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CONHECIMENTO E CARTOGRAFIA: TEMPESTADE DE POSSÍVEIS

No documento CArtografias e Devires (páginas 85-98)

Patrícia Gomes K irst Angélica Elisa G iacom el Carlos José Sim ões Ribeiro Lu is A rtu r Costa Giovani Souza Andreoli

Cartografar remonta a uma tempestade... Tempestade de escolher ro­ tas a serem criadas, constituir uma geografia de endereços, de registros de navegação, buscar passagens... Dentro do oceano da produção de conhe­ cimento, cartografar é desenhar, tram ar movimentações em acoplamentos entre mar e navegador, compondo multiplicidades e diferenciações. Ao mesmo tempo, sustentar uma postura ético-estética de acolher a vida em seus movimentos de expansão segundo implicações políticas do tempo, do perspectivismo, da contingência e invenção.

Patríca Gomes Kirst é psicóloga e m estre em Psicologia Social e Institucional pelo Pro­

gram a de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional. Docente, consultora dc projetos de capacitação em RH, pesquisadora e fotógrafa.

A ngélica Elisa Giacomel é psicóloga e m estranda do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia Social e Institucional/UFRGS.

Carlos José Simões Ribeiro é psicólogo e m estre em Psicologia Social e Institucional -

UFRGS. Integrante do grupo de pesquisa “M odos de trabalhar, modos de subjetivar” A utor do artigo: “Fluidos in fluxo ou como escapar da solidez”. In: Fonseca, Tama G. M., Francisco, Deise J. Formas de ser e habitar na contemporaneidade. Porto Alegre: Edito­ ra da Universidade, 2000.

Luis A rtur Costa é graduando do Curso de Psicologia da UFRGS. Bolsista de Iniciação

Científica sob orientação da Dra Tânia Galli Fonseca.

Giovani Souza Andreoli é psicólogo clínico e institucional e M estrando do Programa de

Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Integrante do grupo de pesquisa “Autopoiesis” coordenado pela Dra. Cleci Maraschin, graduando do Curso de Artes Plásticas do Instituto de Artes da UFRGS.

O s autores são integrantes do Grupo de Pesquisa “Modos de trabalhar, modos de subjetivar”, coordenado pela professora Dra. Tania M ara Galli Fonseca.

A cartografia vem sendo apresentada e problematizada contemporanea­ mente - num movimento de resgate da dimensão subjetiva da criação e pro­ dução de conhecimento - por autores como Gilles Deleuze, Michel Serres, Félix Guattari, Sueli Rolnik e Pierre Lévy no que se convencionou chamar de “pensamento da diferença” ou “filosofia da multiplicidade”. Estes, por sua vez, são inegavelmente influenciados pela produção de Nietzsche.

O termo “cartografia” utiliza especificidades da geografia para criar relações de diferença entre “territórios” e dar conta de um “espaço”. As­ sim, “Cartografia” é um termo que faz referência à idéia de “mapa”, con­ trapondo à topologia quantitativa, que categoriza o terreno de forma está­ tica e extensa, uma outra de cunho dinâmico, que procura capturar inten- sidades, ou seja, disponível ao registro do acompanhamento das transfor­ mações decorridas no terreno percorrido e à implicação do sujeito perce- bedor no mundo cartografado.

A cartografia não determina em si uma metodologia, porém antes, pro­ põe uma discussão metodológica que se atualiza na medida em que ocor­ rem encontros entre sujeito e objeto.

Este ensaio procura contribuir para a produção de conhecimento no âmbito acadêmico através da problematização do conceito de método. Para tanto, nós - psicólogos sociais ligados à Universidade, e mais especifica­ mente ao Grupo “Modos de trabalhar modos de subjetivar”, em sua dimen­ são tripartida de pesquisa, ensino e extensão - tomamos a história de nos­ sa própria disciplina, inserida num percurso epistemológico, para falar de como o conhecimento produz realidades expressas em sujeitos e mundos. Buscaremos, portanto, explicitar esse caráter enroscado/enervurado do conhecimento e desnaturalizar os modos pelos quais ele se torna forma de verdade, como o caso do método científico cartesiano.

