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3 – O SIGNIFICADO DA EXPERIÊNCIA NA APRENDIZAGEM DOS ADULTOS

O desenvolvimento da investigação e da reflexão sobre as práticas de formação e aprendizagem dos adultos contribuiu para que a questão da revalorização epistemológica da experiência tenha vindo a assumir, durante as últimas décadas, um lugar central na problemática da aprendizagem dos adultos. Embora, como salienta Canário (2003), a centralidade desta questão esteja longe de se circunscrever ao mundo da aprendizagem dos adultos, pois atravessa todos os níveis dos sistemas de ensino e de formação.

Vários estudos realizados sobre a aprendizagem adultos têm sublinhado que as experiências vividas são um suporte importante da sua aprendizagem. A conceptualização sobre a aprendizagem elaborada por Mezirow, os trabalhos desenvolvidos por Kolb e Josso são referências importantes que relevam a importância da prática e da experiência na formação e aprendizagem colocando-nos, igualmente, a questão de quais os conhecimentos e formas de experiência mais valiosas.

Na verdade, uma das interrogações que assume especial importância quando nos situamos no âmbito da aprendizagem de adultos é exactamente a questão de saber quais os “conhecimentos e formas de experiência mais valiosas?”. Esta interrogação é especialmente pertinente, pois leva-nos a considerar a importância não só do saber teórico, mas também do saber prático e da experiência.

Esta interrogação foi formulada por Spencer, ainda no século XIX, e foi retomada ao longo dos tempos por vários autores, nomeadamente por Beyer e Liston.

Esta interpelação elaborada por Beyer e Liston (1996) coloca-nos, quer no domínio da investigação, quer no domínio da prática educativa, face a questões do domínio epistemológico, axiológico e metodológico que devemos tomar em consideração.

No domínio epistemológico, emerge o estatuto do conhecimento. Este remete-nos para os paradigmas dominantes da investigação e para a sua consequente produção. Nas últimas décadas, a produção do conhecimento tem vindo a adquirir novos contornos, nomeadamente com a crise do paradigma positivista. Neste paradigma, o conhecimento objectivo é identificado por um processo de investigação onde o investigador de forma distanciada comanda o processo, de modo a garantir a pretensa neutralidade e consequente objectividade.

Neste paradigma, as condições para a obtenção do conhecimento centram-se essencialmente na eliminação dos riscos e compromissos de valor e, por isso, da subjectividade de qualquer tipo. O que significa que o conhecimento se distingue da simples crença ou opinião. O principal objectivo que orienta a investigação, neste paradigma, é elaborar uma teoria universal que proporcione uma explicação generalizada do mundo, por um processo dedutivo-nomotético, ou seja, através de uma esquematização causal que explica acontecimentos e fenómenos. Tal processo permite não só explicar retrospectivamente os acontecimentos e fenómenos, como também predizê-los prospectivamente, o que abre a capacidade de controlar o futuro permitindo uma intervenção eficaz no mundo. No entanto, como nos diz Santos (1988) esta é uma concepção instrumentalista do conhecimento e da relação entre teoria e a prática.

A perspectiva de uma construção evolutiva, cumulativa e linear do conhecimento teórico, subjacente a este paradigma dominante na investigação das ciências naturais até aos anos 70, foi também permeável à investigação das ciências sociais, preocupadas com o cumprimento dos critérios de cientificidade e consequente reconhecimento no interior da comunidade científica em geral.

Contudo, reconhecemos como Santos (1988), que a crise anunciada do paradigma da ciência moderna, extravasam o interior da comunidade científica e também social, anunciando as condições de um paradigma emergente.

Este novo paradigma pressupõe a consideração de uma realidade complexa, globalmente localizada, na qual o sujeito conquista um estatuto de vigor para a sua compreensão.

Tal como afirma Santos: “o sujeito, que a ciência moderna lançara na diáspora do conhecimento irracional, regressa investido da tarefa de fazer erguer sobre si uma nova ordem

41 científica” (Santos, 1988, p.43), promovendo a situação intercomunicativa, que dotam a ciência pós-moderna de uma lógica existencial radicalmente diferente da lógica da ciência moderna.

