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Christophe Dejours trouxe importantes contribuições para a compreensão das relações entre saúde e trabalho com seus estudos sobre a psicodinâmica do trabalho. Inicialmente estudou a análise clínica e teórica da patologia mental relacionada ao trabalho, mas em 1992, propôs a denominação “Psicodinâmica do Trabalho” aos estudos da psicopatologia do trabalho, mudando o foco de suas pesquisas, que deixou de ser a doença para ser a saúde e a normalidade.

Dejours (1992, 1999a, 2007, 2004a) e Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) constataram que os trabalhadores não se mostravam passivos frente às exigências e pressões organizacionais e por isso não adoeciam. Eles sofriam, mas sua liberdade se exercia, mesmo que de forma muito limitada, na construção de sistemas defensivos, individuais e coletivos. Desse modo, era a normalidade que se mostrava como o grande mistério a ser desvendado.

A normalidade é entendida como as condições de luta contra a doença e surge como o resultado de uma dinâmica entre o sofrimento e as defesas, que são elaboradas para resistir ao que, no trabalho, é desestabilizador para as funções psíquicas e para a saúde mental. Portanto, a normalidade dos comportamentos não envolve a ausência de sofrimento e deve ser sempre reconstruída. O estado normal é o estado em que as doenças estão estabilizadas e os sofrimentos compensados, que é diferente do estado ideal. A normalidade é difícil de ser conquistada e nunca totalmente alcançada (Dejours, 1999, 1999a, 2004e, Dejours 2004f).

Ao se propor a normalidade como objeto, a psicodinâmica do trabalho ampliou seu campo de estudo sobre o trabalho. Passou a observar as estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores para afastar a doença mental e lutar contra os constrangimentos patogênicos do trabalho (Dejours, 2004a, 2004f).

A psicodinâmica do trabalho considera o trabalho como eixo central de estruturação do sujeito e prioriza, em sua análise, a organização do trabalho para compreender como são produzidos os processos de subjetivação e de saúde e as

patologias. A centralidade do trabalho se refere à capacidade do sujeito de manter a saúde por intermédio do trabalho, ou seja, pela reapropriação do poder de transformar a organização do trabalho e reconquistar as condições favoráveis a construção da saúde (Dejours, 2007).

Desde o início dos anos de 1980, Dejours estudou as relações entre a organização do trabalho e a saúde mental. A organização é favorável à saúde quando dá oportunidade ao trabalhador de concretizar suas aspirações, suas ideias, sua imaginação e seu desejo. Além disso, é favorável quando o trabalho é livremente escolhido e quando a organização é suficientemente flexível para que o trabalhador possa organizá- lo e adaptá-lo a seus desejos, às necessidades de seu corpo e a sua subjetividade (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993).

De forma contrária, a organização do trabalho pode ser perigosa para o trabalhador quando não há negociação entre os interesses do sujeito e a realidade da organização do trabalho. A organização também prejudica o trabalhador quando não permite a subversão do trabalho prescrito, ou seja, não permite a criatividade, a inventividade e a inteligência prática; quando não considera a subjetividade do trabalhador; quando não permite situações sublimatórias; dificulta a ressonância simbólica e o processo de reconhecimento e quando há precarização da organização do trabalho (Dejours, 1992, 2007). As pesquisas em psicodinâmica do trabalho se baseiam na análise do conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico.

Dejours, Abdoucheli, Jayet (1994) utilizam a expressão funcionamento psíquico, tendo como base

um modelo de homem que faz de cada indivíduo um sujeito sem outro igual, portador de desejos e projetos enraizados em sua história singular que, de acordo com aquilo que caracteriza a organização de sua personalidade, reage à realidade de maneira estritamente original (p. 126). A teoria do sujeito da psicanálise serviu de base para se compreender esse funcionamento psíquico.

Já a organização do trabalho é conceituada por Dejours (1992, 1999, 2007) como a divisão do trabalho, o conteúdo das tarefas e as relações de poder que envolvem o sistema hierárquico, as modalidades de comando e as questões de responsabilidade. Em outras palavras, é o resultado de uma negociação que envolve o conteúdo das tarefas e as relações humanas de trabalho. Sendo que a relação com o trabalho não é

estritamente técnica, cognitiva ou física, ela é, antes de tudo, uma relação intersubjetiva e uma relação social. Para Dejours (1997, p.95),

o trabalho supõe uma ação coordenada de pessoas que se compreendem, se opõem, lutam entre si ou concordam, sobre a base de princípios que não decorrem apenas da técnica, mas também da ética, dos valores e das crenças.

Dejours (2004, 2012a) acrescenta ainda que trabalhar é o que o sujeito deve dar de si mesmo para fazer frente ao que não funciona quando ele segue escrupulosamente a execução das prescrições.