O HOMEM E O CONHECER/SER

A psicologia, como função problematizadora do pensamento, tem suas origens perdidas nas não-fronteiras da história, podendo ser considerada atuante nas práticas humanas desde tempos remotos. Os gregos da Anti­ guidade, apegados a uma metafísica própria e a seus universais parajusti- fícar o saber, perscrutaram as reentrâncias do homem, seu conhecer, afe­ tos, memória, sentir e agir. As regras lógico-matemáticas ou geométricas era atribuído um status ontológico privilegiado: o fundamento da verdade era o Logos/Nous em sua atividade de obtenção do que jamais deixa de ser, universal, imutável, transcendente ao sensível - o inteligível. Empreitada justificada pela sua própria beleza e importância moral, pois o ápice do

humano seria a existência contemplativa, este Nous que distingue o homem do “meramente” animal.

Apropriando-se da filosofia grega, a teologia cristã, romana e m e­ dieval, irá repetir a fuga do sensível, das paixões. As formas universais e verdadeiras abandonam suas antigas alocações e passam a ser parte de Deus, pura inteligência infinita. O corpo permanece uma prisão que nos obriga ao sensível, impedindo o acesso imediato das verdades. Em b u s­ ca do inteligível, deve-se fugir das sensações, descartando-as em prol das únicas fontes seguras de conhecimento: a iluminação divina e a verdade revelada no texto bíblico. Enfim, o sujeito cristão epistêmico e moral são indiscerníveis.

Então, houve uma atribulação criativa denominada Renascimento. Li- bertando-se dos dogmas da autoridade da Igreja, passou-se a uma liberda­ de de criação que não carregava a imposição dos sistemas teológicos; mul­ tiplicaram-se caminhos possíveis, retomando o desconhecido. Porém, dian­ te da multiplicidade de novas certezas e da dissolução de antigas, surge a dúvida cética. Muitos se angustiavam com a ausência de solo do Renasci­ mento e buscavam uma nova forma de certeza.

Para findar com as cores, sabores, apetites e odores, que acabavam por frutificar uma multiplicidade de matizes do pensamento, e que, com sua leveza enalteciam a dúvida, forjou-se o método. Na luta contra o dog­ ma e a dúvida erige-se algo que não é em si a Verdade, mas sim o modo de obtê-la. O método como dura disciplina do experienciar, transmutador das fugidias contingencialidades sensíveis em números e leis, tem na matemá­ tica o emblema da certeza dos experimentos de medição e da “pureza” de raciocínio. Portanto, a autoridade do experienciar não estava propriamen­ te no indivíduo, afinal, seus apetites epaixões, o que se denomina subjeti­ vo, haviam sido excluidos da produção de conhecimento pelo método, o qual atribui autoridade à experiência empírica e à razão “bem conduzidas”. Assim, a autoridade migrou das grandes escolas, dos grandes pen­ sadores para o método, o qual, por sua vez, poderia ser usado por qualquer indivíduo que, ao utilizá-lo, participaria de sua autoridade, tomando-se um

sujeito epistêmico universal, mas jamais estando autorizado por si. O su­ jeito, em uso do método, toma-se sempre igual a si e a todos, pois, como

modo de apreensão do que é geral e estático, o método propõe-se a excluir do homem toda diferença e movimento, tudo o que é imprevisto e contin­ gente. Este é o indivíduo neutro da modernidade, que esterilizado pelo método, adquire a assepsia e a pureza necessárias para investigar o real sem infectá-lo. Acreditava ser possível um conhecimento direto, exato e frio das “coisas em si”, como se a razão, suposta substância independente dos

olhos, mas unicamente através de conceitos fixos, aos quais se atribui uma realidade demonstradamente necessária.

Passado o século XVIII, vemos a agonia no pensamento ocidental, a “ [...] crise de uma certa cartografia da existência humana que começa a se fazer sentir no final do século XIX e se intensifica cada vez mais ao longo do século XX - a cartografia do sujeito da razão constituído no Ilu- m inism o” (Suely Rolnik, 2000, p. 14). O medo e o descontentamento com os rumos seguidos pelo projeto da modernidade expressaram-se em diver­ sos autores. Dois, especialmente afins em suas críticas, são Dostoievski e Nietzsche.

