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2. MODELO DO ESTADO REGULADOR

2.2 Configuração do Estado Regulador

São muitos os atributos ou caracteres que podem ser apontados numa tentativa de se estabelecer uma distinção entre o Estado contemporâneo e os seus predecessores – Estado Liberal e Estado Intervencionista. No entanto, pode-se defender que uma das principais diferenças entre o Estado contemporâneo e estes modelos de Estado se encontra na priorização de um conjunto de características que o presente trabalho busca organizar ao redor da noção de “regulação”.

A palavra “regulador”, cujas origens remontam ao século XVIII, foi cunhada inicialmente pelas ciências da engenharia. A expressão foi forjada para explicar o comportamento desejável de sistemas mecânicos (moinhos, relógios etc.). No século XIX, o termo “regulação” desponta no campo da fisiologia e da biologia, generalizando-se como modelo explicativo do sistema vivo. Apenas no século XX, com a propagação das teorias cibernéticas, o conceito de “regulação” irá ser adotado no âmbito das ciências humanas e sociais. Este conceito, contemporaneamente, serve de representação e apoio à reflexão para os estudos dos sistemas complexos, em especial dos sistemas sociais69.

A aplicação do conceito de “regulação” ao estudo do funcionamento das sociedades tem rendido frutos às ciências sociais. A noção de “regulação social” tem sido adotada em análises de processos sociais extraídos da história e da etiologia, como modelo explicativo

69 LE MOIGNE, Jean-Louis. Regulação. In: ARNAUD, André-Jean et al. (dir.). Dicionário Enciclopédico

de Teoria e de Sociologia do Direito. Tradução de Patrice Charles e F. X. Willlaume. Rio de Janeiro:

para o equilíbrio e reequilíbrio social, mas também em estudos voltados à compreensão da sociedade industrial-moderna. Neste campo, a “regulação social” é associada, por muitos teóricos, às noções de “equilíbrio econômico” e “regulação econômica”. O próprio direito passa a ser compreendido como um “regulador social” privilegiado. Enfim, a expressão “regulação social” passa a auxiliar na explicação do funcionamento e da reprodução de sistemas sociais complexos – como o direito, a economia e a política –, com suas tensões, rupturas, contradições, equilíbrios e reequilíbrios70.

A expressão “regulação econômica”, por sua vez, está ligada ao padrão de intervenção estatal no mercado que se refere a impostos, subsídios e controles legislativos e administrativos sobre taxas, ingressos no mercado e outras facetas da atividade econômica. Dentre as teorias que têm sido desenvolvidas com o objetivo de explicar o funcionamento da regulação estatal da economia, podem ser apontadas como principais, de modo sintético: i) a teoria do interesse público, que sustenta que a regulação seria criada em resposta a uma demanda pública por correção de práticas de mercado ineficientes ou não equitativas; ii) a teoria da captura, que afirma que a regulação seria uma resposta às demandas de grupos de interesse competindo pela maximização dos seus próprios interesses (privados); e iii) a teoria econômica da regulação, que defende que a regulação pode ser entendida como um produto cuja alocação é regida pelas leis da oferta e procura, no sentido de que as pessoas e os grupos procuram promover, de modo racional, os seus próprios interesses71. Essas teorias privilegiam aspectos diversos da noção de “regulação econômica”, mas todas contribuem para a compreensão deste complexo fenômeno social. Em verdade, há uma espécie de complementaridade entre as perspectivas dessas teorias, que, em conjunto, permitem traçar um quadro mais realista da ideia de “regulação econômica”, que, na prática, atende ao interesse público, mas também, em grande medida, aos interesses privados72.

70 COMMAILE, Jacques. Regulação Social. In: ARNAUD, André-Jean et al. (dir.). Dicionário

Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Tradução de Patrice Charles e F. X. Willlaume. Rio de

Janeiro: Renovar, 1999, pp. 684-686.