A psicodinâmica do trabalho tem por objetivo o estudo das relações entre condutas, comportamentos, experiências de sofrimentos e de prazeres vividos, por um lado, e a organização do trabalho e as relações sociais de trabalho, por outro. Portanto, a dinâmica dessa teoria se manifesta nas mudanças que ocorrem entre a organização do trabalho e a mobilização subjetiva (Dejours, 2004g).

Para Dejours, Dessors e Desriaux (1993), Dejours (1999) e Dejours (2004d), não há neutralidade do trabalho, ele é a favor da saúde ou, pelo contrário, contribui para sua desestabilização e empurra o sujeito para a descompensação. Na relação do sujeito com o trabalho, este pode contribuir para construir a identidade e a saúde e ser um fator de equilíbrio e desenvolvimento ou contribui para destruir a identidade e criar a doença e ser um fator de deterioração e envelhecimento. Pode ser estruturante, pois o indivíduo que trabalha preserva melhor sua saúde do que aquele que não trabalha. Mas o trabalho também pode ser fonte de sofrimento patogênico, pois algumas formas de organização do trabalho têm a capacidade de fragilizar a maioria dos indivíduos, favorecendo às descompensações.

Devido à vulnerabilidade psicológica, todos os indivíduos possuem falhas na esfera identitária que podem eclodir em um momento de descompensação. Rearranjos psíquicos profundos são necessários para enfrentar as vicissitudes da vida profissional do adulto que trabalha. Também não há qualquer independência possível entre o ajuste psicológico de um indivíduo aos constrangimentos de seu trabalho e a evolução da vida e dos conflitos na esfera privada (Dejours, 1999 e Dejours & Bégue, 2010).

Quanto à construção histórica da psicodinâmica do trabalho, Mendes (2007a) e Mendes e Morrone (2010) destacam três etapas distintas da psicodinâmica do trabalho. A primeira se inicia em 1980, com o estudo do sofrimento surgido no confronto com a organização do trabalho. Buscava-se também conhecer as estratégias defensivas individuais e coletivas utilizadas pelos trabalhadores para lidar com o sofrimento. A

segunda etapa, na década de 1990, dá ênfase ao trabalho real e concreto como lugar de construção da identidade do trabalhador, no estudo da dinâmica do reconhecimento e de seu papel sobre as vivências de prazer e de sofrimento, e no impacto para essas vivências das novas estruturas da organização do trabalho. A terceira etapa, que se iniciou no final da década de 1990, caracteriza a consolidação e propagação da psicodinâmica como abordagem científica capaz de explicar os efeitos do trabalho sobre os processos de subjetivação, as patologias sociopsíquicas e a saúde dos trabalhadores.

Para Mendes (2007a), as transformações nas organizações do trabalho acarretam diferentes formas de subjetivação, de sofrimento, de patologias e de possibilidades de ação e reação dos trabalhadores. Na visão da autora, nesses novos modelos de organização, a dominação social pelo trabalho é mais sofisticada e difícil de ser identificada. Diante disso, a psicodinâmica do trabalho se propõe a fazer a análise crítica e reconstrução da organização do trabalho.

No que se refere à proposta de Dejours (2004), a psicodinâmica, além de ser uma disciplina clínica, é uma disciplina teórica e, como tal, se esforça para construir seu referencial teórico. Os conceitos em psicodinâmica do trabalho são fundamentados com base em outras teorias como a psicanálise, a psicologia do trabalho, a sociologia clínica e a ergonomia. Apoia-se em conceitos-chave como organização do trabalho, estratégias coletivas de defesa, vivências de prazer, sofrimento criativo e patogênico, subjetividade, inteligência prática, alienação, ressonância simbólica, mobilização subjetiva, espaço de discussão, trabalho real e trabalho vivo, entre outros.

Por valorizar os aspectos subjetivos, a psicodinâmica do trabalho se refere a muitos conceitos da psicanálise como sublimação, ressonância simbólica, defesas, mobilização subjetiva, psicodinâmica, etc. Porém, esses conceitos estão relacionados ao contexto de trabalho e ao sujeito enquanto trabalhador.

A distinção entre trabalho prescrito e trabalho real é uma contribuição da ergonomia que foi adotada pela psicodinâmica do trabalho. A ergonomia se consagrou pelo estudo científico das condições de trabalho e das relações entre os instrumentos de trabalho. A ergonomia diferencia também a tarefa, que corresponde aos objetivos a serem atingidos, e a atividade, que corresponde àquilo que é feito concretamente pelo trabalhador na tentativa de atingi-los (Dejours & Gernet, 2011). Já a psicodinâmica iniciou-se com uma elaboração clínica e teórica das relações entre o funcionamento psíquico e o trabalho.