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6. ConflitosInternos

No documento I Seminário IDN Jovem (páginas 95-101)

Conflitos internos ocorrem em todo o globo como resultado de confrontos de inte- resses entre dois ou mais grupos distintos de indivíduos ou por interesses e geopolítica das potências mundiais.

No geral, as causas destes conflitos internos, que incluem guerras civis, genocídios em massa e outras atrocidades em larga escala, são complexas e resultam por norma de um processo histórico, político, étnico ou religioso e devido à crescente globalização, e ocorrem normalmente por questões de invasão e ocupação de territórios ou questões envolvendo as riquezas e a delimitação de fronteiras.

Atualmente, a maioria dos conflitos no globo tem origem interna, ou seja, é decor- rente de guerras civis ou da luta entre forças militares e movimentos rebeldes ou separa- tistas, porém muitos destes conflitos tem incidência externa com o financiamento e armamento por parte das maiores potências para derrubar certos regimes e desta maneira fazer valer os seus interesses geopolíticos.

A “Primavera Árabe” foi sem dúvida um dos maiores conflitos internos nos últimos anos e que esteve mais em voga, sendo que a Guerra na Síria ainda persiste, mas não nos esqueçamos do Iémen, da República Centro Africana, Mali, Nigéria, Congo, sítios aonde esses conflitos proliferam em larga escala com catástrofes humanitárias.

Durante a Primavera Árabe houve revoluções na Tunísia e no Egipto, uma guerra civil na Líbia e na Síria, que continua em curso com repercussões humanitárias dramáti- cas. Houve também grandes protestos na Argélia, Bahrein, Iraque, Jordânia, Iémen e outros países do Médio Oriente, alguns dos quais tiveram que avançar com algumas reformas para acalmar o ímpeto revolucionário das suas populações.

Ditadores que se perpetuavam no poder há décadas como Ben Ali, Khadafi e Muba- rak foram depostos. Os protestos compartilharam técnicas de resistência civil em campa- nhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, comícios, bem como o uso massivo das redes sociais, como Facebook, Twitter e Youtube, que tiveram uma grande influência para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional em face de inúmeras tentativas de repressão e censura na internet por partes desses Estados. Alguns analistas como March Lynch e Joseph Massad indicam que os protestos de índole social foram causados por fatores demográficos estruturais, tais como: condições de vida demasiadas precárias, o alto desemprego em algumas camadas das populações, especialmente os jovens, o autoritarismo, a corrupção do status quo político, incessantes

violações dos direitos humanos, clivagens sectárias entre xiitas e sunitas, aliados à falta gritante de infraestruturas e de distribuição de riqueza que levava a cleptocracia destes regimes.

Estes regimes, nascidos dos nacionalismos árabes entre as décadas de 50 e 70, foram- -se convertendo em governos repressores que impediam a oposição política credível o que originou um vazio preenchido por movimentos islamitas de diversas índoles pacíficas e radicais.

Para estes analistas estas revoluções não puderam ocorrer antes, pois até à Guerra Fria, os países árabes submetiam os seus interesses nacionais aos do capitalismo norte-

-americano ou do comunismo russo. A inesperada série de deposições de regimes auto- ritários que dominavam o mundo árabe há tantos anos foi comemorada por políticos e analistas ocidentais e vista como o início de uma onda de democratização no Médio Oriente.

O fato dos protestos terem sido organizados por jovens utilizando como ferramen- tas as redes sociais e a internet significava o início de uma nova era, em que movimentos sociais horizontais e desvinculados de partidos iriam transformar o mundo.

Porém anos volvidos, o cenário não poderia ser mais desolador, enquanto a guerra civil na Síria já deixou mais de 500 mil mortos segundo dados estatísticos oficiais, partes do país e do Iraque hoje são dominadas por militantes do EI, que continua a impressio- nar o mundo pela forma bárbara como tratam e matam prisioneiros, mulheres e crianças de minorias étnicas e religiosas.