71 POSNER, Richard A. Teorias da Regulação Econômica. Tradução de Mariana Mota Prado. In: MATTOS, Paulo Todescan L. (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004, pp. 49-60.

72 O interesse público, consoante Ávila, é indissociável do interesse privado: “Interesse privado e interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. [...] Se eles – o interesse público e o privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição

Assim, no âmbito do Estado, a “regulação” tem sido compreendida como uma “atividade estatal de organização e disciplina da atividade econômica privada”, desempenhada com o objetivo de “manter o desenvolvimento da economia fundada na iniciativa privada de investimento e produção”. A regulação da economia pelo Estado surge e cresce com o Estado Moderno e a consolidação do modo de produção capitalista. A atividade reguladora da economia pelo Estado volta-se, neste contexto, não apenas para o problema da concentração econômica e das práticas de abuso do poder de mercado, mas também para a disciplina do exercício pelo setor privado das atividades econômicas consideradas de interesse público ou coletivo. A tarefa de produzir “regulação econômica” passa a ser endereçada aos entes administrativos denominados de “autoridades reguladoras independentes” ou “agências reguladoras”, a quem é incumbido o papel de, com autonomia e de modo conjuntural, disciplinar normativamente a produção econômica73.

A noção de regulação econômica ajuda a compreender a nova racionalidade jurídica que se desenvolve a partir da constatação das insuficiências da racionalidade jurídica formal, conforme será abordado de modo mais detido no Capítulo 3 deste trabalho. O novo modelo de direito, após as profundas mudanças promovidas no contexto do Estado Intervencionista, convive com as peculiaridades do Estado Regulador, que passa a intervir no âmbito econômico principalmente através da regulação econômica.

O debate em torno da definição de um “direito da regulação econômica” se encontra diante de inúmeras dificuldades, dentre as quais a própria delimitação do significado da expressão, que apresenta um manifesto caráter polissêmico, podendo-se identificar a “regulação”: i) com o próprio direito, com o sentido excessivamente amplo de uma “organização do exercício do poder público por seu titular”; ii) como o limite imposto entre ambos. A verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados. Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado. O interesse público e os interesses privados não estão principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência.” (ÁVILA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. Revista Eletrônica sobre a

Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, set./out./nov., 2007.

Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 06 jan. 2016, pp. 13-14).

73 DERANI, Cristiane. Regulação. In: ARNAUD, André-Jean; JUNQUEIRA, Eliane Botelho (org.).

ao exercício de poder, com o sentido ainda amplo de “re-equilíbrio das relações de força” ou de “política de equilíbrio de poderes”, inclusive dentro de empresas; iii) pelos setores sobre os quais ela se exerce, que “devem ser construídos e mantidos num equilíbrio entre o princípio da concorrência e outros princípios”, com o sentido mais estreito que busca um vínculo jurídico entre a regulação e alguns setores particulares, como os de energia, transportes, medicamentos, telecomunicações etc., frequentemente confiados a uma autoridade setorial de regulação. Em verdade, o direito da regulação econômica, que encontra o seu pano de fundo na economia de mercado e na globalização econômica, entrelaça os três sentidos de regulação descritos, que não são excludentes, mas, sim, complementares74.

Na atualidade, a noção de “regulação” é muito utilizada “para sintetizar certos aspectos novos que o direito teria adquirido nas sociedades contemporâneas: o surgimento de um ‘direito de regulação’ manifestando a passagem de um direito abstrato, geral e desencarnado a um direito concreto e enraizado na realidade”. A concretização desta ideia de regulação “implica o recurso a novos modos de exercício do poder”, razão pela qual pressupõe uma ligação estreita com a noção de governança. Esta representa “um novo estilo de ação pública, fixando-se não mais sobre a unilateralidade e a coerção (como no modelo jurídico clássico), mas sobre a cooperação e sobre a adesão”. Encontra-se nos fundamentos da governança “a preocupação da eficácia da ação pública”, mas ela não é alheia ao mundo jurídico: não apenas a governança tende “a se juridicizar, por intermédio da procedimentalização e da contratualização, mas ainda ela influi sobre a concepção do direito, favorecendo a promoção de um direito negociado e maleável, nas antípodas do direito de comando tradicional”75.

