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2. ConflitosentreEstados

No documento I Seminário IDN Jovem (páginas 86-91)

Thomas Hobbes, filósofo do séc. XVII, autor da obra Leviathan, escreveu: “O estado

natural do Homem… é um estado de guerra de todos contra todos” (Hobbes, 2010). Esta é uma afirmação muito forte e pessimista. Será possível que o Homem só saiba viver em constante conflito? As opiniões dividem-se. Contudo, é inegável que o Homem, desde a sua existência, nunca viveu em constante paz. É verdade que não só nos dias de hoje, como no passado, se pode admitir que a “paz relativa” tenha existido, de forma constante, em vários pontos do globo. Mas nunca existiu paz em todo o mundo.

Podemos pôr em causa se para haver paz basta não haver guerra, pois o conflito armado não é a única forma de conflito. A guerra psicológica, apesar de não consistir em confrontos armados, também é uma forma de conflito, já que as partes apostam no uso das suas armas e do seu suposto poderio para se intimidarem. Temos como exemplo notável o que aconteceu durante a Guerra Fria, em que tanto os EUA como a URSS, desenvolveram a sua tecnologia de tal forma que lhes permitiu criar um arsenal de armas altamente destruidoras. Estas armas não chegaram a ser, de facto, postas à prova, pois ambas as partes apostaram principalmente numa estratégia de intimidação, tirando pro- veito em primeiro lugar de serem consideradas superpotências, países altamente podero- sos a todos os níveis. Tiraram também proveito de falsas informações que eram passadas de parte a parte, passadas com o objetivo de iludir o opositor. Por fim, apostaram em usar outros países para se confrontarem. Cada uma das superpotências apoiava os seus aliados nas suas guerras, mas nunca se enfrentava diretamente, fazendo guerra por procuração.

Porque não chamamos a isto verdadeira paz? Para haver uma verdadeira paz ela tem de ser global e não apenas regional. As guerras que acontecem durante este período têm como intervenientes, países que a nível interno são minimamente estáveis, ou seja, países onde existe “paz”, logo esses países contribuem também para que não haja paz noutras partes do mundo. São parte ativa e interessada em determinadas guerras que acontecem e que estão neste momento a decorrer. Ao tomarem parte, acabam também por se pôr em causa a eles próprios, pois poderão ser vítimas de qualquer tipo de retaliação, seja ele na forma de atentado terrorista ou até mesmo de declaração de guerra. Portanto, pode- mos admitir que um Estado ou qualquer outro grupo, apesar de internamente estável, não está em paz ou não contribui para que haja paz a partir do momento em que é inter- veniente num conflito, nomeadamente numa guerra, seja ela de grande ou pequena escala. Exemplo disto é a guerra na Síria, em que o Governo é ameaçado pelas forças da oposição, mas também por forças exteriores, nomeadamente países como EUA e Tur- quia. Mas também é apoiado por forças exteriores, nomeadamente Rússia e Irão. É uma guerra que conta, não com dois blocos a oporem-se, mas múltiplos blocos, cada um com

diferentes interesses, quer eles sejam territoriais, religiosos, políticos ou económicos. Esta não é uma guerra que vem quebrar um período de relativa paz após a Guerra Fria, mas tal como muitas outras que, entretanto, tiveram lugar e acabaram vem comprovar a ideia de que não há uma verdadeira paz no mundo, nem as grandes potências a nível mundial se abstêm de participar nestes confrontos. A toda a hora há interesses geopolíticos em jogo de forma a conseguir algum benefício e até para se sobreporem às suas ameaças mais diretas, que normalmente estão em blocos opostos.

Outros exemplos de conflitos a acontecerem atualmente são a tensão entre Coreia do Norte e Coreia do Sul, com a Coreia do Norte a realizar múltiplos testes nucleares, numa tentativa de intimidar a Coreia do Sul, mas também os EUA. Há igualmente uma grande tensão no Médio Oriente entre a Arábia Saudita e o Irão, que se colocam em lados opostos na guerra civil na Síria, após um ataque por parte de um grupo iraniano à embai- xada da Arábia Saudita em Teerão.

