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4. HIPÓTESE DO ADMINISTRADOR/JULGADOR EFICIENTE

4.2 Interpretação jurídica e administrador/julgador eficiente

4.2.1 Eficiência e segurança jurídica

A ideia de eficiência não faz parte da semântica tradicional do sistema jurídico, mas sim do sistema econômico. A hermenêutica jurídica, ao contrário da interpretação econômica, não se especializou na adoção de ideias como a de eficiência ou escassez, mas na mobilização de noções como a de segurança jurídica e legalidade. Em razão disso, a inclusão do administrador/julgador eficiente no arsenal metodológico da interpretação jurídica exige reflexões acerca da sua compatibilização com o sistema e a racionalidade jurídica. Em síntese, cumpre-nos questionar: a ideia de eficiência poderá ser adequadamente adotada pelos intérpretes do direito?

A noção de eficiência, em uma acepção ampla, está ligada à realização de uma tarefa “de acordo com as normas e padrões preestabelecidos”, isto é, refere-se “à forma de realizar uma tarefa”223. Este conceito pode ser compreendido também a partir da ideia de “relação entre meios e fins”, enquanto “efetividade dos meios empregados, em um dado processo, para alcançar-se um objetivo ou gerar-se o resultado visado”.224 Ao menos nesta acepção ampla, a ideia de eficiência parece ser plenamente compatível com a tradição

223 SANDRONI, Paulo. Eficiência. In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 284.

224 GAIGER, Luiz Inácio. Eficiência. In: CATTANI, Antonio David; LAVILLE, Jean-Louis; GAIGER, Luiz Inácio; HESPANHA, Pedro (Coord.). Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009, p. 169.

jurídica romano-germânica, bem como com as noções de segurança jurídica e de legalidade, valorizadas pela hipótese do legislador racional.

Já em uma acepção mais específica, a ideia de eficiência simplesmente significa “a melhor utilização dos recursos”. Transpondo a noção, por exemplo, para o campo da atividade jurisdicional, pode-se afirmar que a eficiência exige que os tribunais solucionem os litígios do modo mais “justo, rápido e barato”225. Este ideal, a princípio, também não nos parece incompatível com os ideais de segurança jurídica e legalidade, que historicamente têm sido privilegiados pela dogmática jurídica da Europa Continental e da América Latina.

Estando a serviço de uma ideologia dinâmica, que enfatiza a adaptação interpretativa das normas, o legislador racional pode ser associado à figura do administrador/julgador eficiente. Não há razões para acreditar que estes dois ideais não possam se sustentar mutuamente, inclusive na tradição jurídica romano-germânica. Aliás, esta união pode trazer importantes contribuições para a dogmática jurídica brasileira, que, movida pela busca de valores como o da segurança jurídica e pela preocupação com a eficiência da decisão, poderá ser considerada uma dogmática jurídica mais responsiva.

A hipótese do administrador/julgador eficiente está comprometida com o ideal de que a decisão jurídica transcende os limites da trama normativa dos textos legais. As informações acerca do ambiente econômico do direito, por exemplo, são introduzidas na racionalidade jurídica através da percepção de que a interpretação jurídica, em muitos casos, depende do manejo de diversos elementos, como “[f]atos econômicos, normas estabelecidas socialmente, regras extraídas da experiência, costumes e rotinas dos mercados”226.

Por isso, o ideal do administrador/julgador eficiente, que representa a abertura do sistema jurídico ao seu ambiente, pode ser identificado, esquematicamente, com a tradição

225 FIX-FIERRO, Héctor. Courts, Justice and Efficiency: A Socio-Legal Study of Economic Rationality in Adjudication. Oxford: Hart Publishing, 2003, p. 8.

226 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Concorrência: entre o Direito e a Economia. In: MOTTA, Massimo; SALGADO, Lúcia Helena. Política de concorrência: teoria e prática e sua aplicação no Brasil. Tradução de Lúcia Helena Salgado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. II.

jurídica anglo-saxônica (e, mais especificamente, com o direito norte-americano), que, historicamente, tem sido mais receptiva às abordagens interdisciplinares do direito. A tendência à identificação da figura do legislador racional, que representa o fechamento operacional do sistema jurídico, com a tradição romano-germânica, por sua vez, está ligada à típica tarefa assumida pela dogmática jurídica europeia (e latino-americana), que “enfoca a interpretação da lei e a tentativa de suavizar suas inconsistências progredindo no entendimento sobre seu sistema e estrutura inerente”227.

