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1 – CONFIGURAÇÕES DO CONCEITO DE ADULTO

Fala-se, com frequência, em aprendizagem de adultos sem, no entanto, o significado atribuído ao conceito de adultos se encontrar esclarecido.

São vários os ângulos a partir dos quais podemos empreender a viagem de desocultação ao conceito de “adulto”, e várias as leituras e interpretações atribuídas ao significado da palavra. A complexidade está acompanhada pela indefinição.

Numa primeira aproximação, podemos inscrever o adulto como correspondendo a uma etapa do desenvolvimento humano, apresentando características que são descritas nas perspectivas biológica (pós-puberdade), psicológica (o seu auto-conceito é de adulto) e social (realizar tarefas e papéis próprios de adultos).

Do ponto de vista etimológico, a palavra adulto, vem do latim adultus, que significa “terminou de crescer”, conceito, este, que foi preponderante até ao século XIX. Boutinet (2000) salienta que, actualmente, porque as preocupações sobre a vida adulta adquirem cada vez mais actualidade, e porque há um défice conceptual para a caracterizar, surgem alguns neologismos como adultez, adultescência, andragogia, maturescência, antropolescência, exactamente devido à indeterminação dos limites das categorias etárias e à ambivalência complexa e paradoxal que envolve o conceito de vida adulta.

Nas sociedades modernas ocidentais é considerado adulto, do ponto de vista demográfico, aquele que se encontra entre os 25 e os 65 anos (correspondendo à idade activa), ao passo que, juridicamente, o adulto parece caracterizar-se em termos de estado e de direitos como correspondendo ao que atingiu a maioridade (tendo variado esta entre os 16 anos, para os que contraem matrimónio, e os 18 ou 21 anos, para exercer o direito ao voto). Deste ponto de vista, a entrada na vida adulta é, portanto, flutuante, podendo não corresponder algumas idades fixadas a outras maioridades ou maturidades como, por exemplo: a biológica (sexual), a psicológica (identitária), a social, (inserção) ou a económica (autonomia financeira).

A generalidade dos autores reconhece algumas características fundamentais no adulto (correspondendo a um estádio pós-formal, se considerarmos a tipologia de Piaget) que configuram a sua educabilidade, a qual é irredutível à da criança e à do adolescente. De entre as muitas características destacamos: a capacidade de assumir responsabilidades em assuntos inerentes à vida social, profissional e familiar, tomar decisões em plena consciência e liberdade. A noção de experiência que configura a capacidade de raciocínio e de julgamento com pertinência, a adaptação e a capacidade de antecipação, etc.

Estas características aparecem, com maior ou menor explicitação, em diferentes propostas pedagógicas da formação de adultos. Contudo, não permitem uma definição clara do conceito de adulto, uma vez que não é feita qualquer referência à estruturação destas características.

35 Entretanto, não se deve ignorar algumas teorias que foram contribuindo para alicerçar as nossas representações sobre quem é o adulto e que o inscrevem, por vezes, sob o signo de um estado (“estar na idade adulta”, “pertencer à idade adulta”), outras vezes, sob o signo de um processo (“ser adulto”). De igual modo, os contextos considerados de acordo com diferentes parâmetros (demográficos, sociológicos, biológicos, económicos, psicológicos) condicionarão a sua caracterização. A este respeito Boutinet, apresenta um conjunto de parâmetros afirmando que, “ não podemos ignorar que, segundo os contextos, ser adulto pode apresentar-se sob formas muito variadas, em função nomeadamente de parâmetros determinantes que situam o conceito num corredor interdisciplinar” (Boutinet, 2000, p.14).

A configuração da idade adulta como estado no qual se atingiu o ideal de estabilidade e equilíbrio, de pleno desenvolvimento das capacidades cognitivas e afectivas, defendida por algumas correntes da psicologia é de igual modo acompanhada por outras (nomeadamente no âmbito da psiquiatria) que lhe atribuem características diferentes, mesmo opostas, de declínio, regressão, degenerescência que acontece a partir dos 25 anos.

