porque a empresa em que trabalham tem uma posição favorável no mercado, tanto em termos de prestígio como de práticas salariais. Bienstock & Stafford (2014) haviam sugerido que os prémios monetários são aspetos altamente valorizados pelos motoristas pelo que os nossos dados confirmam que esta se apresenta como uma boa prática no que toca ao recrutamento e retenção. Os restantes participantes assumem que têm dificuldades em recrutar e destacam que está cada vez mais difícil atrair candidatos que aceitem as características do trabalho e as condições oferecidas. Assim, segundo a perspetiva dos participantes, as razões explicativas da situação atual incluem-se maioritariamente numa abordagem qualitativa da escassez de mão-de-obra uma vez que faltam pessoas que realizem o trabalho segundo as características da função e pelas condições oferecidas. No entanto, também foram detetadas razões que contribuem para uma situação de escassez quantitativa de mão-de-obra. Neste âmbito os participantes mencionaram os períodos cada vez mais longos no preenchimento das vagas assim como o crescimento do setor (tendo em conta a evolução da economia nacional, as alterações nas estratégias de gestão empresarial de subcontratação e de aprisionamento e o aumento das plataformas logísticas e demais operações de transporte como forma de resposta às novas

63 exigências do mercado) e tal influencia diretamente a mão-de-obra procurada, sendo esta uma razão integrada no quadro da abordagem quantitativa por via do aumento da procura de trabalho. Ainda neste âmbito podemos integrar a reduzida participação do sexo feminino na classe profissional como origem de escassez de mão-de-obra de carácter quantitativo uma vez que reduz significativamente o leque de indivíduos consideráveis para as vagas. Porém, apesar de os participantes entenderem que o aumento da participação das mulheres seria uma mais-valia, também deram a perceber que tal não seria provável ou exequível tanto por razões inerentes ao interesse que as mulheres têm em entrar no setor como pelo interesse que as empresas têm que estas entrem. Segundo a perspetiva dos entrevistados, as mulheres percecionam as condições de trabalho como mais adversas do que os homens. Foi possível depreender ainda que o setor apenas está preparado para homens, sendo que as condições de trabalho têm um peso significativo na escolha dos próprios empregadores quando consideram uma mulher para uma vaga de motorista, dando a entender que as mulheres teriam grandes dificuldades na execução da função e não a tornariam tão rentável. Assim, os participantes sugeriram que o aumento de candidatos para a função de motorista dificilmente passaria por atrair mulheres.

Os participantes destacaram, então, quatro causas essenciais para a falta de motoristas: os custos de formação, as condições de trabalho, a imagem da profissão e as expectativas da camada de trabalhadores mais jovens. Segundo a opinião dos entrevistados, estas causas interferem diretamente com a capacidade de atração do setor em relação a trabalhadores mais jovens. Num cenário em que os mais velhos se estão a retirar, o desfasamento entre vagas e candidatos torna-se mais evidente. Assim, apesar de os resultados obtidos apontarem para uma situação de falta de pessoal tanto quantitativo como qualitativo, os participantes forneceram uma maior diversidade de razões de carácter qualitativo.

No que diz respeito aos custos de formação, estes foram largamente abordados nas entrevistas e no sentido apontado pela literatura teórica. Assim, Ricards & Patterson (1998) e Bollérot (2002) referem que quanto mais elevados os custos de formação forem, menor o interesse que os indivíduos terão em obter essa formação e, portanto, menor será a quantidade de indivíduos habilitados a exercer essa profissão. A investigação empírica está em linha com esta hipótese, uma vez que os crescentes custos de formação foram apontados pela maior parte dos participantes como uma das razões que justificam o desinteresse dos indivíduos pela profissão de motorista, especificamente, das camadas mais jovens. O risco associado à profissão e a importância das regulamentações sobre o setor referido por Kidd

64 & Padgett (2016) e McKinnon et al. (2017) foram também amplamente referidos pelos participantes que explicitaram a importância da evolução tecnológica e das novas regulamentações no aumento da segurança dos motoristas e do seu bem-estar mas identificaram o mesmo aspeto como entrave ao aumento de rentabilidade da atividade.