No início foi colocada a questão: será que o Homem só sabe viver em constante conflito? Esta é uma pergunta bastante ambiciosa, quase impossível de responder, pois não viveremos tempo suficiente para poder concluir que o Homem sempre viveu em constante conflito. Tal implicaria, como a afirmação sugere, viver para sempre. Assim, podemos dizer “poderá ser possível presenciar um período de paz absoluta”. Não é impossível, mas nunca aconteceu. Pedir paz absoluta é pedir que todas as mentes deste mundo pensem de igual forma, que não haja fronteiras entre países, que não haja diferen- tes etnias, religiões e ideologias. É possível haver paz, mas nunca o ser humano viveu sem conflito.

John Locke, filósofo e físico do século XVII, autor da obra Ensaio Acerca do Entendi- mento Humano, escreveu: “A humanidade… sendo todos iguais e independentes, ninguém

deve magoar o outro na sua vida, saúde, liberdade e posses” (Locke, 2008). Em relação a Hobbes, Locke apresenta não uma visão mais positiva, mas menos conformada. Enquanto Hobbes se conforma, dizendo que o ser humano está destinado a confrontar- -se eternamente, Locke tem esperança na humanidade. Podemos compreender a visão de Hobbes, mas não temos todos a mesma esperança de Locke? Seria o melhor para o bem da Humanidade.

Terminar uma guerra é um processo extremamente complicado, que geralmente só acontece quando uma das partes derrota a outra, quer em termos militares ou económi- cos. Segundo os autores realistas, as partes intervenientes numa guerra civil procuram sempre manter uma boa relação entre custo-benefício, acima de tudo. Por outro lado, os autores construtivistas pensam que as partes intervenientes lutam por valores e ideais, que por sua vez não são negociáveis. Por esta razão, a última visão é mais pessimista, já que não prevê a saída da guerra de uma maneira negociada.

Para pôr fim a uma guerra sem grandes prejuízos e com alguns benefícios para ambas as partes, seria necessário que estas abrissem mão dos seus objetivos e dos seus mecanis- mos de defesa e trabalhassem para chegar a uma união. Após um acordo de cessar-fogo, os adversários não poderiam reter os seus exércitos, o que dificultaria a cooperação. As guerras têm tendência para continuar porque as partes, muitas vezes, não aceitam o

desarmamento, muito por causa do facto de se sentirem mais vulneráveis a posteriori. Para

além disto, é preciso fazer ver às partes que há formas melhores de disputar o poder do que através da guerra. Uma parte importante deste processo é tornar o conflito um pouco mais político, que apele ao diálogo, em detrimento da sua matriz violenta. É importante também uma cooperação, não só entre os dois países, como também a nível internacional, para que possa haver estabilidade. Essa cooperação pode manifestar-se na forma da criação de um organismo internacional que sirva de moderador, não só para equilibrar os conflitos, mas para evitá-los acima de tudo.

3. Terrorismo

Após os massacres do Charlie Hebdo, em Paris, e dos ataques em Bruxelas, a Europa

passou a viver num clima de estado de sítio permanente. O medo e as medidas securitá- rias que haviam desaparecido após a Segunda Guerra Mundial voltaram a assombrar os europeus.

O autoproclamado Estado Islâmico (EI) ataca o centro e o coração da Europa com uma facilidade tremenda. Bruxelas, a capital da Europa e cidade que acolhe a sede da NATO e das principais instituições europeias, viveu dias de terror perante uma inoperân- cia total das forças policiais.

Os ataques de Paris revelaram uma nova forma de atuar dos terroristas, que conse- guiram em certos momentos fazer uma guerrilha urbana contra as forças francesas,

matando 12 pessoas, incluindo uma parte da equipa do Charlie Hebdo e dois polícias fran-

ceses. Expuseram a nu desta forma as fragilidades das forças europeias em lidar com este fenómeno crescente, que não vem de fora da Europa, mas de dentro.

Perante esta situação perguntamo-nos: será possível o Estado Islâmico ter um territó- rio próprio que vai desde a Síria ao Iraque, ser um Estado-nação com uma identidade própria e ao mesmo tempo ser um grupo de matriz terrorista? Será possível tal dicotomia?

O certo é que a Europa vive à espera de saber onde será o próximo ataque terrorista, porque é seguro que o EI e outros grupos terroristas estão a planear a realização de mais ataques. Será que o massacre de inocentes em Paris e Bruxelas podia ter sido evitado? Será que existe por parte dos serviços de informação a possibilidade de evitar novos atentados?

