P eter P á l P elb a rt
Toni Negri tem razão. Apesar da catástrofe que parece estar no fundo da obra de Giacomo Leopardi (por exemplo, a memória dos vários fracas sos históricos, como o do século das Luzes e da Revolução Francesa), sua poesia é uma lufada de imaginação, de transgressão e de ressurgência. Que o leitor me perdoe o desvio aqui proposto, mas não há como deixar de alu dir a um dos mais belos textos sobre o tédio e a alegria escritos pelo poeta italiano, publicado como parte de seus Opúsculos morais, em junho de 1827. Chama-se “História do gênero humano”,1
A ÂNSIA DO IM POSSÍVEL
Era uma vez uma terra, muito menor do que a nossa, com regiões pla nas, céus sem estrelas, sem mar, homens todos da mesma idade, em suma: por toda parte havia muito menor variedade e magnifíciência do que hoje. Contudo, os homens compraziam-se insaciavelmente em observar e admirar o céu e a terra, consideravam-nos lindíssimos, imensos, infinitos tanto em majestade como em graça, e extraíam de cada sentimento incríveis delí cias, crescendo contentíssimos, com um pouco menos do que se chama fe licidade. M as passada a infância e a adolescência, dimuinuiu aquela viva cidade nos seus espíritos. Passaram a andar pela Terra, e perceberam que
Peter Pál Pelbart é professor do Program a de Pós-G raduação em Psicologia C línica pela
PUC de São Paulo. G raduado em Ciências Sociais pela U SP e Filosofia pela Universite Paris IV (Paris-Sorbone). É doutor em Filosofia pela U SP cuja tese se tom ou o livro O tempo não-reconcihado: imagens de tempo em Deleuze. Seu mestrado pela PUC/SP tam bém lhe rendeu uma publicação intitulada Da clausura do fora ao fora da clausura: oucura e desrazão. Publicou ainda A nau do tempo rei e Vertigem por um fio.
embora grande, tinha limites certos e não tão vastos que fossem inatingí veis. Pelo que crescia o seu dissabor, de modo que um manifesto tédio de existir os invadia universalmente. Aos poucos, com a saciedade, ficaram tão desesperados, não mais suportando a luz e o ar que respiravam antes, que cada um a seu modo foi se privando deles.
Isso pareceu horrendo aos deuses, que a morte fosse preferida à vida pelas criaturas humanas, cuja espécie haviam formado com tão singular apuro e com maravilhosa excelência. Júpiter deliberou então, para melho rar a condição humana, e orientá-la para a felicidade com maiores subsí dios, mas sem poder satisfazer plenamente ao desejo de infinito que ambi cionavam os homens em toda coisa e neles mesmos, e de juventude eter na, que contrariava as leis da natureza e os decretos divinos, e de perfei ção, Júpiter resolveu então propagar os termos da criação, enfeitá-la: en grandeceu a terra, infundiu o mar para diversificar-lhe a aparência e intro duzir distâncias, aumentando os confins incognocícveis, pôs em tudo ares de imensidão, em profundidade, em altura, na noite, na luz, na temperatu ra. Mas também diversificou as idades, de modo que a velhice de uns sor vesse a juventude de outros, e vice-versa. Para multiplicar ainda mais o in finito, nutrindo a imaginação dos homens, criou o eco, escondeu-o nos va les e nas cavernas, proveu as selvas de ruído surdo e profundo, e criou os sonhos, encarregados de iludir os homens com aquela plenitude de uma incompreensível felicidade, com imagens obscuras e indeterminadas, pe las quais os homens suspirariam incessante e ardentemente.
Levantou-se assim o ânimo dos homens, e voltou a graça e o amor à vida, a delícia e o espanto com a imensidão das coisas terrenas. Esse esta do de coisas durou mais que o primeiro, principalmente porque os mais velhos reviviam com a juventude dos moços, mas à medida que o tempo progredia, voltou a faltar a novidade, resssurgiu o tédio e a desestima pela vida, reduziram-se os homens a tal abatimento, de modo que passaram a chorar a cada recém-nascido. Daí nasceu a iniqüidade, da própria calami dade do desencanto.
