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2 1 A organização do trabalho prescrito e real

2.5. Investimento pulsional, sublimação e ressonância simbólica

As condições de trabalho afetam o corpo, já a organização do trabalho age sobre o aparelho psíquico e o desejo do sujeito. O desejo e a satisfação fazem parte integrante do trabalho. Quando o desejo não encontra mais seu lugar no amor, o sujeito busca outra saída para não adoecer (Dejours, Abdoucheli &Jayet, 1994). As formas de investimento da energia pulsional no trabalho podem ocorrer por meio da sublimação, da inteligência prática e da ressonância simbólica. Ainda segundo os autores, se houver repressão dessa energia pulsional, por causa do trabalho, que impeça a descarga adequada dela, o adoecimento pode acontecer.

A sublimação permite a substituição do que não foi realizado na escala amorosa, por meio de um deslocamento para uma atividade valorizada socialmente, segundo a psicanálise; mas que para Dejours (2004e), seria o julgamento do outro sobre aquilo que estamos fazendo que daria esse valor social.

O caráter socialmente útil ou socialmente valorizado não tem nada de espontâneo ou natural. Passa por um julgamento que não é formulado a priori e que deve ser reconquistado a cada novo procedimento, por cada indivíduo, sublimando (p. 186).

É por meio do reconhecimento que se desenvolve o processo de mudança do objeto da pulsão, dentro da teoria da psicodinâmica do trabalho.

Sublimar envolve mobilizar a nossa subjetividade para engajar-nos na ação para o reconhecimento social de nosso trabalho por nossos pares e pela sociedade. A apreciação de outra pessoa traz reconhecimento à produção e à criatividade do indivíduo e lhe confere identidade e reconhecimento social como recompensa pela sublimação de uma parte da pulsão, trazendo junto a possibilidade de saúde mental (Dejours, 2004e, 2004i).

Dejours (2007) considera importante que a organização do trabalho ofereça uma saída apropriada para a energia pulsional. A partir das relações que se estabelecem entre o trabalho e a subjetividade do sujeito, o trabalho pode representar fonte de satisfação sublimatória. Ou seja, quando o trabalhador pode modificar a organização de suas atividades de acordo com seus desejos e suas necessidades, e de ser responsável pelo conteúdo, ritmo de trabalho e modo operatório dele. Já o sofrimento começa quando a organização do trabalho não permite que o trabalho seja fonte de investimento de energia pulsional, a qual se acumula no aparelho psíquico, ocasionando sentimento de desprazer e tensão.

A sublimação é caracterizada por três elementos: ela se dá no campo social e notadamente no trabalho; ela é sempre associada às aspirações narcisistas; ela é animada pela parte perversa da sexualidade, ou seja, pulsões ditas parciais que não são submetidas à autoridade e ao primado do genital (Dejours, Abdoucheli &Jayet, 1994). A sublimação pode ficar apenas no nível da engenhosidade ou estabelecer relações mais complexas com o trabalho, mantendo a presença do ideal e de valores, com o narcisismo e o amor de si (Dejours, 2011). Além de ser operacionalizada em inteligência prática, a sublimação também gera criatividade.

Como acentua Dejours (1999), o teatro das atividades socializadas, no qual se inclui a construção da identidade e da autorrealização pelo trabalho, diferentemente do amor, é deserotizado e dessexualizado. Para Dejours (2004e, p. 185), “a sublimação é um processo notável, que permite transformar sofrimento em prazer, a partir de algumas modalidades e pela interferência de mediações que opõem claramente o sofrimento ao masoquismo”. Masoquismo aqui é utilizado pelo autor com o sentido de sentir prazer em dar conta de suportar o sofrimento. O trabalhador, no entanto, quer transformar o sofrimento em prazer.

A sublimação é uma defesa psíquica que adequa novas possibilidades para a dialética desejo/sofrimento. O sofrimento criativo não é sinônimo de prazer, mas pressupõe investimento sublimatório, no qual o prazer sexual será substituído pelo

prazer no trabalho. Os recursos psicológicos da atividade deôntica são alimentados pelo investimento pulsional mobilizado pela inteligência prática (Dejours, 2004a, 2004d).

Gernet (2010) destaca que do ponto de vista da psicodinâmica do trabalho, a dinâmica da sublimação depende dos recursos individuais, mas também de condições intersubjetivas. Essa ideia é corroborada por Martins (2010), ao ressaltar que o sujeito luta por um lado contra a tirania do impulso, que exige satisfação (corpo), e por outro contra os determinismos sociais e os papéis que lhe são atribuídos. Essa percepção de impotência para ajustar necessidades pessoais às demandas do trabalho, bem como a percepção de incompetência para atender à demanda em sua totalidade é uma fonte de sofrimento psíquico no trabalho.

Nas relações de trabalho, porém, é possível o encontro entre a história singular do sujeito e o mundo do trabalho. É possível a compatibilidade entre o trabalho e o que se deseja obter, que na psicodinâmica do trabalho se conceitua como ressonância simbólica. Segundo, Dejours, Abdoucheli e Jayet, (1994), a ressonância simbólica articula o teatro privado da história singular do sujeito ao teatro atual e público do trabalho. A transposição de um teatro para o outro ocorre com ambiguidades e equívocos. A ressonância simbólica permite beneficiar o trabalho da força extraordinária que confere a mobilização dos processos psíquicos provenientes do inconsciente e que se atualizam como inteligência astuciosa. A ressonância simbólica é, de alguma maneira, uma condição da reconciliação entre o inconsciente e os objetivos da produção. Para Dejours (2004h, p 293),

quando a ressonância simbólica existe entre teatro do trabalho e teatro do sofrimento psíquico, o sujeito enfrenta a situação concreta sem necessidade de deixar sua história, seu passado e sua memória no vestiário (...). Por meio do trabalho, o sujeito engaja- se nas relações sociais nas quais enxergará as questões herdadas de seu passado e sua história afetiva.

De acordo com Dejours (2004h, p. 290), é no contexto clínico que se pode captar a amplitude das implicações do passado do sujeito em sua conduta presente.

Os obstáculos que se interpõem ao desenvolvimento psicoafetivo da criança ocuparão, mais tarde, um lugar central nas relações psíquicas do adulto no ambiente de trabalho (...). A criança de outrora continuará ocupando certas posições no espaço psíquico do adulto vindouro.

A ressonância simbólica entre a atividade e a história pessoal gera realização no trabalho e dá sentido ao trabalho. Também contribui para que o trabalhador queira compartilhar suas experiências com os outros e desenvolver sua criatividade para modificar seu ambiente de trabalho, ou seja, possibilita que ocorra a mobilização subjetiva.

2.6. As estratégias de mobilização subjetiva: inteligência prática,