Relativamente às condições de trabalho a que os motoristas estão sujeitos, estas foram caracterizadas por horários de trabalho irregulares e alargados, pressão e stress, exigência física significativa, necessidade de viver em condições de desconforto e sacrifício pessoal e familiar, bem como o isolamento social. Foi referida ainda a localização geográfica de Portugal como potenciando um agravamento das condições de trabalho da profissão, no sentido em que, as jornadas de trabalho dos motoristas de transporte internacional são mais longas pelo facto de o país se situar num ponto periférico relativo ao centro europeu. Bienstock & Stafford (2014) haviam referido que a flexibilidade nos horários de trabalho e jornadas fora de casa são dos aspetos mais valorizados pelos motoristas, pelo que a posição geográfica de Portugal apresenta-se como uma dificuldade acrescida. Zaki et al. (2012) e Staats et al. (2017) indicaram que setores com condições de trabalho adversas afastam candidatos, especificamente, os mais jovens, sobretudo por via da imagem da profissão que é construída com base nessas condições adversas. Os participantes destacam que esta tem melhorado claramente ao longo dos anos, sendo que referem como mais preocupante a conjugação das expectativas das camadas mais jovens (diferentes das dos trabalhadores mais velhos) com os sacrifícios que a profissão exige, tendo em consideração as condições que oferece. Estes aspetos convergem os insights fornecidos por Harlow (2004) e Hjelte et al. (2018) sobre a importância de compreender o papel das expectativas das gerações mais jovens na atratividade de uma profissão e as características mais valorizadas nos empregos pelas camadas mais jovens. Segundo os resultados obtidos e que refletem a visão das empresas do setor, os mais jovens atualmente valorizam mais o tempo em família, amigos e lazer assim como a qualidade de vida que têm do que as gerações anteriores pelo que preferem auferir salários mais reduzidos e não estar sujeitos aos sacrifícios que a profissão implica. Podemos verificar que os mais jovens reagem menos ao pagamento de diferenciais salariais compensatórios do que os trabalhadores mais velhos e, portanto, exigem diferenciais salariais compensatórios superiores para as mesmas condições. Os participantes indicaram ainda que esta mudança também está associada ao facto de as camadas mais jovens terem níveis de escolaridade superiores. McGinley et al. (2016) referiu a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional assim como a relevância da calendarização e antecedência no

65 conhecimento de horários de trabalho para as gerações mais jovens. De acordo com os participantes do estudo, este é um fator central uma vez que, pelas características inerentes ao setor (imprevisibilidade, trânsito, surgimento de novas cargas, entre outros), as práticas de calendarização e planeamento rigoroso de tempos de viagem não são possíveis.

No que toca à adaptação dos motoristas à integração de novos processos de trabalho que podem implicar diretamente com a natureza das suas funções e, consequentemente, com a motivação dos mesmos sugerida por Harlow (2004), os participantes são da opinião que as mudanças são sobretudo ao nível da integração de tecnologia e que têm um carácter maioritariamente positivo e facilitador das funções, apesar de assumirem que notam resistência à adaptação nos trabalhadores mais velhos.

Os resultados referentes à caracterização dos profissionais do setor estão em linha com os dados apontados pela literatura empírica em contexto europeu. Neste âmbito, a idade média dos motoristas analisados na amostra prende-se nos 45 anos e a representatividade feminina não vai além do 1%, sendo bastante reduzida. Em relação à escolaridade média dos motoristas, confirma-se que esta se caracteriza por níveis baixos sendo, em média, o 9º ano de escolaridade.