Punidos com o dilúvio, restaram apenas dois sobreviventes, que pouco a pouco restauraram a espécie humana. Júpiter, que entendeu a ânsia de impossível que atormentava os humanos, e que essa ânsia aumentava na proporção em que diminuíam os demais males com os quais deviam preo cupar-se, decidiu entreter os homens em mil atividades e desviá-los o m á ximo possível do diálogo com o próprio espírito. Difundiu entre eles do enças e desventuras, a ver se se contentavam com o bem que possuíam. Sabia que com a dor aumenta a esperança e o apego à vida, que os infeli zes têm certeza de que seriam felicíssimos caso se livrassem de sua dor presente. Lançou também trevas, raios, eclipses, e estabeleceu o espanto
entre os mortais, a ver se se reconciliariam os homens com os momentos de apaziguamento. Enviou igualmente para eles alguns espectros, como Justiça, Virtude, Glória, Amor-pátrio, Verdade. Tais visões fizeram bem aos homens, mas cobraram deles muito esforço e vida e sangue. M as também elas com o tempo deterioraram-se e cresceu entre os humanos o fastio, e o amargo desejo de felicidade desconhecida.
NIILISM O E HORROR
E hora de interromper o pastiche que fiz do texto de Giacomo Leo- pardi sobre a “História do genero humano”, do qual usei trechos inteiros e deformei muitos outros, omitindo várias passagens. Meu propósito inicial é desprender-me do encanto que suscitou em mim essa historinha que te ria agradado a Schopenhauer ou Cioran, grandes admiradores de Leopar- di, mas também a Nietzsche, no pólo oposto da alma filosófica. Qual é um dos motos desse texto? E a idéia de uma roda do tédio que arruina o ho mem e contra o qual o deus luta, a cada vez inventando um expediente novo, mais engenhoso ou alambicado, seja de diversificação, de tortura, de ele vação, de aspiração, de humilhação. A idéia, de qualquer modo, é que a existência não basta para dar ao homem a alegria que lhe caberia. Tampouco o mundo se basta. Tudo advém dessa indigência, que nenhum deus pode jamais preencher. Um pouco rapidamente, e de modo expeditivo, vejo nessa idéia como que um horizonte moderno de desencanto, cuja teoria Scho penhauer desenvolveu com maestria filosófica, e em cujo oco vem alojar- se de maneira compensatória a idéia de prazer, alegria, felicidade. Não é fácil escapar dessa dinâmica, o nada e o infinito, a indigência e a promes sa, a tortura e o repouso... Não está claro, tampouco, a que ponto em Leo- pardi, assim como em Schopenhauer, não é essa uma antecipação visioná ria da absorção da sociedade pela artificialidade capitalista, na sua homo geneização indiferente e no misto de tédio e horror que ela inspira.2
O fato é que vivemos um momento particularm ente aflitivo, no to cante aos afetos que o contexto social nos inspira. Poderíam os evocar os últimos acontecimentos em Nova York e o clima de estupor, terror, para nóia, mobilização bélica, mas é preciso dizer que a sensação de niilismo que o atentado apenas escancarou o antecede em muito. Em todo caso, numa atmosfera dessas falar sobre alegria é uma tarefa impossível, e no entanto, talvez tanto mais necessária. No belo diário de Viktor Klempe- rer, um professor de literatura judeu que descreve o dia-a-dia durante a
ascenção do nazismo, as poucas vezes em que aparece a palavra alegria é para falar da relação da esposa com os gatos, “a única coisa que signi fica uma alegria genuína e uma ligação autêntica com a vida.”3 Pois bem, nossa época obviamente é outra, não estamos presenciando a ascenção do nazismo, mas temos a impressão, por vezes, de que carecemos de ins trum entos conceituais para apreciar o que nos acontece com luzes dife rentes daquelas que iluminam o proscênio da comédia social. Daí o en tusiasm o que me inspirou o estudo de um italiano radicado em Paris, M aurizio Lazzarato, que pôs em questão tantos lugares comuns sobre afetos sociais.4 Eu vou resumir em poucas palavras uma teoria rica e com plexa, inspirada em Gabriel Tarde. Tarde é um sociólogo-filósofo do fi nal do XIX, que desenvolveu o que se poderia chamar de uma economia afetiva, ou uma economia psicológica, num a direção inteiramente estra nha ao século positivista em que ele viveu.