Para Stephen Walt, professor de Relações Internacionais em Harvard, “acreditar que podemos eliminar por completo o inimigo é tão realista como pensar que por termos os melhores cuidados de saúde teremos vida eterna”. Tal como ele, outros académicos repu- tados entendem que a Europa terá de se habituar a lidar no quotidiano com atos de ter- rorismo e que não é possível haver 100% de segurança contra o terrorismo, e que esta nova realidade terá de ser considerada como um verdadeiro estado de guerra permanente que se abateu sobre a Europa (Walt, 2016).

Estamos perante uma nova Europa securitária? Vejamos: o presidente François Hollande, após os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris decretou um estado de emergência securitário que ainda hoje se mantém. O mesmo fizera George W. Bush em 2001, logo após o 11 de Setembro. A Chanceler Angela Merkel recusa tomar as mesmas

medidas que Hollande adotou por considerar que o combate ao terrorismo é um com- bate assimétrico, sendo bem diferente de um conflito convencional.

Analisando o fenómeno, podemos concluir que estamos perante uma dicotomia das duas principais potências da Europa. Se por um lado a Alemanha tem tido uma política de abertura das suas fronteiras e de um acolhimento de milhões de refugiados, a França tem restringido a entrada de refugiados no país, que se têm acumulado na chamada “Selva de Calais” de onde atravessam o Canal da Mancha em busca do sonho britânico.

No rescaldo dos ataques em Paris, Hollande aprova o envio de forças armadas para bombardear posições do EI na Síria. Hollande, descrito como um presidente fraco pelos seus adversários internos e na Europa, que o acusam de se ter subjugado à chanceler alemã e vendo o risco de uma deriva do poder em França para a extrema-direita de Le Pen, encontrou na questão da crise dos refugiados e do terrorismo a oportunidade de se afirmar como um líder forte, autocrático e de ver a sua popularidade subir, algo que inva- riavelmente aconteceu, ainda que não de uma forma exponencial e longe de afastar o fantasma de Le Pen. A extrema-direita poderá partir a França ao meio, torná-la uma nação xenófoba e provocar uma cisão com a Europa, partindo o eixo franco-alemão, motor político e económico da UE.

É importante reforçar que o terrorismo é uma mera tática para obrigar a Europa a mudar de vida e não uma ameaça existencial à nossa civilização.

O governo de França decretou o estado de emergência desde novembro de 2015, após os atentados em Paris, e conferiu às autoridades poderes especiais, incluindo inter- cetar comunicações, fazer rusgas policiais, e deter suspeitos arbitrariamente, mesmo sem mandatos judiciais. Hoje o terrorismo é o meio e o fim, uma tática usada historicamente por grupos que não conseguem atingir os seus objetivos por outros meios. A ameaça terrorista é bem real e está bem presente na Europa. Apesar de ser uma novidade no quotidiano dos europeus convém realçar que ela é muito residual na Europa.

Países como Afeganistão, Iraque, Síria, Iémen, Paquistão, são palco de atentados

similares aos de Bruxelas e Paris a um ritmo semanal. Porém, a forma como os mass media

tratam a informação e a fraca comoção ocidental quando estes ataques acontecem, faz parecer que não existem atentados nesses países.

Vale a pena perguntar porque está o terrorismo a seduzir jovens de todo o mundo e principalmente europeus? Na nossa opinião são jovens que a sociedade marginalizou e que se sentem discriminados, o desemprego é um fator fulcral que leva com que jovens de bairros problemáticos europeus como os dos subúrbios de Molenbeek, Paris ou de Marselha se sintam seduzidos pela propaganda do EI.

Por outro lado, estes jovens de segunda e terceira geração, apesar de serem filhos de pais imigrantes, nasceram na Europa e, como tal, são mais esclarecidos. Poderão estar

fartos do status quo político europeu e americano que alimenta conflitos duvidosos em

determinadas regiões do globo, o que para estes jovens muçulmanos, muito fiéis à luta árabe, causa uma grande revolta.

Estes jovens sentem que não têm futuro, nem uma vida estável, são obrigados a adiar sonhos, não conseguem o projeto de ter uma casa e são obrigados a viver em casa dos

pais até idades tardias, em que ficam confinados aos subúrbios e à sua realidade dura e dramática da criminalidade, o que leva muitas vezes ao isolamento e radicalização.