A estas concepções podemos contrapor outras (provenientes do campo da filosofia e também da psicologia) que percepcionam o adulto não como um estado mas como uma pessoa em desenvolvimento. Podemos referir como exemplo, o contributo de Carl Rogers que acentuou o optimismo construtivista relativamente à idade adulta, apontando para horizontes de abertura face ao contínuo processo de construção do ser humano, concretamente do ser adulto. Estas perspectivas emergiram no pós-guerra, mormente a partir dos anos 60.

A idade adulta foi durante muito tempo concebida como a idade de uma maturidade adquirida, a qual emerge de um quadro tradicional de existência, que se impõe desde meados do século XIX até ao final da Segunda Guerra Mundial, quando ser adulto se traduzia num estatuto.

Nos anos 60 e meados dos anos 70, a sociedade industrial em expansão é vivida individualmente como um desafio permanente pensando-se o adulto como perspectiva e configurando-o como maturidade vocacional jamais adquirida.

Posteriormente, nas décadas de 80 e 90, fruto de uma instabilidade sócio-económica, e até mesmo cultural, a idade adulta é transformada de perspectiva em problema. Ou seja, de acordo com Boutinet, (2000) a vida adulta, a partir da segunda metade do século XX, pode ser caracterizada de diferentes modos:

i) Como uma maturidade vocacional (1945-1960) apresentada como uma referência, e mesmo como um estado desejável;

ii) Como um desenvolvimento vocacional (1960-1975), configurando-a como inacabamento, apresentando-se o adulto sobretudo como perspectiva;

iii) Como caos vocacional (1980- 1995) que se traduz em instabilidade, transformando-se o adulto em problema.

Deste modo, a condição de adulto tem sido considerada de diferentes modos, particularmente no último meio século. O desenvolvimento industrial gerou uma confiança ilimitada no progresso, nas possibilidades temporais e na acção humana que parecem desvanecer-se face às expectativas, aos anseios, aos projectos que os sujeitos – cada vez mais com estatuto de autores e actores – identificam e prevêem.

Os novos contextos comunicacionais, o sentido da acção e do tempo abrem brechas no entusiasmo, na expectativa, na eloquência de um futuro que se projectava e se previa com magnanimidade e excelência e cedem face à desorientação, ao aborrecimento e ao desencanto.

A modernidade configura uma noção ambígua do tempo, hesitando entre a segmentação e a linearidade. Por um lado, configura um tempo linear, cumulativo e orientador, apelando para a capacidade de antecipar e, portanto, de prever, de projectar e de planificar. Contudo, a par deste tempo (cumulativo e orientado), emerge o tempo segmentado, quantificável, tecnicamente dividido, experimentado no quotidiano através do relógio, da agenda, das tarefas, esse tempo racional ávido de eficácia. Este tempo vai a par com o tempo técnico-normativo, um tempo existencial que, colocando-nos perante a adaptação do ciclo de vida dos objectos, é determinada pela moda. É por isso um tempo “feito do presente que continuamente nos escapa pela desvalorização, pela rejeição

36 de um passado sem significado quando identificado com uma acumulação de obsolescências” (Boutinet, 1998, p.136), sendo a moda e a obsolescência quase simultâneas.

Neste aspecto, Boutinet (1998), também coloca a ênfase na memória da experiência e é da opinião que esta é fundamental para orientar o futuro e, ao mesmo tempo, para modelizar a experiência passada. Pois, se o sujeito se encontra no presente desorientado na sua gestão, não é capaz de vislumbrar o futuro e de se comprometer com ele, poderá encontrar uma perda de sentido, uma crise de ideais, e até mesmo, uma desilusão.