DESEJO E SIMPATIA
Tomemos a questão do desejo. O desejo em Tarde é um pleno, não lhe falta nada, ele é um absoluto, uma força, uma virtualidade que tende à sua atualização: ele tende a ir ao limite de sua potência. Mesmo o que cha ma de desejo aquisitivo encontra sua base, não numa incompletude do ser, mas numa expansividade essencial, numa ambição propagatriz. Na sua ir radiação infinita a força encontra outras forças com as quais ela se com põe segundo interferências felizes, ou infelizes, estabelecendo relações de comando e obediência, ou de cooperação. N essa espécie de metafísica de Tarde, a força não faz a experiência da falta, mas do limite, o que é outra coisa. Toda força se associa ou entra em conflito com outras forças para satisfazer sua avidez conquistadora, para aumentar sua irradiação e trans formar o limite num obstáculo a transpor.
Concedamos a Tarde esse ponto de partida, sejam quais forem as ob- jeções que se possa evocar a respeito. O passo seguinte é examinar como essa força afetiva opera. Para Tarde, tudo se passa por imitação e inven ção, todos imitam e inventam, imitam e impõem variações ao que imitam, e a vida social inteira poderia ser reconstruída à luz dessas duas constan tes. Daí segue-se que todos e qualquer um inventam, na densidade social da cidade, no trabalho, na conversa, nos costumes, no lazer - todos inven-
1 Victor Klemperer. Os diários de Victor Klemperer. São Paulo: Cia das Letras, 1999. 4 C f M aurizio Lazzarato, Puissances de l 'invention, Paris, Les empecheurs de penser en rond, 2002.
tam, mas inventam o quê? Novos desejos e novas crenças, novas associa ções e novas formas de cooperação. A invenção não é prerrogativa dos gran des gênios, nem monopólio da indústria ou da ciência, ela é a potência de todos e de cada um. Quando eu imito um gesto e submeto esse gesto a uma pequena variação, por minúscula que seja, isso constitui uma invenção, na medida em que ao ser imitado, toma-se quantidade social, e assim pode ensejar outras invenções e novas imitações, novas associações e coopera ções. Quando foi que o primeiro jovem começou a usar o boné virado para trás? Difícil dizer quem foi o inventor desse gesto minúsculo que posterior mente se tom ou a marca de toda uma geração, que ensejou novas associa ções, cumplicidades, hostilidades, agrupamentos, etc.
De todo modo, à luz dessa economia afetiva, a subjetividade é uma força viva, até mesmo uma potência política. Pois as forças vivas pre- sèntes na rede social, com sua inventividade intrínseca, criam valores pró prios, e manifestam sua potência própia. E o cjue alguns chamam de po tência de vida do coletivo, sua biopotência. É um misto de inteligência coletiva, afetação reciproca, produção de laço. Os economistas se deram conta, nos últimos anos, que a natureza do trabalho contemporâneo soli cita cada vez mais esses ingredientes. Se pensamos em alguns setores de ponta, como tecnociência, mídia, publicidade, são trabalhos que reque rem mais imaginação do que esforço, mais criatividade do que operações maquinais, mais invenção do que repetição, mais solidariedade entre cé rebros do que isolamento solitário. N ada a ver com o trabalho automáti co, burro e repetitivo cuja versão cinematográfica está em Chaplin de Os tempos modernos. Segundo a interpretação de alguns, essa mudança na natureza do trabalho se deve à recusa crescente do trabalho burro e repe titivo, e expressa a vontade de liberar a inventividade, o que hoje se cha ma de força-invenção, e também liberar a “alegria” da cooperação. Não sou eu dizendo, mas os economistas, sociólogos. A aspiração dos homens teria se voltado para a cooperação interpsicológica, intermental, e pode mos citar a internet como um pequeno exemplo de concretização dessa direção histórica que visa o que Tarde chama de “simpatia” . A simpatia como uma potência constitutiva, um princípio cooperativo, uma relação social fundamental.
DIFERENÇA E INVENÇÃO
Mas esse princípio de cooperação, de simpatia, é todo o contrário de uma concórdia homogeneizante. O universo de Tarde é proliferante, múl tiplo, diverso.
Existir é diferir, a diferença, a bem dizer, num certo sentido é o lado subs tancial das coisas, o que elas têm de mais próprio e de mais comum. [...] A diferença é o alfa e o ômega do universo; por ela tudo começa [...] Por toda parte uma exuberante riqueza de variações e de modulações inauditas jorra [das | espécies vivas, sistemas estelares, [...] e acaba por destruí-los e renová- los inteiramente [...] Se tudo vem da identidade e se tudo visa e vai à iden tidade, qual é a fonte desse rio de variedades que nos encanta? Estejamos certos, o fundo das coisas não é tão pobre, tão temo, tão descolorido quan to se supõe. Os tipos não passam de freios, as leis não são senão diques em vão opostos ao transbordamento de diferenças revolucionárias, intestinas, onde se elaboram secretamente leis e tipos de amanhã [,..].5
Aqui tudo é novidade. A propria invenção é um acontecimento ju b i loso, uma combinação singular, encontro, hibndação, novo agenciamento das relações entre as forças, que rearranja as coisas de maneira distinta. É uma pequena diferença introduzida no mundo. Como se vê, entramos numa atmosfera muito distinta daquela presente no conto de Leopardi, onde o tédio leva os homens ao desespero e ao suicídio.