Com base na tipologia desenvolvida por Nonet e Selznick sobre as formas de ordenamento jurídico (“repressivo”, “autônomo” e “responsivo”), Kagan afirma que não apenas “os sistemas judiciários da Europa Continental e da América Latina, com sua tradição de civil law”, mas também “os da Inglaterra e suas antigas colônias, a Austrália e o Canadá”, estariam “mais próximos do ideal do direito autônomo”, preocupado com a independência da esfera jurídica em relação à esfera política. Já o sistema judiciário dos Estados Unidos, embora consagrando “certos aspectos do direito autônomo”, incorporaria “uma boa parcela de elementos do direito responsivo”, marcado pela preocupação com as consequências das normas jurídicas e caracterizado como um “direito mais flexível e político”.228

227 GRECHENING, Kristoffel; GELTER, Martin. A divergência transatlântica no pensamento jurídico: o direito e economia norte-americano vs o doutrinalismo alemão. In: SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.).

Direito e economia: textos escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 328-333.

228 A “excepcionalidade estadunidense”, consoante Kagan, pode ser identificada a partir da análise do perfil da atividade jurisdicional deste país, que contrasta não apenas com a tradição do civil law, mas com a própria tradição dos demais países integrantes da common law: “Em comparação com os juízes estadunidenses, os judiciários da Europa Continental, com sua tradição de civil law baseada em leis e códigos promulgados pelo legislativo, reverenciam de modo mais constante o ‘compromisso histórico’ entre os legisladores políticos e os juízes que aplicam as leis. Mas isso também é verdade para o judiciário da Grã-Bretanha, berço da tradição do common law. Os juízes estadunidenses, porém, em virtude de seu estilo de emitir sentenças menos vinculadas a decisões precedentes e de invocar interpretações constitucionais, têm tido mais liberdade e maior propensão a inovar baseando-se em noções próprias de justiça e de boa política pública. [...] As ressonâncias entre o direito responsivo e a tradição jurídica dos Estados Unidos ajudam a explicar por que os juízes estadunidenses, de acordo com um estudo comparativo, são os mais ‘informais’ e criativos em sua interpretação das leis provenientes do poder legislativo. [...] Na Inglaterra, como na maioria dos países, a formação jurídica enfatiza o estudo das normas e princípios legais existentes. Os estudantes de Direito nos Estados Unidos, no entanto, são ensinados a questionar a equidade ou a sabedoria das leis e das opiniões judiciais – um reflexo da concepção do direito responsivo de que normas legais específicas devem ser consideradas válidas apenas condicionalmente, sujeitas a reavaliação à luz da análise de suas consequências sociais, econômicas e morais. As revistas estadunidenses de direito estão cheias de argumentos em favor de novos direitos e soluções jurídicas.” (KAGAN, Robert A. Introdução à edição da Transaction Publishers. In: NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Direito e sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2010, pp. 11-23).

Os juristas, em geral, têm sido pouco sensíveis a uma análise dos problemas jurídicos que parta do ponto de vista, por exemplo, das consequências, dos custos e da eficiência. Privilegiou-se, historicamente, a ênfase nas discussões relativas aos problemas internos dos ordenamentos jurídicos: incompatibilidades, ambiguidades, lacunas, conceitos indeterminados, direitos fundamentais etc.229 Recorria-se à figura do legislador racional, que servia à solução desses problemas, por meio de tarefas de compatibilização, precisão, preenchimento, determinação e concretização dos sentidos jurídicos.

No entanto, atualmente, os juristas, teóricos e práticos, são levados, cada vez mais, por exemplo, a um diálogo com os economistas: “De uma racionalidade jurídica debruçada sobre os aspectos formais, lógicos, semânticos e gramaticais das palavras da lei e da racionalidade do legislador, aos poucos nos dirigimos no sentido de uma racionalidade jurídica material, sistêmica, pragmática e funcional”230. Apesar de apresentar uma intensidade maior nos Estados Unidos, essa tendência também tem se manifestado em outros países, como o Brasil231.