No Egipto, a situação também não é animadora. Após um golpe de Estado que depôs o Presidente Morsi, eleito em 2012, o novo presidente egípcio al-Sisi governa de forma arbitrária, prendendo os seus opositores, numa escalada autoritária alarmante. Já a Líbia pós-Khadafi tornou-se um Estado praticamente sem governo, ou seja, um Estado falhado, onde líderes tribais, milícias e grupos extremistas disputam a hegemonia.

A única exceção é a Tunísia, mais estável e onde eleições livres no final de 2014 deram vitória a um partido secular com membros que, no entanto, têm ligações ao regime de Ben Ali.

Diante deste cenário, surge a pergunta óbvia: como é que toda aquela esperança trazida pelas ondas de protestos e que prometiam mudanças e reformas no Médio Oriente se desvaneceu tão abruptamente? Como é que movimentos populares espontâ- neos que foram capazes de derrubar ditadores poderosos, falharam em trazer mais avan- ços para a sociedade, abrindo espaço para extremistas e líderes autoritários?

Explicar com tão pouco distanciamento histórico o porquê do fracasso da Primavera Árabe é um desafio hercúleo, até devido à quantidade de países e contextos envolvidos; certamente estamos diante de um fenómeno multicausal, em que inúmeras variáveis con- tribuem para os resultados que observámos.

Para o falecido historiador britânico Eric Hobsbawm (1962), na sua obra a Era das

Revoluções, a revolução inglesa e posteriormente a revolução francesa trouxe significativas

e indeléveis mudanças no status quo vigente da época. Das mais significativas ilustradas

pelo historiador, pode-se citar o surgimento de uma nova classe social, o proletariado, sendo que na década de 1840, esta nova classe assume grande visibilidade, não como prestigiada, mas como problemática para as políticas governamentais.

Na sua obra Como Mudar o Mundo (2011), onde demonstra o seu enorme interesse

pela Primavera Árabe, Hobsbawm afirma “a Primavera Árabe lembra-me 1848, outra revolução impulsionada de forma autónoma, que começou num país e depois se alastrou por todo um continente em pouco tempo”. Porém contrapõe que foi a classe média a grande força motriz das revoltas populares e ocupações que marcaram o ano de 2011 e não o proletariado como em 1848. Afirmando que “as mais eficazes mobilizações popu- lares são aquelas que começam a partir da nova classe média modernizada, particular-

mente a partir de um enorme corpo estudantil. Elas são mais eficazes em países em que demograficamente os homens e mulheres mais jovens constituem uma parcela maior da população do que a que constituem na Europa”.

De fato, os paralelos entre a Primavera Árabe e a chamada Primavera dos Povos, que tomou a Europa em 1848 são surpreendentes. Tanto que a semelhança entre os nomes dos dois movimentos não é mera coincidência.

Kurt Weyland, professor da Universidade do Texas, especialista em regimes autoritá- rios e democratização, corrobora esta tese e aponta que tal como na Primavera dos Povos, na Primavera Árabe, o sucesso dos revoltosos em determinados países e lugares fazia com que outras populações e grupos organizados tentassem repeti-lo nos seus países, real- çando que tal como em 1848 os movimentos da Primavera Árabe não tinham líderes formais e pareciam espontâneos. Para Weyland, no entanto, os dois movimentos acabaram por ter poucos resultados na forma de avanços democráticos no curto prazo. Enquanto a Primavera dos Povos acabou esmagada por uma onda conservadora na Europa, a Prima- vera Árabe veio a desaguar no cenário de crise que vemos hoje (Weyland, 2012).

Para Teresa Botelho, professora da Universidade Nova, o discurso proferido por Obama na sede do Departamento de Estado no dia 19 de maio de 2011, abriu um novo capítulo na diplomacia americana, e pode ser visto como o epílogo de um acidentado processo de reavaliação das prioridades da agenda norte-americana para o mundo árabe, imposto pela necessidade de dar uma resposta adequada à explosão antiautoritária que abalou as ilusões de estabilidade de muitos regimes árabes (Botelho, 2011).