O general Carlos Branco, antigo responsável pela Divisão de Cooperação e Segu- rança da NATO afirma que “sem menosprezar a ameaça do EI, chegou a hora dos euro- peus tomarem a consciência que o projeto de construírem um continente unificado e pacífico está em perigo devido a grupos que no seio da Europa contestam a matriz civi- lizacional do projeto europeu, e que têm uma expressão demográfica cada vez maior, grupos que a Europa não foi capaz de integrar e que poderá conduzir a uma guerra sec- tária e fratricida resultante da politização da cultura e das desigualdades” (Branco, 2016).

Perante tantas questões, urge perguntar qual a razão das potências não juntarem forças e fazerem um combate organizado e unido para realmente destruir o EI?

Vejamos: a Rússia dá prioridade à manutenção do regime de Assad e uma parte sig- nificativa dos seus raides aéreos são contra grupos rebeldes sírios que não estão associa- dos ao EI. Os EUA pretendem a todo custo derrubar o regime de Assad. A França tem sido o país europeu mais envolvido nos ataques, mas estes têm sido limitados e ineficazes. A Arábia Saudita e o Irão disputam entre si um poder cada vez maior de influência na região.

Posto isto, ainda há outros outsiders diretamente interessados no conflito e que fazem

de tudo para o alimentar como o caso de Israel, que não combate o EI pela simples razão de que o grupo fundamentalista se bate na Síria contra dois dos seus principais inimigos: o Irão e o Hezbollah. A Turquia está mais preocupada em combater os curdos indepen- dentistas do PKK e evitar avanços dos mesmos, a maioria dos seus ataques militares tem visado quase sempre o PKK e não o EI.

Na nossa opinião a Turquia é o fator chave deste conflito porque joga geopolitica- mente em todas as frentes, senão vejamos:

• com o El; aparentemente o petróleo vendido pelo EI é escoado no mercado negro para a Turquia a preço de saldo;

• com a Rússia, devido ao projeto de gás multimilionário que abastecerá a Europa e passará pela Turquia;

• com os EUA; ao ser membro da NATO, a Turquia é um parceiro estratégico do mesmo para o uso de bases militares;

• com a UE, em que a Turquia não vê as suas pretensões para entrar na união aceites, mas conseguiu um lucrativo acordo com a UE sobre os refugiados.

Enquanto a retórica e as ações no terreno não coincidirem, o EI continuará a trilhar o caminho da sua ascensão meteórica. Resta saber como lidará o Ocidente com o fenó- meno crescente do terrorismo e se o debate contra o mesmo seguirá numa vertente moderada ou numa vertente extremista, sendo que extremismos e populismos como o de Trump e de Le Pen, poderão beneficiar diretamente e encontrar nas questões dos refu- giados e principalmente do terrorismo a sua boia de salvação.

Para combater o terrorismo os Estados devem impedir o financiamento de grupos terroristas e bloquear o acesso a contas bancárias ligadas a organizações ou indivíduos que apoiam o terrorismo. Deve ser montado um mecanismo de maior vigilância por

parte dos serviços de inteligência, em que os princípios de garantia e regras de imputação são mitigados pela aplicabilidade de novas tecnologias para identificar possíveis riscos. Nesse contexto, Gunther Jakobs, teoriza as alterações político-criminais denominado por

“direito penal do cidadão” versus “direito penal do inimigo” cujas aproximações contêm

um agravamento pela intervenção penal e pelo alargamento dos poderes do Estado para atuar em favor da prevenção (Jakobs, 2003).

Jakobs defende ainda a monitorização de telefones e internet de todos os cidadãos, a fim de procurar um suspeito específico que atente contra os direitos e liberdades funda- mentais, e um maior controlo sobre empresas de fachada, suspeitas de contribuírem para lavagem de dinheiro e evasão fiscal. Importante também é a informatização de todo o sistema de acompanhamento dos mercados financeiros e identificar pessoas que não têm um rendimento regular, tendo em conta as suas declarações de impostos, e enviam dinheiro para o exterior, acabando com o sigilo bancário.

No documento I Seminário IDN Jovem (páginas 86-91)