• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

3.1 Bolsas de Estudo

3.1.9 Condicionantes e Conclusões

Durante os últimos anos o processo de atribuição de bolsas de estudo tem sofrido constantes alterações, desde 2009/2010 que o regulamento é alterado todos os anos e nos últimos 16 anos apenas em 5 anos não houve alterações. A introdução de uma plataforma informática on-line para a atribuição de bolsas de estudo (SICABE), a que todas as instituições de ensino superior foram obrigadas a aderir a partir de 2011/2012, por Despacho do Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, e a que a UTAD já tinha aderido, voluntariamente, em 2009/2010, ajudou a harmonizar os procedimentos e a melhorar a eficácia da análise e na simplificação administrativa através das interoperabilidades de dados com as Finanças, Segurança Social e Serviços Académicos. No entanto, ainda muito há a fazer quanto ao regulamento, assim como, à plataforma de atribuição de bolsas de estudo.

No que diz respeito ao regulamento, há alterações que urgem efetuar, nomeadamente, no caso das famílias com rendimentos provenientes por conta de outrem, deveria considerar-se o rendimento líquido e não o ilíquido, pois está a considerar-se rendimentos que não são efetivamente auferidos pelas famílias, são impostos.

O limiar de carência talvez tenha aumentado demasiado, neste último ano letivo, sobretudo se se considerar o rendimento líquido. Famílias mais numerosas conseguem beneficiar de bolsa de estudo apesar de possuírem rendimentos significativamente elevados, como por exemplo, uma família de 5 elementos e com um rendimento anual de €38.854,95 consegue beneficiar de bolsa, no valor da propina, a mesma bolsa que uma família de 3 elementos, eventualmente acrescida de despesas de habitação e saúde, e com um rendimento anual de €13.834,26, algo não está bem. É necessário ajustar o montante das bolsas de estudo, neste último escalão demasiado grande, que varia entre €4.611,42 e €7.770,99, eventualmente corrigindo a fórmula de cálculo, alterando-a de 11 x o IAS + PM para 12 ou 13 x IAS + PM.

O número de elementos do agregado familiar deveria ser ponderado, ou seja, o peso de cada elemento no agregado não deveria ser de 1 para cada elemento, para não prejudicar tanto as famílias menos numerosas, até porque as despesas de uma família não aumentam a 100% cada vez que aumenta 1 elemento no agregado familiar. Por exemplo, como referido no capítulo anterior, comparando duas famílias, uma de 3 elementos (pais e estudante) e outra de 4 elementos (pais, estudante e irmão menor), cujas despesas de habitação, alimentação, entre outras, são muito semelhantes, e caso estas

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

69

aufiram a RMMG, a de 3 elementos tem uma bolsa no valor de apenas a propina (€1.019) e a de 4 elementos tem uma bolsa de mais do dobro (€2.095) e uma de 5 elementos, com os mesmos rendimentos, quase o triplo (€2.803), é um desfasamento muito grande no valor da bolsa, o que não acontece no lado da despesa destas famílias.

Outro problema sinalizado é de que o valor da bolsa de estudo não sofre qualquer alteração desde 2009, porque está indexada ao IAS, ano em que o IAS sofreu a última atualização. O IAS foi criado em 2006, através da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, para a atualização das pensões e outras prestações sociais do sistema da Segurança Social, substituindo a RMMG, está indexado ao Produto Interno Bruto (PIB) e ao Índice de Preços ao Consumidor (IPC) sem a habitação, e a sua última atualização foi em 2009, alterado de €407,41 para €419,22, através da Portaria n.º 1514/2008, de 24 de dezembro, inicialmente fixado 397,86 (2007), ou seja, em 9 anos apenas aumentou €21,36. Relativamente ao rendimento considerado sobre o património mobiliário do agregado familiar do estudante, os escalões deveriam ser mais reduzidos para não haver uma diferença tão grande, sobretudo nos escalões mais elevados, que deveriam ser de no máximo de dez em dez mil euros, eventualmente menos, pois o que acontece atualmente é que quem possui €41.000,00 tem a mesma penalização de quem tem €100.000,00 de património mobiliário, ou seja, é considerado um rendimento anual adicional de €8.049,02.