“ [...] onde estão minhas causas primeiras, em que me apóie? Onde estão os fundamentos? Onde irei buscá-los? Faço exercício mental e, por conseguin­ te, em mim, cada causa primeira arrasta imediatamente atrás de si outra, ainda anterior, e assim por diante até o infinito” (Dostoievski, 2000, p.29). Vemos aqui, a angústia do modemo que não se percebe capaz de crer nos axiomas de sua própria doutrina, que na busca pela verdade não se defronta com as evidências autodemonstráveis, mas apenas com um flu­ xo infinito que destitui de autoridade todo seu discurso sobre a natureza das coisas. M as,“ [...] o homem é a tal ponto afeiçoado ao seu sistem a e à dedução abstrata que está pronto a deturpar intencionalmente a verda­ de, a descrer de seus olhos e de seus ouvidos apenas para justificar sua lógica” (idem, p .36).

O homem modemo evita o sensível, pois este é fugidio, e o seu cor­ po, como se prisão fosse, pois o submete ao duplamente incontrolável: o sensível das sensações e o irascível das paixões. Entretanto, sob o jugo da Razão, ouve-se um grito de liberdade do indivíduo e seus ímpetos, paixões e peculiaridades. Pois, as amarras que fornecem segurança, são as mesmas que aprisionam.

Nietzsche irá dizer que a aparente ausência de cores da assepsia do método, nada mais é do que uma pintura que busca expressar com suas tintas a ausência de coloração. Ao invés de constituir uma posição externa às outras, desde onde tudo se pode ver isto não passa de mais uma perspecti­ va, afirmada por uma “vontade de não ter vontade”.

Assim, o homem não possui a capacidade que almeja de obter um conhecimento universal e irrestrito, devido às suas contingências, pois estas são tudo que há. Tampouco é possível um saber de lâmina fria, in­ dependente das turbulências das paixões. Afinal, como distinguir o de­ sejo e demais afetos do pensar? O próprio “sujeito” em Nietzsche é um turbilhão de forças em constante embate estratégico, em constante mo-

vimentação, à qual, usualm ente, atribuím os uma unidade centrada na consciência. Tais forças presentes, desde os seres unicelulares até o “so­ cial”, transbordam ao próprio indivíduo; que não é simplesmente um, como tampouco possui fronteiras delimitadas. Além do mais, não há dis­ tinção entre este ser e a expressão do arranjo de forças, como se vivêsse­ mos em uma tela expressionista, onde inexiste a cisão forma-conteúdo, um e outro são um só. São efeitos e efeitos a se concatenar em uma tra­ ma dinâmica, a qual constitui uma espécie de jogo em permanente trans­ mutação. Um jogo que tem suas regras afirmadas e mudadas em cada ação, mas jam ais como algo subjacente ao que ocorre, elas são no que ocorre, enquanto ocorre.

Porém, a muitos angustia esta existência errante e repleta de dúvida. O movimento vertiginoso cria, no abdômen de muitos, um frio cortante e, por isso, esses logo se escondem, com medo do fluxo, em abstrações ge­ rais e etemas as quais eles afirmam absolutas, quase divinas, por demasia­ do humanas.

Acreditais no palácio de cristal, indestrutível através séculos, isto é, um edifício tal que não se lhe poderá mostrar a língua às escondidas, nem fazer figa dentro do bolso. [...] Pensai o seguinte: se em lugar do palácio, existir um galinheiro, e se começar a chover, talvez eu trepe no galinheiro a fim de não me molhar; mas, assim mesmo, não tomarei o galinheiro por um palá­ cio, por gratidão, pelo fato de ter me protegido da chuva. Estais rindo, dizeis até que, neste caso, galinheiro e palácio são a mesma coisa. Sim, respondo, se fo sse preciso viver unicam ente para não se molhar. (Dostoievski, 2000, p.48-49)

Assim, negando-se a adorar um guarda-chuva conceituai qualquer, Nietzsche (1999, p.99) propõe:

[...] tenho pelo menos um par de cotoveladas prontas para o cego furor com que os filósofos se rebelam contra serem enganados. Por que não? N ão passa de um preconceito moral, que verdade tem mais valor que aparência; é até mesmo a admissão mais mal demonstrada que há no mundo. (p.310) [...] A falsidade de um juízo ainda não é para nós ne­ nhuma objeção contra esse juízo [...] A pergunta é até que ponto é propiciador de vida [...]. (p.304) [...] Para isso é preciso esperar pela chegada de uma nova espécie de filósofos, [...] filósofos do perigoso “talvez” em todos os sentidos, (p.304) O[s] andarilhofs] [...] não como viajante[s] cm direção a um alvo último: pois este não há. [...] tem de

haver nele[s] próprio[s] algo de errante, que encontra sua alegria na mudança e na transitoriedade.