No âmbito de identificar formas de aumentar a capacidade de atração da profissão e melhorar a retenção das empresas do setor, os participantes fizeram várias sugestões, incluindo a necessidade de se aumentar a fiscalização do setor pelas entidades competentes no sentido de impedir que haja empresas a levar a cabo práticas ilegais, e assim, promover o equilíbrio do setor. Ainda neste âmbito, as empresas referiram que seria benéfico se o Estado promovesse mais apoios à contratação, tanto a nível fiscal como outros, pois desta forma, as empresas aumentariam a sua capacidade para melhorar as suas políticas de recrutamento e retenção. Neste âmbito, Kidd & Padgett (2016) indicaram o mesmo, ressalvando que o setor, nos EUA, é alvo de um número exagerado de medidas reguladoras que acabam por se tornar ambíguas entre si. Os autores sugerem a necessidade de se amenizarem estas medidas como forma de devolver autonomia e liberdade ao mercado, para inclusive, terem “margem de manobra” para variar salários. Staats et al. (2017), neste âmbito, confirmam ainda as reduzidas margens de lucro das empresas do setor assim como a necessidade de se passar para o cliente os aumentos dos custos, nomeadamente, do custo do trabalho com o aumento dos salários dos motoristas. Os participantes apontaram o mesmo e referiram ainda que seria vantajoso reduzir os custos de formação e tornar mais acessível e menos burocrático o acesso à profissão. Apontaram ainda a estratégia de utilização de duplas como forma de aumentar a

66 participação das mulheres na profissão, no entanto, nenhuma das empresas participantes tem essa prática pois ou não existem mulheres candidatas ou assumem não ser uma prática rentável para a atividade. Por fim, vários participantes identificaram a imigração como solução mais provável para a falta de pessoal e apontaram que é importante a desmistificação dos aspetos negativos da profissão, a melhoria das infraestruturas que apoiam o transporte internacional (algo que Staats et al. (2017) tinham referido sobretudo de forma a melhorar a qualidade de vida dos profissionais) e uma melhor distribuição dos resultados de forma a tornar a profissão mais atrativa do ponto de vista financeiro. Um dos participantes sugere que a profissão talvez deva ser redesenhada de forma a adaptar-se às novas circunstâncias do mercado de trabalho e características dos trabalhadores.

Os participantes mencionaram ainda algumas contrapartidas às condições referidas como adversas por via de algumas facilidades na contratação e retenção: a subvalorização da experiência no processo de contratação; e as vantagens salariais, face à escolaridade média dos motoristas. Em relação às vantagens salariais, na opinião dos entrevistados, estas são elevadas comparativamente com profissões alternativas para o mesmo nível de escolaridade. Assim, os participantes indicam que o setor oferece diferenciais salariais compensatórios o que está em linha com a teoria dos diferenciais salariais compensatórios considerando que a profissão reúne diversas condições de trabalho adversas. No entanto, caracterizaram-nos como insuficientes para atrair candidatos e renovar o setor, destacando que o diferencial salarial compensatório se tem vindo a esbater ao longo dos últimos anos. Os participantes ressalvam ainda que as gerações de trabalhadores mais jovens exigem diferenciais salariais compensatórios superiores aos que os mais velhos exigiam devido à evolução das expectativas que estas têm sobre o emprego e que esse é um dos motivos centrais para a falta de jovens na profissão. Assim, apesar de haver entendimento por parte dos participantes em relação ao facto dos ganhos salariais serem insuficientes e da necessidade de estes serem aumentados, os entrevistados revelam a dificuldade em melhorar as condições oferecidas pois a rentabilidade das empresas não o permite. Indicaram a elevada concorrência entre as empresas pelo serviço associadas às margens de lucro reduzidas assim como a concorrência desleal como prática no setor ligada ao não cumprimento de regras laborais, ambientais, entre outras.

Em relação à interligação da falta de mão-de-obra com a dimensão da empresa sugerida na literatura por Vinten (1998), foi possível compreender neste estudo que as duas maiores empresas participantes não registam falta de motoristas e atribuem esse resultado ao

67 prestígio e reconhecimento que têm no mercado assim como ao conjunto de práticas salariais e outros benefícios não monetários, como seguro de saúde, que aplicam aos seus trabalhadores. No mesmo sentido avançado por McGinley at al. (2017), os participantes confirmaram que há benefícios que representam custos negligenciáveis para as empresas mas são muito valorizado pelos trabalhadores.

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