Há três traços principais que caracterizam a noção de governança, em contraposição à ideia tradicional de governo: inclusão, efetividade e interatividade. O primeiro traço distintivo da governança é o de que se trata de uma modalidade de governo aberta, inclusiva e acolhedora. Há uma franca ampliação na participação dos atores públicos e,

74 FRISON-ROCHE, Marie-Anne. Definição do Direito da Regulação Econômica. Tradução de Thales Morais da Costa. In: Revista de Direito Público da Economia - RDPE. Belo Horizonte, ano 3, n. 9, pp. 207-217, jan./mar. 2005, pp. 208-216.

75 CHEVALLIER, Jacques. A Governança e o Direito. Tradução de Thales Morais da Costa. Revista de

sobretudo, privados: organizações internacionais, cortes, associações de profissionais, movimentos sociais, empresas, ONGs etc. O segundo atributo comumente associado à ideia de governança é aquele relacionado à sua capacidade de atingir objetivos e produzir efeitos. O momento normativo e o executivo se unem: o efeito prático, o resultado da aplicação, passa a ser o foco central, e não mais a lei. Por fim, a governança é caracterizada pelo seu aspecto interativo e dialógico. A negociação se torna o principal programa da governança, que abre espaço para que os destinatários das escolhas públicas também participem das decisões76.

Assim, o Estado Regulador é marcado por mudanças estruturais significativas em relação ao Estado Intervencionista. As diversas e heterogêneas estratégicas básicas que caracterizam esta mudança na governança, como a privatização, a liberalização, a reforma dos programas de bem-estar e a desregulação (no sentido de reforma dos métodos tradicionais de regulação), coincidem na limitação do papel do Estado Intervencionista, especialmente no que diz respeito ao seu poder de tributar e de gastar, e na mudança do seu padrão normativo, isto é, do seu papel regulador. A intervenção pública na economia passa a ocorrer mais através da regulação de mercados do que mediante a administração discricionária de variáveis macroeconômicas (estabilização macroeconômica) e a redistribuição de renda. Estes dois últimos tipos de intervenção estatal eram prioritários, no final do período de reconstrução das economias nacionais após a Segunda Guerra Mundial, na maior parte dos governos da Europa ocidental. No entanto, a partir da década de 1970, as despesas públicas discricionárias e as políticas de bem-estar passam a ser “vistas como parte do problema do desempenho econômico insatisfatório”. O novo modelo tende para um Estado mais enxuto e eficiente, com a introdução de “diferentes instrumentos de política presumivelmente mais eficazes” através de uma “regulação menos rígida ou restritiva”77.

A maior parte das diferenças estruturais entre o Estado Intervencionista e o Estado Regulador está ligada às políticas adotadas. O Estado Regulador aposta mais em políticas

76 FERRARESE, Maria Rosaria. La governance tra política e diritto. Bologna: Il Mulino, 2010, pp. 56-74. 77 MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: Causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan L. Regulação econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006, pp. 54-57.

regulatórias, que não são determinadas por dotações orçamentárias e receitas tributárias do governo, já que não envolvem dispêndio direto de recursos públicos. Enquanto a redistribuição de renda e a gestão macroeconômica exigem centralização na formulação de políticas e na administração, a regulação econômica requer um processo de decisão que é mais bem executado por organizações flexíveis, especializadas e autônomas: as agências reguladoras. Em determinadas áreas, em que o conhecimento específico, a continuidade e a credibilidade política são determinantes para uma maior eficácia, as agências reguladoras apresentam vantagens significativas em relação às instituições típicas do modelo burocrático tradicional78.