A CIÊNCIA DO OBJETO E O OUTRAMENTO CIENTÍFICO O legado cartesiano diferencia clara e distintamente o mundo exte­ rior do mundo interior, fundando, a partir daí, a neutralidade científica. Pelas regras tradicionais do método científico, o sujeito-pesquisador e objeto- pesquisado ocupam lugares fixos, pressupondo-se ainda a sua neutralida­ de e seu descolamento da história, do ambiente social, de seu inconsciente e do próprio corpo.

Contrariamente, na perspectiva cartográfica, o objeto pode instaurar, no sujeito, um estado de outramento, que consiste em tomar-se estrangei­ ro de si mesmo, possibilitando-lhe experimentar-se em novos espaços e modos da existência. Aqui, o sujeito pode ser entendido como uma multi­ plicidade à espera de recursos para sair do conhecido e (re)fazer sua forma através de devires do mundo; traduzir é duplicar-se não em outro idêntico, mas em um outro efêmero.

O ato de outrar-se, ou a disposição em fazê-lo, opera-se no movimento de se deixar levar por uma força a ponto de se tornar a força. O cartógrafo se sabe integrante da investigação, testemunha de seus próprios movimentos de conhecer. Assim, temos de contar com as descobertas e as estratégias de investigação a cada encontro e, neste sentido, o cartógrafo não se quer neutro, quer-se justamente desimpedido e tensionado pelo encontro com o mundo através da pesquisa. O cartógrafo procura afirmar-se através do encontro com o objeto e não no distanciamento dele. Segundo Deleuze (1997, p. 169), “ [.. .] cada vez que um corpo convém com o nosso e aumen­ ta nossa potência, uma noção comum aos dois corpos pode ser formada, de onde decorrerão uma ordem e um encadeamento ativos das afecções.” Cartógrafo e objeto nascem juntos e percorrem a vida de modo insepará­ vel na criação de problemas.

O problema de pesquisa para o cartógrafo é arrebatamento e, portan­ to, não apenas da ordem de uma escolha consciente. Para que isto seja pos­ sível, o cientista deve ter paixão e, a partir deste ímpeto, poderá criar con­ dições e idéias para dar sentido aos processos de produção de conhecimento, atentando para o novo, para a diferença, sem se deixar seduzir pela como­ didade da repetição. “Para o nosso olho é mais cômodo, numa dada oca­ sião, reproduzir uma imagem com freqüência já produzida, do que fixar o que há de novo e diferente numa impressão: isso exige mais força, mais ‘moralidade’” (Nietzsche, 1992, p.92).

Porém, o que pode ser tomado como uma escolha é a sua forma de investigar, inspirando orientação reflexiva, onde palavra “reflexão” tem sua origem em reflexo e, se pensarmos em um espelho, este tem sua partida na luz que emana do sujeito e retoma a ele oferecendo sua própria imagem invertida; também é interessante apontar que a palavra reflexão tanto pode ser entendida como ato ou efeito de refletir ou como meditação e prudên­ cia. Portanto, a distinção de um pesquisador cartógrafo é que este é inter- visto, vendo-se refletido no objeto. Tratar-se-ia de um jogo de espelhos de inúmeras imagens onde desejo/formação/memória do pesquisador criam reflexos do objeto.

A produção do objeto de pesquisa poderia ser vista como expressão pos­ sível das sensações, percepções e afectos do cartógrafo. Daí importa mar­ car, novamente, a implicação do cartógrafo com o objeto, pois não temos percepções, somos percepções e, seguindo esta linha, somos nosso objeto.

Entretanto, a cartografia deve apresentar-se de alguma forma distan­ te de seu autor, pois a pesquisa deve ter estabilidade sozinha. Assim, a car­ tografia é uma semelhança produzida e não “a semelhança”, é uma extre­ ma continuidade, um enlaçamento. Por isso, para que a cartografia crie consistência, deve-se evitar um mal-entendido: pensa-se que cartografias são produzidas com percepções e sensações, lembranças ou arquivos, via­ gens e fantasmas. Mas, para que se possa ter certa estabilidade na pesqui­ sa cartográfica, certos cuidados devem ser observados - como a coerência conceituai, a força argumentativa, o sentido de utilidade dentro da comu­ nidade científica e a produção de diferença; enfim, o rigor científico.