Evidentemente, esta mudança paradigmática no modo de interpretar e pensar o direito, associada às profundas transformações na política e no modelo estatal, tem sido alvo de análises críticas, que apontam, por exemplo, para o prestígio de “uma hermenêutica

229 CALSAMIGLIA, Albert. Racionalidad y eficiencia del derecho. México: Fontamara, 2003, p. 57. 230 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Concorrência: entre o Direito e a Economia. In: MOTTA, Massimo; SALGADO, Lúcia Helena. Política de concorrência: teoria e prática e sua aplicação no Brasil. Tradução de Lúcia Helena Salgado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. II.

231 SALAMA, Bruno Meyerhof. Apresentação. In: SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). Direito e economia: textos escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 9-17. Embora apontando para um colapso, em muitas disciplinas, do “monopólio da interpretação econômica” após a crise financeira de 2008, Teubner afirma que permanece indefinida “a questão de saber se essa catástrofe também marca o fim do imperialismo do pensamento econômico no direito”. As teorias econômicas, até então, vinham obtendo “uma expansão maciça em todas as áreas da vida, desde o direito, e passando pelas análises econômicas das relações amorosas e da fé religiosa”: “Por volta dos anos de 1970 e 1980, uma teoria social com pretensões de representação exclusiva, que já havia, há algum tempo, dominado todas as áreas do direito como uma ‘ciência guia’ nos Estados Unidos, desfrutando de apoio político enorme e um fluxo abundante de financiamento privado, entrou em cena também na Alemanha (Teles, 2008). A teoria dos custos de transação, a teoria dos direitos de propriedade, as teorias da escolha pública e da analise econômica do direito são vários movimentos na teoria econômica que visam a substituir o conceito desgastado de justiça pelo de eficiência econômica do direito. Esses movimentos reivindicam a inteira substituição da orientação anterior do direito na filosofia moral, não tolerando quaisquer outras teorias sociais. Com autoconfianca e de modo aberto, eles professam uma espécie de ‘imperialismo da teoria’, permitindo a interdisciplinaridade (por exemplo, na economia institucional), mas apenas em seus próprios termos.” (TEUBNER, Gunther. Direito e teoria social: três problemas. Tempo Social, Brasil, v. 27, n. 2, p. 75-101, dez. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/108177>. Acesso em: 01 jan. 2016, pp. 80-81).

de mentalidade economicista cuja principal característica é o desprestígio à justiça como fundamento justificador do Estado Social e Democrático de Direito”. Segundo esta perspectiva, “a idéia-força da eficiência”, diante do sucesso ideológico do neoliberalismo, seria a “algoz da mentalidade principiológica” e “comprometeria o caráter intervencionista do Estado e sua promoção do bem-estar dos menos favorecidos [...] e dos direitos humanos em geral”.232

Embora os riscos de uma justaposição sejam inegáveis, não é fácil avaliar com precisão se a aproximação da racionalidade jurídica e do raciocínio econômico tem trazido mais vantagens ou desvantagens para a sociedade. No entanto, pode-se afirmar, sem que sejam necessários grandes estudos empíricos, que há uma forte tendência na economia e no direito para a convergência de temas, reflexões e teorias, bem como que são necessários estudos sobre os riscos, limites e possibilidades desta aproximação.

Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ilustra bem a mudança de postura dos intérpretes do direito em face dos aspectos econômicos relacionados ao ordenamento e às decisões jurídicas.

Em 07 de abril de 2015, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial nº 1.163.283 – RS (2009/0206657-6), nos termos do voto do Ministro Relator, Luis Felipe Salomão. A Turma do STJ reconheceu o não cumprimento dos requisitos procedimentais previstos no artigo 50 da Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, e determinou a anulação de todos os atos praticados e a abertura de prazo para a emenda à petição inicial (da “ação de revisão de prestações do saldo devedor e repetição de indébito em face do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A.”), mediante a qual os autores buscavam o “restabelecimento do equilíbrio contratual de financiamento habitacional, por meio da revisão de cláusulas que consideram abusivas”233.