Ao lado do surgimento de novos atores sociais, como as agências reguladoras e seus especialistas, há uma redistribuição de poderes entre os velhos atores, que torna o Poder Judiciário protagonista do jogo administrativo, através, por exemplo, do exame judicial das decisões das agências. Ademais, novos grupos pluralistas passam a agir intensamente no Estado Regulador, concentrando-se em questões como o meio ambiente, a defesa do consumidor, os direitos civis e as questões de gênero. Estes “grupos não- econômicos” têm gerado importantes impactos na regulação. Trata-se de uma atuação que já era conhecida através dos “grupos de interesses empresariais”, que também desempenham um papel importante na formulação destas políticas79.

O Estado Regulador é marcado pela presença de características como: o pluralismo, a difusão do poder e a delegação de tarefas a instituições não-majoritárias. Embora paire

78 MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: Causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan L. Regulação econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006, pp. 64-69. Como já pontuado anteriormente neste trabalho, não se pode afirmar que o Estado Intervencionista tenha deixado de apostar em políticas regulatórias ou que o Estado Regulador não adote políticas relacionadas à redistribuição de renda e à gestão macroeconômica, mas apenas que a prioridade relativa destas políticas foi maior no Estado Intervencionista, enquanto a ênfase relativa nas políticas regulatórias tem se mostrado mais forte no Estado Regulador (LA SPINA, Antonio; MAJONE, Giandomenico. Lo Sato regolatore. Bologna: Il Mulino, 2000, pp. 7-38). No Brasil, por exemplo, não se pode deixar de observar que, antes mesmo da criação das agências reguladoras, já havia alguns órgãos estatais que eram responsáveis pelo desempenho de funções regulatórias, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Banco Central (BACEN). A novidade trazida pela reforma regulatória da década de 1990 não foi a adoção da regulação econômica, mas sim a sua intensificação, por meio da criação de agências reguladoras independentes, responsáveis pela regulação de setores específicos da economia, como os de energia elétrica, telecomunicações, transportes e saúde.

79 MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: Causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan L. Regulação econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006, pp. 71-75.

no ar a desconfiança quanto à sua legitimidade democrática, consoante Majone, instituições como as agências reguladoras apresentariam legitimidade procedimental, já que devem obedecer a regras formais, democraticamente elaboradas, e decidir de modo fundamentado, o que permite a abertura ao exame judicial e à participação pública. Estas instituições também apresentariam legitimidade do ponto de vista substantivo, pois devem gerar e manter a expectativa de que são adequadas para as funções que lhes são confiadas, isto é, de que apresentam não apenas conhecimentos específicos, capacidade de proteger interesses difusos, profissionalismo e habilidade de solucionar problemas, mas também objetivos e limites definidos80.

Na Europa, a passagem do Estado Intervencionista ao Estado Regulador, marcada pelo crescimento da importância da regulação de mercados, pode ser entendida a partir da análise de três importantes processos complementares: i) a privatização, que representa uma mudança no modo de controle dos serviços públicos e dos setores que afetam o interesse público, os quais, embora “deixados em mãos privadas”, são mantidos sob a regência de “normas elaboradas e aplicadas por agências especializadas”; ii) a europeização da formulação de políticas públicas, que traduz uma “crescente interdependência das políticas domésticas e supranacionais dentro da Comunidade

