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Etapa III: A Análise clínica da mobilização do coletivo de trabalho é a articulação entre as duas etapas.

6. A mobilização subjetiva e a clínica do trabalho

6.2. Conflito de papéis

O grupo apresenta conflito de papéis entre ser o amigo e ser o profissional; entre ser o agente de trânsito e ser o piloto e entre ser o chefe e ser o comandante.

Os servidores acumulam as funções de agente de trânsito e de piloto porque monitoram e fiscalizam o trânsito pelo helicóptero. Mas não fazem mais fiscalização com a viatura como faziam antes. “A diferença é que a viatura voa.” “São agentes de trânsito e estão pilotos”. Mesmo com o uniforme de aviação abordam se for necessário. Não se dedicam só a aviação. Porém, quando estão com o uniforme de aviação e com a viatura do órgão, ficam em conflito se abordam ou não os motoristas, como agentes de trânsito. “A população entende o agente de trânsito uniformizado como agente de trânsito. Ela não conhece agente de trânsito piloto. Ela não conhece agente de trânsito mecânico, agente de trânsito tripulante. Esse é o conflito que a gente vive”.

Para se deslocarem para o aeroporto, preferem usar o próprio carro no lugar da viatura do órgão, já que com o carro do DETRAN seriam obrigados a atuar como agentes de trânsito. Dessa forma, evitam ter que interromper o planejamento do voo ou se aborrecerem com alguma situação estressante durante o percurso. Na rua, o agente pode ter que lidar com um acidente e ficar nervoso. “Você está vendo aquilo ali, a pessoa está ali, machucou, podia ter causado... podia ser sua família, um turbilhão de coisas que passa pela sua cabeça”. Depois disso, o piloto não teria condições de voar, pois pode se esquecer de olhar o combustível, o vento e outros detalhes. “Então, é essa coisa sutil, entre estar fazendo um trabalho de rua, por terra, e estar fazendo esse trabalho de rua pelo ar. Por isso que isso precisa ser bem dividido, por conta da demanda que é demais... que é mais exigida lá em cima do que por terra”.

A dupla função de agente de trânsito e de piloto gera sobrecarga de trabalho. Para ser agente de trânsito deve-se dominar a legislação de trânsito e para ser piloto, a formação é outra. Quando a aeronave estava em manutenção eram escalados para trabalhar na rua, como agentes de trânsito. Era uma falha porque quem está na atividade aeronáutica não pode acumular outra atividade porque é perigoso. “Quem está na atividade aeronáutica, tem que ficar ali. Não pode ficar, ah, é piloto, daqui a pouco é agente de trânsito, isso não cabe. Isso não é seguro”. Eram cobrados e ficavam sobrecarregados. Lutaram para não ficar com as duas atividades. Devido a essa incompatibilidade das funções, atualmente os membros do grupo não são mais escalados para atuar como agentes de trânsito na rua. Não dá para acumular as duas funções porque para voar há a necessidade de se focar nos procedimentos e objetivos do voo. Se o motor falhar, por exemplo, deve-se ter consciência de onde se pode pousar. O piloto deve ter controle sobre o que ocorre dentro e fora do avião.

Outro conflito do grupo ocorre em relação ao modo de se tratar o colega de trabalho, ou seja, deve-se tratá-lo como amigo ou como profissional? Isso é questionado

porque o grupo foi formado por pessoas que se conheciam e eram amigas. Esses laços de amizade e as dificuldades em manter o grupo aumentaram a união do grupo. O grupo existe porque todos correram muito atrás e deram a sua contribuição. Mas na atividade aérea é importante agir de uma forma mais profissional para não haver mistura de interesses. “Quando a gente tem muita intimidade... que a gente convive muito... que a família convive junto, que a gente sabe o que está acontecendo com o filho do outro, com a esposa e tudo. Quando se traz para o lado profissional, se a coisa não estiver muito bem conversada, pode ter problemas”.

Pela história do grupo ter sido tão complicada, o grupo sempre se manteve unido e com objetivo. Mas, às vezes, as pessoas não conseguem separar o amigo do profissional. Ser amigo é “uma coisa boa, mas às vezes é nocivo para o grupo”. A intimidade pode atrapalhar principalmente quando o chefe não sabe dizer não e a pessoa se aproveita disso. “... a gente acaba fazendo a parte do outro porque a gente não soube dizer não... por causa da relação de amizade”. A pessoa acha que, por ser amigo, o chefe tem que aceitar tudo. Mas “a pessoa, às vezes, tem que saber que ela não tinha nem que está pedindo aquilo”.

Além de saber diferenciar o momento de ser amigo e de ser profissional, o piloto precisa saber lidar com a autoridade do chefe e do comandante. De acordo com as normas da aviação, cada voo tem seu comandante, que se torna o líder da equipe na missão de voo. Situação que promove várias lideranças dentro de um grupo. Portanto, além do chefe administrativo, surgem os chefes operacionais (comandantes). Esse deslocamento de liderança muda constantemente o papel de quem manda e de quem obedece e pode gerar conflitos se o grupo não tiver maturidade para lidar com isso. Podem ocorrer situações, dependendo do grupamento, em que a pessoa não queira voar com determinado comandante e pedir para sair da escala ou até mesmo arrumar uma desculpa, por não querer se submeter a ordens de outra pessoa com função inferior a dela.

Segundo o sistema de hierarquia na aviação, o comandante é responsável por tudo que acontece no voo e pela segurança de todos. Ser responsável pela vida dos outros faz com que ele não possa tomar nenhuma decisão errada. Mesmo que haja um trabalho em equipe, a decisão final é dele e isso pode gerar ansiedade. “A carga que eles levam no voo é maior”. Por isso, ele deve ser a pessoa que tem mais experiência. “o comandante tem maiores responsabilidades, até porque, em caso de algum incidente ou acidente, ele é que vai responder pelas decisões tomadas, de um local de pouso, de uma emergência que você vai ter que safar e vai ter que pousar”.

Quanto à necessidade de tomar decisões, o grupo procura respeitar as decisões tomadas pelos que estiverem no comando. “Com os anos de experiência que você vai tendo, vendo outras pessoas acertando e errando, você vai aprendendo a julgar pra tomar decisão, quando necessário”. “Essas decisões são minimizadas procurando seguir o que o manual fala pra seguir...”.

Saber respeitar as funções que as pessoas desempenham contribui para melhorar as relações socioprofissionais. Além de a tripulação ser capaz de trabalhar em equipe, deve saber conviver com as pessoas que direta ou indiretamente podem influenciar a pilotagem.