Entretanto a República Centro Africana, Iémen, Mali, Nigéria, Somália e outros paí- ses da região que vai desde o golfo da Guiné ao Médio Oriente, estão cada vez mais à mercê de traficantes e jihadistas, e de grupos terroristas como a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, o Al-Shabab, Boko Haram, Estado Islâmico entres outros grupos, que se apro- veitam do contrabando de armas, drogas, medicamentos, petróleo, sequestro de pessoas e do negócio lucrativo das travessias do mediterrânio aos deslocados da guerra, em busca do sonho europeu, para financiarem as suas ações, beneficiando com os fracassos da Primavera Árabe e com o vazio de poder que se instalou.

Perante estas ameaças, cabe aos Estados proteger fundamentalmente os direitos humanos e a vida das pessoas, ou seja, torna-se necessário uma aplicação mais rígida do Direito Internacional Humanitário (DIH) em situações de conflito armado e que o Con- selho de Segurança das Nações Unidas proíba o ataque a certas zonas, impondo que estas sejam colocadas fora da zona de operações, o que pode ser feito numa base temporária ou permanente. Estas zonas podem corresponder a zonas de segurança onde os civis podem ser concentrados, zonas neutras ou zonas desmilitarizadas. O DIH proíbe qual- quer ataque a locais sem defesa, sendo desejável protegê-los (Fleck, 1995).

Para Michel Deyra (2001), é fulcral que os Estados imponham a proibição de atacar bens civis de forma a proporcionar a assistência às populações vulneráveis e salvaguardar os bens necessários à vida dos civis em território ocupado.

Na nossa opinião, é também imperativo que o Tribunal Penal Internacional, quando estes conflitos eclodem e põem em causa os direitos e a vida humana, emita imediata-

mente mandatos de captura para os principais suspeitos destes crimes humanitários, de forma a permitir uma atuação rápida e legitimada da comunidade internacional.

Conclusão

Desde o fim da Guerra Fria o sistema internacional tem sofrido muitas alterações, assistimos a fenómenos crescentes como o terrorismo e outras ameaças transnacionais que provocam ou não instabilidade em Estados alterando por vezes paradigmaticamente o status quo vigente.

O Ocidente enfrenta uma era especialmente particular com o reerguimento de muros nas suas fronteiras e o crescimento vertiginoso da extrema-direita e de populismos sim- bolizados por Trump, Le Pen, Orban, Farage entre outros.

É uma incógnita para aonde caminha o Ocidente se para uma deriva em que se man-

tém o status quo de sentido político e de estado vigente até ao presente ou se fará uma

mudança para uma deriva autoritária, xenófoba e discriminatória.

Hannah Arendt (2006) na sua obra As Origens do Totalitarismo argumenta como a via

totalitária depende da banalização do terror, da manipulação das massas, do criticismo face à mensagem que se pretende propagar. Para a autora, Hitler e Estaline seriam duas faces da mesma moeda, tendo alcançado o poder por terem explorado a solidão organi- zada das massas e que a utilização do racismo e da xenofobia tende a ser uma arma eficaz em momentos conturbados de forma a culpar as minorias e encontrar um bode expiató- rio para o insucesso de uma nação.

Samuel Huntington (1996), na sua obra O Choque das Civilizações teoriza que as iden-

tidades culturais e religiosas dos povos serão a principal fonte de conflito no mundo pós-Guerra Fria. Huntington afirma “a minha hipótese é que a fonte fundamental dos conflitos no mundo não será principalmente ideológica ou económica. As grandes divi- sões entre a humanidade e a fonte dominante dos conflitos será cultural. Os Estados- -nação continuarão a ser os atores mais poderosos no cenário mundial, mas os principais conflitos da política global ocorrerão entre países e grupos de diferentes civilizações”.

Se o Ocidente caminha para uma deriva nos termos de Arendt e Huntington, não o podemos confirmar nem desmentir, porém é certo que os conflitos no globo estão cada vez mais latentes, em grande parte devido à perda de identidade dos Estados-nação.

Estima-se que em muitos países ocidentais, até 2050, existam na sua maioria populações que não serão originárias do ocidente. Esta perda de identidade poderá causar ainda mais conflitos e provocar divisões sectárias, xenófobas e raciais por todo o mundo.

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