80 MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: Causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan L. Regulação econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006, pp. 76-78. No âmbito da teoria dos sistemas de Luhmann, a noção de “legitimidade” representa a “fórmula de contingência” do sistema político (NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. Universidade Iberoamericana; Faculdad de Ciencias Políticas y Sociales, UNAM, FCE, 2004, pp. 168-171). A ideia de fórmula de contingência para a teoria dos sistemas de Luhmann será retomada no Capítulo 4 deste trabalho, especialmente quando abordarmos a noção de “justiça”, que representa a fórmula de contingência do sistema jurídico. Em relação ao conceito de legitimidade das decisões, Luhmann entende que se trata da “[...] precondición general de una organización compleja de la decisión [...]”, que quer dizer “[...] que la toma incuestionada de decisiones vinculantes del sistema político queda asegurada con independencia de las estructuras de motivación concretas y personales.” Por isso, “[r]esulta claro que la legitimidad no puede consistir solamente en una mezcla apropiada de coerción e consenso […]. Un proceso como el descrito, de generalización de la toma de decisiones (un proceso en el que dicha toma de decisiones se hace además evidente), solo puede llevarse a efecto con apoyo social. Sin el acuerdo con otros, el individuo no podría distanciarse tanto de sus motivos personales. La legitimidad presupone la institucionalización.” (LUHMANN, Niklas. Sociología política. Tradução de Iván Ortega Rodríguez. Madrid: Editorial Trotta, 2014, pp. 86-94). Em outra formulação do mesmo conceito, Luhmann enquadrou a legitimidade “[...] como uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância. [...] A legitimação pelo procedimento e pela igualdade das probabilidades de obter decisões satisfatórias substitui os antigos fundamentos jusnaturalistas ou os métodos variáveis de estabelecimento do consenso. Os procedimentos encontram como que um reconhecimento generalizado, que é independente do valor do mérito de satisfazer a decisão isolada, e este reconhecimento arrasta consigo a aceitação e consideração de decisões obrigatórias.” (LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, pp. 29-35).

Européia/União Européia (CE/EU)”, bem como uma “tendência geral no sentido da harmonização dos enfoques reguladores e uma estreita cooperação entre reguladores nacionais e suas contrapartes em nível europeu”; e iii) o crescimento de formas indiretas ou terceirizadas do Governo, que significa a mudança do governo direto para o indireto, caracterizado, dentre outros fatores, pela atuação de agências e organizações, que operam com certa autonomia, mas que são controladas “por meio de arranjos contratuais e de regras e regulamentos”81.

Em síntese, o surgimento do Estado Regulador é fortemente ligado ao processo de “diminuição das atividades estatais, por meio de privatizações e concessões do Estado a sujeitos privados”. Esta mudança tem sido associada à chamada “crise do Estado”, que se manifesta através da “perda de unidade do maior poder público no contexto interno e perda da soberania em relação ao exterior”82. Surge, assim, uma redefinição das funções do Estado, que repousa no princípio fundamental da subsidiariedade, segundo o qual:

[...] a intervenção do Estado somente é legítima em caso de insuficiência ou de falha dos mecanismos de autorregulação social (supletividade), sendo entendido que convém naquela situação privilegiar os dispositivos mais próximos dos problemas a resolver (proximidade) e de apelar à colaboração dos atores sociais (parceria) [...]83.

Quando o Estado se retira da economia, por meio da privatização, consoante Irti, não há um esvaziamento da política, mas, ao contrário, a plenitude desta, isto é, “daquele querer humano que escolheu um determinado regime de propriedade e de negócios”. No entanto, a vontade humana que institui esta estrutura econômica também pode demoli-la: “Qualquer solução será uma solução política”, e não resultado de uma lei natural84. Em termos sistêmicos, trata-se de comunicação política. O sistema político “democrático”

81 MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: Causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan L. Regulação econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006, pp. 57-63.

82 CASSESE, Sabino. A crise do Estado. Tradução de Ilse Paschoal Moreira e Fernanda Landucci Ortale. Campinas: Saberes Editora, 2010, pp. 13-14.

83 CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 59-60.

84 IRTI, Natalino. A ordem jurídica do mercado. Tradução de Alfredo Copetti Neto e André Karam Trindade.

concretiza “os pressupostos de incremento da complexidade e do seu controle seletivo pela tematização política das pretensões do ambiente.”85

A partir dos anos 1980, praticamente todos os países passam a testemunhar o surgimento de administrações independentes, que pareciam, até então, ser um atributo