As dívidas para com o Estado (Finanças e Segurança Social), deveriam voltar à regra considerada em 2012/2013, ou seja, o processo deveria ser sempre indeferido desde que algum elemento do agregado familiar possuísse dívidas para com o Estado, em vez de apenas o estudante. Apesar de a bolsa ser paga ao estudante, quem beneficia da bolsa é toda a sua família, aliás a bolsa de estudo é calculada em função da situação socioeconómica do agregado familiar do estudante, logo, se o estudante é bolseiro toda a sua família é beneficiada, porque diminui o seu esforço financeiro com os custos associados à frequência no curso por parte do estudante.

Relativamente aos rendimentos empresariais deveria considerar-se sempre, no mínimo, 20% do total dos proveitos, independentemente de ser atividade com contabilidade organizada ou não, e, no caso das sociedades, deveria considerar-se 100%, em vez dos atuais 50%, do lucro apurado, vezes a quota na sociedade. Ainda nestes casos de sociedades, deveria também considerar-se 5% do valor patrimonial da empresa vezes a quota, porque é património que pertence a um ou mais elementos do agregado familiar e deveria ser penalizado, à semelhança da regra dos patrimónios mobiliário e imobiliário.

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

70

Outra questão importante a corrigir no futuro refere-se às situações em que existem rendimentos provenientes de atividades não declaradas em IRS, provenientes de trabalho à jorna23, serviço

doméstico ou outras atividades não declaras, nestes casos, os SAS, como entidades do Estado, deveriam obrigar estes cidadãos, caso pretendessem beneficiar de bolsa, a declarar as suas atividades nas Finanças e Segurança Social, caso contrário seriam excluídos. Aliás, estas situações são muito semelhantes aos casos das dívidas, visto que também se encontram em dívida para com o Estado, só que neste caso o Estado é cúmplice porque permite que estas famílias sejam ainda beneficiárias de apoios sociais.

Outro aspeto semelhante é o do aproveitamento escolar, que tem aumentado nos últimos anos, de 40% para os atuais 60%, e julgo que poderá ainda aproximar-se dos 70%, valor equivalente ao necessário para transitar de ano (42 ECTS). Aqui, o problema reside no facto de o regulamento apenas beneficiar o insucesso escolar, ou seja, o estudante que reprova de ano excecionalmente pode beneficiar de bolsa de estudo se obtiver aprovação a, pelo menos, um determinado número de ECTS, mas se o estudante tiver um aproveitamento excecional, acima da média, não obtém qualquer benefício por isso, não se promovendo assim o sucesso escolar.

Quanto à plataforma de atribuição de bolsas de estudo, tem ainda algumas limitações e alguns pontos que deveriam ser melhorados, alguns que não dependem apenas da DGES, organismo que gere a plataforma. Para além das interoperabilidades com as Finanças, Segurança Social e Serviços Académicos, deveria também efetuar interoperabilidade com as plataformas do alojamento em residências de estudantes, assim como, deveria importar também, para além dos dados que importa atualmente das Finanças, os dados do património imobiliário e deveria fazer interoperabilidade com o Banco de Portugal para a importação do património mobiliário de cada elemento do agregado familiar (atualmente declarado sob compromisso de honra).

O formulário que consta no processo de candidatura a bolsa de estudo deveria conter mais questões sobre as características socioeconómicas do agregado familiar do estudante, nomeadamente, sobre a profissão e habilitações literárias dos pais, sobre a tipologia da habitação do agregado, assim como, conter algumas questões sobre o historial académico do estudante, com vista a responsabilizar o mesmo, visto que nem sempre os serviços académicos possuem toda a informação necessária, sobretudo se o estudante provir de outra instituição de ensino superior. A plataforma poderia ainda solicitar mais documentos, automaticamente, à semelhança do que acontece com o IRS / Isenção de IRS, com vista a diminuir o trabalho administrativo dos Assistentes Sociais.