232 GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 107.

233 A Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, em seu artigo 50, dispõe que: “Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia. § 1º O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. § 2º A exigibilidade do valor controvertido poderá ser suspensa mediante depósito do montante correspondente, no tempo e modo contratados.” Ao contrário da decisão do STJ, o

A questão principal em discussão no referido recurso dizia respeito à aplicabilidade ou não da Lei nº 10.931/2004 aos contratos de financiamento imobiliário do Sistema de Financiamento Habitacional, que seriam regidos por legislação específica. Ao enfrentar a questão, o Ministro Relator situou o contexto econômico em que foi editada a Lei nº 10.931/2004, que, ao lado da Emenda Constitucional nº 45/2004, comporia uma importante fase da reforma do Judiciário e colaboraria para o desenvolvimento econômico e social do País. A referida Lei se compatibilizaria com o novo momento do direito processual civil, marcado por “significativas inovações no ordenamento jurídico voltadas à eficiência e à celeridade do processo judicial, que contribuem, de certa maneira, para o fortalecimento das instituições jurídicas, dentre elas, e no caso da lei, do contrato.” 234

Na fundamentação do seu voto, o Ministro Relator se valeu da “doutrina da análise econômica do direito” para afirmar que o direito contratual ofereceria ao mercado Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) havia decidido pela não aplicabilidade deste dispositivo aos contratos do Sistema Financeiro de Habitação, em razão de a mencionada lei não fazer referência expressa aos contratos deste Sistema, que é disciplinado por legislação específica. Com estes argumentos, o TJ-RS afastou a preliminar de inépcia da petição inicial (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.163.283 – RS (2009/0206657-6). Relator: Luis Felipe Salomão, 07 de abril de 2015. Disponível: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 01 dez. 2015).

234 Ao tratar do novo momento do direito processual civil, o Ministro Relator pontuou que já há estudos em torno de um ambicioso projeto de “uniformizar o direito transacional dos diversos sistemas processuais existentes no mundo”. Embora os estudos identifiquem “inúmeros obstáculos à uniformização pensada”, concluem que há alguns “princípios de processo civil que necessariamente devem estar uniformemente presentes em todos os sistemas estatais. Dentre os princípios eleitos, o dever das partes de agirem de forma cooperada, justa e de estimularem procedimentos eficientes e rápidos ocupou posição de destaque.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.163.283 – RS (2009/0206657-6). Relator: Luis Felipe Salomão, 07 de abril de 2015. Disponível: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 01 dez. 2015). O voto faz referência ao projeto de autoria de Geoffrey C. Hazard (Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Pensilvânia) e Michele Taruffo (Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Pavia) intitulado “Transnational Rules of Civil Procedure”. Em apresentação ao referido projeto, Antonio Gidi esclarece que “[a]s Normas Transnacionais são urna proposta a um só tempo mais ampla e mais restrita do que o Código Procesal Civil Modelo para Iberoamérica e o Approximation of judiciary Law in the European Union. Trata-se de urna proposta mais ampla, na medida em que a sua aplicação não está circunscrita a países situados em urna única região e ligados por urna história e cultura comuns. Porém, ao mesmo tempo, trata-se de um empreendimento mais restrito, na medida em que o seu escopo é limitado aos litígios considerados «transnacionais», não abrangendo os litígios domésticos, que continuarão a ser regidos exclusivamente pelo direito processual nacional. Ademais, vislumbra-se que o projeto possa ser utilizado como base para o procedimento a ser adotado em arbitragens transnacionais.” O projeto, segundo Gidi, “busca urna talvez ainda utópica ou ingênua harmonia entre o processo civil dos países de civil law e os países de common law [...]”. Embora os relatores tenham optado por “adotar o regime e a estrutura processual dos países de common law como ponto de partida”, procuraram, sempre que possível, “maximizar os aspectos positivos de cada sistema, minimizando os aspectos negativos” (GIDI, Antonio. Apresentação ao Projeto às Normas Transnacionais de Processo Civil. Derecho PUCP, n. 52, 1999. Disponível em: <http://revistas.pucp.edu.pe/index.php/derechopucp/article/view/6423>. Acesso em: 17 jan. 2016, pp. 593- 604).

“segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais”. O direito dos contratos teria a capacidade de exercer o “papel institucional e social” de “proteger as expectativas dos agentes econômicos”235.

O principal dispositivo da Lei nº 10.931/2004 discutido no voto do Ministro Relator é o artigo 50, que teria “a clara intenção de garantir o cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis tal como pactuados, gerando segurança para os contratantes”. O dispositivo teria o objetivo de garantir que, quando a execução do contrato se tornasse controvertida e fosse necessária a intervenção judicial, a discussão fosse eficiente, permitindo a discussão do ponto conflitante, mas sem impedir a execução de todas as obrigações com as quais as partes concordassem236.

A Lei analisada estaria situada em um contexto de preocupação com o desenvolvimento econômico e com a eficiência e a celeridade dos processos judiciais. Assim, “a partir de uma interpretação teleológica da norma objeto de controvérsia”, o Ministro Relator considerou “viável a incidência, nos contratos de financiamento do

235 Os doutrinadores das áreas do direito e da economia, consoante o Ministro Relator, identificariam na Lei nº 10.931/2004 e na Emenda Constitucional nº 45/2004 “[...] realizações das teorias desenvolvidas pela Análise Econômica do Direito – AED, [...]”, que “[...] tem como pressuposto o aumento do grau de previsibilidade e eficiência das relações intersubjetivas, próprias do Direito, a partir da utilização de postulados econômicos para aplicação e interpretação de princípios e paradigmas jurídicos. [...] a análise econômica do direito permite medir, sob certo aspecto, as externalidades do contrato (impactos econômicos) positivas e negativas, orientando o intérprete para o caminho que gere menos prejuízo à coletividade, ou mais eficiência social. [...] Dessa forma, a análise econômica do direito aposta no efetivo cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis, por exemplo, como pressuposto para o sucesso do sistema como um todo. A satisfação de cada um dos pactos celebrados entre financiadores e financiados, individualmente considerados, é requisito para que o sistema evolua e garanta o beneficiamento de outros tantos sujeitos, de toda coletividade interessada. [...] Nesse ponto, e retomando o raciocínio para o caso concreto, cumpre observar que a Lei n. 10.931/2004, com fundamento no incentivo à economia, se mostrou apta a alcançar esse desiderato. Os institutos nela previstos, e aqui nos interessam as regras processuais dispostas na lei, especificamente as que se encontram no art. 50, apresentam, certamente, potencial para colaboração do desenvolvimento econômico e social almejados. [...] Nessa linha de raciocínio, penso que a Lei n. 10.931/2004, especificamente em seu art. 50, inspirou-se na efetividade, celeridade e boa-fé proclamados. O dispositivo da lei de 2004 expressa entendimento atual de que todo litígio a ser composto, dentre eles os de cunho econômico - tendo em vista a necessidade de solução célere e eficaz -, deve apresentar pedido objetivo e apontar precisa e claramente a espécie e o alcance do abuso contratual que fundamenta a ação de revisão do contrato.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial nº 1.163.283 – RS

(2009/0206657-6). Relator: Luis Felipe Salomão, 07 de abril de 2015. Disponível:

<http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 01 dez. 2015).

236 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial nº 1.163.283 – RS

(2009/0206657-6). Relator: Luis Felipe Salomão, 07 de abril de 2015. Disponível:

Sistema Financeiro de Habitação, das regras processuais encartadas na Lei 10.931/2004, mormente as referentes à ação revisional e os requisitos de procedibilidade”237.

A decisão da Quarta Turma do STJ, capitaneada pelo voto do Ministro Relator, parece confirmar que a interpretação jurídica tem sido mais sensível aos fatos, técnicas, teorias e análises econômicas. Evidentemente, a interface entre direito e economia não é homogênea nos diversos ramos do direito, contudo, não se pode negar que noções típicas do campo econômico, como é o caso da ideia de “eficiência”, estejam na ordem do dia de