Para que a pesquisa cartográfica tenha tal autonomia é necessário que possua espaços vazios (sua força de impulsão para o fora), de indetermi- nação, espaços onde a interlocução possa ser bem-vinda e onde a pesquisa possa ser repensada no sentido da eterna recriação. O cartógrafo não se nutre do desejo de conservação de seu pensamento, mas do desejo de pensar, pre­ servando, assim, as condições para o instituinte. Na cartografia não se busca a firmeza de um equilíbrio estático ou avanços em direção à verdade en­ quanto experiência de eternidade. O cartógrafo é um experimentador das perdas que o conhecimento impõe. Ele também quer perder-se, pois é o único modo de ganhar: ganhar a experiência de se rever e de manter um certo grau de desprendimento perante a pesquisa e conhecimento produzi­ do. O cartógrafo se alimenta de uma espécie de intimidade com o “mor­ rer”, o perdido, a finitude e a precariedade de sua perspectiva.

A CIÊNCIA CARTOGRÁFICA INVENTA SUJEITOS, CONCEITOS E OBJETOS

O caráter instituinte da cartografia está ligado à explicitação das sen­ sações, muitas vezes fugidias, nos encontros com aoE jetaJS alienta-seli importância de conceituar a sensação, pois ela é ilocalizável, tanto n o ,car­ tógrafo quanto nos fluxos cartografados, ou mesmo nos tempos de encon­ tro e produção. A sensação é “intermezzo”, é a exigência do mundo, de­ manda irresistível de fabulação e guia de procedimentos.

A cartografia pressupõe intenções de quem a percorre. Ela tem como objetivo arrancar o percepto das percepções, do objeto e dos estados de um sujeito percipiente. Bem como arrancar o afecto das afecções, passa­ gem de um estado a outro. A cartografia busca extrair um bloco de sen­ sações, um puro ser de sensações. E, para isso, de acordo com cada au­ tor, o método e sua invenção são a própria pesquisa, enquanto a sensa­ ção é o próprio pensamento ou aquilo que faz com que o cartógrafo se impressione e expresse sua relação com as coisas que o tocam.

Sendo uma explicitação das sensações, a cartografia se produz atra­ vés de conceitos, depoimentos e compromissos. Os conceitos, portanto, nunca podem ser separados das sensações, eles são suas letras, seus regis­ tros ou suas vibrações. Os conceitos não são apenas formas abstratas em busca de uma perfeição simétrica. São ações, instrumentos. Como ações, estão presentes em tudo que se refere ao existir e ao experienciar.

Conceitos são, usualm ente, identificados como idéias, represen­ tações, enfim, constructos da substância não-sensível de nossa mente, circunscritos a este universo abstrato e autocontinente. D estituídos de concretude, espacialidade, vagam por um tem po linear, seguindo uma reta entropicam ente organizada por nossa experiência consciente. For­ mas sem cor, odor, ou em oção, habitantes de um universo inacessível, de um tem po irreversível ditado pela escassez de possíveis. U m a das características da profusão de conceitos espaciais na filosofia da dife­ rença, como “ conceituar”, “cartografar” e “territorializar”, é a ruptura com esta autocontinência mental, dem onstrando a condição de dobra do que antes se acreditava ser herm eticam ente isolado. Ao afirm arm os que conceitos constituem territórios, estratégias, estam os afirm ando a concretude de suas ações.

As sensações, os conceitos e as percepções são um elo, algo que acon­ tece entre pesquisador e objeto, sendo o material que faz com que se tor­ nem contínuos e amalgamados na medida das inspirações que ambos lan­ çam no mundo. Segundo Deleuze, (1992, p.222),

[...] perceptos desta vida. deste momento, das em uma espécie de cubismo, de simul púsculo, de púrpura ou de azul, que não te senão eles mesmos.

A cartografia, assim, pode ser pensada corporada a emergência, a finitude, a criaçã< está ligada, portanto, à vontade racional fíxj mas ao inconsciente, que se estende por sob que conhecemos em direção às origens do hi fico se caracteriza não porque faz retomar i mas porque o mundo recriado adentra o suje vivendo na medida em que opera pontos de des. N este sentido, a cartografia se configur exopõíetico, pois produz mundç>s, r.edes de

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