23 “À Jorna”: substantivo feminino, do latim diurna [opera], trabalho de um dia, salário diário, proventos pecuniários de cada dia. À Jorna,

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

71

Como se verificou anteriormente, os Assistentes Sociais intervêm diretamente nos resultados de aproximadamente 36% das candidaturas e maioritariamente em candidaturas de famílias com rendimentos não declarados em IRS, como seria de esperar, e rendimentos empresariais, menos espetável. Mas mais surpreendente é o motivo da alteração do resultado, no caso de famílias com rendimentos empresariais, 85% deve-se ao seu próprio rendimento, que apesar de se encontrar declarado nas Finanças, este não corresponde á realidade, visto que grande parte das situações o rendimento é corrigido pelos Assistentes Sociais aquando da análise do processo.

Para o apuramento das situações socioeconómicas das famílias dos estudantes candidatos a bolsa, para além da documentação que é habitualmente solicitada, as entrevistas são uma ferramenta importantíssima para o esclarecimento das suas situações. Quando estas não esclarecem na íntegra as situações socioeconómicas dos estudantes, as visitas domiciliárias são um ótimo complemento porque são um instrumento de recolha de dados no meio natural da família do estudante, apesar de nem sempre se conseguir efetuar todas as visitas domiciliárias sinalizadas, devido à distância ou a não haver tempo suficiente para os devidos efeitos.

Como referido por Amaro (2012), no trabalho do Assistente Social, existe cada vez mais uma tendência para se focar na produção dos resultados, impondo critérios de eficácia e eficiência, com um pendor burocrático muito elevado e processos pautados por procedimentos predefinidos com uma generalização da informatização. Deste modo, considera-se que o Assistente Social deverá desenvolver estratégias que aumentem a humanização nos serviços, nas suas relações com o destinatário e nos estilos de vida produzidos socialmente.

Apesar de poder parecer um paradoxo, a informatização das candidaturas a bolsa de estudo poderá beneficiar essa humanização dos serviços, desde que não burocratize demasiado os procedimentos, automatizando-os, e desenvolva as interoperabilidades existentes e criando novas, com outras entidades, libertando os Assistentes Sociais do trabalho administrativo, permitindo que façam o seu trabalho de acompanhamento e aconselhamento dos estudantes e suas famílias.

O regulamento necessita de intervenções urgentes, mas também de estabilidade, e evoluir com vista a beneficiar as famílias economicamente mais carenciadas, visto que se atribuí cada vez mais bolsas, isso é um facto, mas estas são cada vez mais de valor mais baixo. Há data da elaboração destas conclusões, foram já atribuídas, em 2015/2016, 2.275 bolsas, mais 136 bolsas que no ano letivo anterior, no entanto, o gasto total com bolsas é menor, pois gastar-se-á neste ano letivo €4.529.070,00 e no ano letivo anterior gastou-se €4.561.204,00. Assim como, cada vez são mais os estudantes beneficiários de bolsa “mínima”, bolsa no valor da propina, no ano letivo anterior, em 2014/2015, tivemos 718 num total de 2.139 bolseiros, 33,6%, e no presente ano letivo, 2015/2016, até este

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

72

momento, tivemos 868 num total de 2.275 bolseiros, 38,2%, aumentou 4,6%, ou seja, cada vez temos mais estudantes bolseiros, mas com bolsas de estudo de valor mais baixo.

Ao longo do período de avaliação de processos de candidatura a bolsa de estudo, pontualmente, são sinalizadas algumas situações que carecem de acompanhamento mais próximo por parte do Assistente Social, é nestes momentos que os conhecimentos adquiridos na Licenciatura ajudam na relação com o estudante, com as instituições e com os seus profissionais, conhecimentos esses adquiridos durante 5 anos letivos, com aulas práticas desde o 2.º ano até ao 5.º ano (estágio). A formação na área do direito na família e na criança ficou eventualmente aquém de, por esse motivo nos primeiros anos como profissional foram sentidas algumas dificuldades, colmatadas após alguns anos de experiência. Já no que diz respeito à formação na área da Psicologia, com elevada carga horária em psicopatologia, facilita a intervenção na sinalização de eventuais patologias, para encaminhamento para o Psicólogo. No domínio social a intervenção é fundamentalmente como, supervisor e acompanhamento de casos individuais, proporcionando aconselhamento quer a nível familiar quer individual. No caso de estudantes com deficiência o contributo surge na elaboração de relatórios para a intervenção principalmente nos domínios do alojamento, alimentação e transportes, com vista à sua autonomização durante o período letivo.

Capítulo III – Dinâmicas no Apoio Social

73