Estes pressupostos inerentes à nova racionalidade científica exprimem condições, não só sociais e práticas, mas também teóricas, que reconfiguram o estatuto epistemológico do conhecimento com particular incidência nos aspectos axiológicos e metodológicos da sua produção e que se traduzem na emergência de um paradigma prudente, no qual a ciência é mais contemplativa do que activa.

Neste contexto, o conhecimento e os critérios de cientificidade já não se definem exclusivamente por uma racionalidade cognitiva, ou seja, pela conformidade exclusiva a modelos pré-estabelecidos, ou por uma racionalidade instrumental à qual estão subjacentes critérios de eficiência técnica, mas tende a integrar uma racionalidade comunicacional, estruturando-se em torno de acordos intersubjectivos, que já não são apenas internos à comunidade científica, mas se estruturam no diálogo conflitual entre ciência, técnica e acção social.

Esta dimensão intercomunicativa apela à compreensão intersubjectiva e, consequentemente, à interpretação hermenêutica e neste sentido, é importante a integração dos saberes experienciais nos processos de aprendizagem (Correia, 1992).

Deste modo, podemos dizer que a valorização das experiências no contexto da aprendizagem dos adultos apela a uma interacção entre saberes teóricos, saberes processuais e saberes práticos, estruturados por um ciclo recursivo entre uma via simbólica e uma via material de aprendizagem; a experiência de quem aprende constitui-se num ponto de partida e de chegada dos processos de aprendizagem (Malglaive, 1995).

A experiência é, igualmente, estruturante do desenvolvimento do adulto na sua globalidade quando é pensada num contexto de uma reflexividade crítica geradora de uma consciência contextualizada. Esta formação crítica dos adultos valoriza o saber hermenêutico, alicerçado numa prática e numa teoria da interpretação e da compreensão, saber que é, fundamentalmente, resultado de uma reflexão pessoal e de uma consciência crítica.

Por outro lado, a auto-reflexividade deverá permitir aos aprendentes adultos, não só o reconhecimento dos saberes e saberes fazer acumulados ao longo de trajectórias de vida, mas também a reelaboração da sua identidade, deverá igualmente permitir-lhes reconhecerem-se, por um lado, como um mundo com o qual podem manter uma relação reflexiva.

Considerarmos a importância da experiência nos processos de aprendizagem implica, de acordo com Canário (2003), que esta seja encarada como um processo interno do sujeito e que corresponda, ao longo da sua vida, ao processo da sua auto-construção como pessoa.

O sujeito adquire, assim, uma centralidade no processo de aprendizagem, cabendo-lhe, por um lado, a atribuição de sentido a uma realidade complexa, atribuição à qual não é alheia a sua história cognitiva, afectiva e social e, por outro lado, a sua mobilização para autoproduzir a sua vida, utilizando-se a si próprio como recurso no processo de formação e aprendizagem.

A importância atribuída hoje, no campo das teorias da formação, à experiência articula-a, igualmente, com a reflexão que os sujeitos elaboram sobre si próprios e a sua acção no mundo. A reflexão na acção e sobre a acção, a que Schön (1996) faz referência nos seus trabalhos sobre formação de adultos, apela a uma articulação dialéctica entre saberes adquiridos na acção e saberes teóricos e provoca uma ruptura com uma epistemologia que reduz a prática a mera aplicação dos conhecimentos teóricos formalizados. A este respeito, Canário (2003) diz-nos que a importância que é conferida aos saberes adquiridos por via experiencial, e ao seu papel de “âncora” na produção de novos saberes, procura articular uma lógica de continuidade (sem referência à experiência anterior não há aprendizagem), com uma lógica de ruptura (a experiência só é formadora se passar pelo crivo da reflexão crítica).

As virtualidades formadoras das experiências na aprendizagem dos adultos, decorrem não só do seu potencial de saberes mas das suas potencialidades na construção activa de novos conhecimentos emergentes a partir da reflexão crítica, consubstanciando a desestruturação- reestruturação dos novos saberes (Silva, 2003).

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