A modernidade desenvolveu este tempo que integra, por um lado, a linearidade e por outro, a segmentação; a cultura pós-industrial ou pós-moderna acentua, de algum modo, essas características ao mesmo tempo que encontra novas temporalidades emergentes. Acentua a antecipação, a qual continua a invadir a vida quotidiana dos sujeitos sob a forma de previsão de projectos. Na verdade, no contexto actual, a condição de adulto encontra um cenário complexo. Experimenta uma frequente necessidade de fazer opções e tem de se confrontar com situações extremas (umas vezes escolhidas, outras impostas). A condição de adulto encontra-se assim, face a metamorfoses significativas tanto a nível do ciclo de vida e da definição da idade adulta como a nível cognitivo, necessitando de reorientar aprendizagens anteriores e de vivenciar um sentimento identitário instável (tanto pela auto-identidade quanto pela identidade atribuída, experimentando frequentes perdas identitárias). Efectivamente, o adulto encontra-se actualmente face a uma pluralidade de opções, mesmo de trajectórias, com uma cedência rítmica não previsível, por vezes desorganizada. A sequencialidade e linearidade dos ciclos de vida, acompanhados dos rituais de passagem sucumbiram face à segmentação temporal e espacial. Os espaços profissionais, familiares, associativos e de lazer encontram-se frequentemente interpenetrados uns pelos outros e os tempos previstos para o casamento, para o início da vida activa e para a reforma encontram-se desabitados podendo, em qualquer idade, virem a ser ocupados.

Perante este cenário, o adulto terá de conviver com transições frequentes, passagens existenciais caracterizadas por rupturas ou, pelo menos, por mudanças. Como refere Boutinet, (2000), a idade adulta não se estrutura mais como a idade da referência e da norma, deixou de ser aproblemática. É uma idade de inacabamento, autonomia, liberdade, incerteza, risco e individualização. A condição de adulto gerado pela modernidade apresenta-se assim, num cenário plural e dinâmico, gerador de angústias e de perplexidades mas, ao mesmo tempo, de múltiplas opções, desafios e projectos.

É perante este panorama que Avanzini propõe o conceito de antropolescência definindo-o como “uma dinâmica que consiste para cada um, não enraizar-se no imobilismo de um estatuto, não cessando de renovar a sua forma de ser homem, conquistando o domínio cada vez maior de um potencial pessoal que vai descobrindo” (Avanzini, 1996, p. 65). Ou seja, perspectiva o adulto no contexto de uma antropologia do inacabamento, característica do estado permanente da espécie.

Entretanto, o adulto inacabado da pós-modernidade coexiste com o adulto padrão da modernidade e estabelece-se um paradoxo particular entre a representação tradicional e a representação moderna (positivista ou pessimista) do que é ser adulto. Os valores pós-modernos caracterizam uma sociedade em que se questionam as evidências, onde os adultos pensam a sua existência num cenário de dilemas, de oposições e de dialéctica, onde a pessoa e as instituições têm de se reinventar constantemente.

É verdade que o novo adulto tem de lidar com as premissas de duas diferentes épocas sociais, a modernidade e uma nova modernidade avançada (ou pós-modernidade), contudo, essa complexidade não deve ser entendida apenas de acordo com a perspectiva de crise, o importante é entendê-la na diversidade e heterogeneidade de modelos de adultez que deve ser inventariada, analisada e interpretada.

Em suma, podemos dizer que existem duas lógicas que resumem as diversas perspectivas sobre o que é “ser adulto”. Uma considera o adulto um sujeito equilibrado, estável, mesmo rotineiro e instalado e outra reconhece o adulto como sujeito que se perspectiva em desenvolvimento numa atitude de experimentação, de progressão, de formulação de desejos e concretização de projectos ou como adulto problema que tem de lidar com o imprevisto, o risco, a exclusão e a inexistência de quadros de referência.

37 Estas duas lógicas que se opõem e conferem ao adulto uma definição paradoxal também se podem unir produzindo um efeito desmultiplicador numa espécie de desestabilização e, simultaneamente de potencialização da vida adulta, estando o desafio na capacidade do adulto ser reflexivo, de fazer balanços e “agarrar” as oportunidades quando elas surgem ou desistir de projectos condenados ao insucesso (Boutinet, 2000; Giddens, 2000; e Silva, 2003).