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2 1 A organização do trabalho prescrito e real

2.4. Estratégias coletivas de defesa

As estratégias de defesa são construídas para mediação, enfrentamento e negação do sofrimento e permitem compreender o processo de subjetivação evidenciado nos comportamentos individuais e coletivos no ambiente de trabalho (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994). Mas, apesar das estratégias defensivas terem o papel de atenuar o sofrimento, elas não proporcionam a cura e servem como freio à reapropriação, à emancipação e à mudança (Dejours, 2004a).

O trabalho pode gerar medos e ansiedades diversas, relacionadas tanto ao ambiente físico (riscos de acidentes e danos à saúde), como ao ritmo de trabalho e às relações humanas, o que exige o desenvolvimento de estratégias defensivas na tentativa de preservar a saúde mental e garantir a produtividade. Mas segundo Dejours (1999,

1999a), trata-se de uma operação mental, que não modifica a realidade dessa pressão. As estratégias de defesas coletivas são específicas para cada grupo de trabalhadores.

Para Dejours, Abdoucheli e Jayet, (1994, p. 178),

as estratégias de defesas funcionam como regras. Supõem um consenso ou um acordo compartilhado. A regra é de fato possuída pelos indivíduos coletivamente e cessa de funcionar a partir do momento em que os sujeitos não desejam mais fazê-la funcionar de comum acordo. A diferença fundamental entre um mecanismo de defesa individual e uma estratégia coletiva de defesa é que o mecanismo de defesa está interiorizado (no sentido psicanalítico do termo), ou seja, ele persiste mesmo sem a presença física de outros, enquanto a estratégia coletiva de defesa não se sustenta a não ser por um consenso, dependendo assim de condições externas. As contribuições individuais a estas estratégias são coordenadas e unificadas pelas regras defensivas.

Segundo Dejours (1999, 2004e), as estratégias de defesas não se limitam apenas ao ambiente de trabalho, mas vão invadir o espaço privado também, uma vez que não há independência entre vida no trabalho e vida fora do trabalho. Isso ocorre porque as estratégias de defesas transformam o funcionamento psíquico, que não muda de um lugar para o outro. Dessa forma, não se deixa o funcionamento psíquico como se deixa a roupa no vestiário, podendo haver consequências sobre o funcionamento dos cônjuges e dos filhos.

As estratégias de defesas, em um primeiro momento, podem ser benéficas ao trabalhador, mas o uso contínuo delas pode prejudicá-lo. As defesas coletivas da profissão estabilizam a relação dos homens frente ao perigo e têm o efeito de proteção e de adaptação. As defesas surgem quando o sofrimento não é ressignificado, ou seja, o trabalhador não consegue encontrar saídas para ele por meios de seus recursos subjetivos. Elas podem, ainda, perder seus efeitos e se transformarem em patologias sócias, como sobrecarga, servidão voluntária e violência (Mendes, 2007b).

As defesas levam à modificação, à transformação, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrerem. Podem conferir ao sujeito uma estabilidade que ele seria incapaz de garantir com a ajuda de apenas suas defesas (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994). As defesas podem ser objeto de cooperação, pois contribuem de maneira decisiva para a coesão do coletivo de trabalho e se forem

eficazes, conseguirão dissimular, com maior ou menor êxito, o sofrimento em questão da própria consciência dos trabalhadores (Dejours, 1999a, 2004d).

As estratégias defensivas podem também funcionar como uma armadilha que insensibiliza contra aquilo que faz sofrer e impedir que a pessoa analise satisfatoriamente as relações que mantém com o próprio trabalho. Funcionam como uma “anestesia” que permite ignorar o sofrimento e negar as suas causas. Podem mascarar o sofrimento e perturbar a ação ou a luta contra as pressões patogênicas da organização do trabalho. As estratégias de defesa podem se enfraquecer e se transformar em uma ideologia defensiva, permitindo ser tolerável o sofrimento. (Dejours, 1999, 1999a, 2008a; Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994).

Para Dejours, (2008a, p.91),

(...) as estratégias de defesa têm em comum a propriedade de prejudicar a simbolização do “trabalhar” efetivo, pois a denegação do sofrimento leva a um embotamento intencional, mesmo que inconsciente, da atividade de pensar e, portanto, da capacidade de simbolização. A negação da percepção da realidade traz consigo um enfraquecimento da capacidade de pensar.

Mendes (2007b) também enumerou pontos negativos em relação às estratégias de defesa, como o processo de negação da realidade que pode levar o trabalhador a bloquear a capacidade de pensar sobre o seu trabalho, de agir e de lutar contra os efeitos do sofrimento. Além disso, as defesas podem promover a banalização das injustiças no ambiente de trabalho e a aceitação, por parte dos trabalhadores, de práticas contrárias a valores éticos.

Para Martins (2010), as estratégias coletivas de defesa funcionam como uma armadilha psicológica, incrementando a aceitação e a tolerância do sofrimento no ambiente profissional, reforçando o consentimento e a alienação. Para a autora,

(...) as defesas de ordem coletiva não podem ser assimiladas ao que é conhecido como instrumento de defesa individual. As defesas coletivas de proteção apresentam a tendência, pela via da sublimação, de manter uma relação de continuidade com o desejo. Já as defesas adaptativas mostram tendência a coartação à expressão do desejo, organizando a sua repressão (Martins, 2010, p. 102).

Dentre as estratégias coletivas de defesa, Heloani e Lancman (2004) destacam as desenvolvidas em situações de periculosidade, como a banalização do risco, exaltação e

negação do perigo e a virilidade. Segundo os autores, essas defesas psíquicas explicam, em parte, porque os trabalhadores submetidos a condições de trabalho altamente perigosas, apesar da consciência dos riscos, não usam ou negligenciam medidas de proteção. Como exemplos de estratégias de defesa individuais, os autores citam as que são desenvolvidas pelos trabalhadores submetidos a situações de trabalho repetitivas e fragmentadas, como a aceleração da produção, a hiperatividade, a limitação da capacidade de pensar e fantasiar e os pensamentos recorrentes no que concerne à própria tarefa.

As estratégias coletivas de defesas são modos de proteção contra as pressões, o sofrimento e seus efeitos e mantém a identidade profissional. São necessárias para a continuação do trabalho e controlam o sofrimento impedindo que a pessoa adoeça. Porém, elas só são construídas quando o trabalho não permite outras formas de se lidar com o sofrimento, como o investimento pulsional, em especial, a sublimação, e a ressonância simbólica.