É que no pensamento de Tarde, inventar é uma grande alegria. A ale gria da invenção tem a ver com as novas formas de cooperação que ela enseja. Tarde chega a falar de uma alegria “social”. Diz ele: “Quem diz sociedade diz alegria; a alegria é a flor natural da sociabilidade”. A alegria tem a ver com agir conjuntamente. Mesmo na grande indústria, com toda a exploração ali presente, a cooperação e o agir conjuntamente introduzem alegria na ação. E assim chegamos à tese mais radical de Tarde: toda ação que empenha forças psicológicas, visa “a aquisição da alegria mais do que o evitamento da dor”. É um ponto de vista curioso para alguém com tama nho trato social e econômico como o autor, já que a economia política e a sociologia, mas também algumas vertentes do discurso “psi”, estão fun dadas sobre a falta, a carência, o sofrimento, a dor. Segundo Tarde, são marcas de um pensamento teológico-político. Tarde diz claramente: “Ao ler [tais autores] parece que todas as necessidades dos homens são negati vas, que eles têm por objetivo a supressão de um sofrimento, tal como a fome, a sede, o frio, de natureza orgânica, - ou então essas outras priva ções de natureza intelectual: a ignorância, por exemplo. É verdade, como o quer Schopenhauer, que só a dor é real, que o prazer nada mais é do que sua ausência, sua negação, sua isenção”?
5 Gabriel Tarde, Monadologie et Sociologie, Paris, Collection Les Empêcheurs de Penser en rond.
N um a obra de ficção científica estranhamente premonitória, Tarde se refere a um momento futuro em que um Império único terá recoberto o pla neta, terá conquistado os confins mais longínquos, numa homogeneização crescente, de linguagem, de cultura, de modos de vida, com o que se teria reintroduzido um tédio universal, uma monocronia, uma insipidez global que fará bocejarem os homens, lembrando curiosamente a situação evoca da por Leopardi no inicio desse texto. A partir dessa abolição de toda exte rioridade, porém, Tarde não evoca o surgimento de novos valores superio res que pudessem entreter o homem entediado, tal como o fez Leopardi - ao contrário. Uma catástrofe ecológica, a ação de um bárbaro dissidente, o bastardo Miltíade, misto de eslavo e bretão, teria precipitado uma transva- loração de todos os valores, ao apontar a necessidade de abandonar o alto e os valores transcendentes, e voltar-se para baixo, para as profundidades vulcânicas do planeta, o incomensurável da criação, a invenção comum, a relação verdadeiramente social do que hoje se convencionou chamar de Multidão, a partir de suas virtualidades inexploradas.6
A multidão
Eu gostaria, de posse desses poucos elementos, fazer uma ponte com um pequeno texto escrito por Toni Negri há pouco tempo a respeito do momento que vivemos hoje, nessa estranha transição do moderno para o pós-modemo. Diz Negri que estamos no fim de uma guerra monstruosa que cobriu todo o século XX e que teve resultados tão dramáticos como os da Guerra dos Trinta Anos, vivida no início do século XVII por Descartes. Mas, acrescenta ele, dessas perturbações nasce o novo. O novo, em Des cartes, teve as características do sujeito individual. Entre nós, tem as ca racterísticas de uma multidão ético-política. “M as para ambos, tanto para Descartes quanto para nós, esse filho recém-nascido [seja o sujeito indivi dual ou a multidão] está sujo com todas as dores de sua geração. Padece mos esse momento sem conseguirmos apreender interiormente a alegria da nova descoberta, e estamos confusos diante da potência do acontecimen to assim como, introspectivamente, atordoados com nosso estupor.”
Eis o que eu gostaria de articular minimamente: a alegria indizível ainda com a descoberta dessa nova figura chamada multidão, e a alegria como força intrínseca da própria multidão.
Duas palavrinhas sobre a multidão. Multidão é tradicionalmente um termo pejorativo, ele designava um mundo pré-social que era preciso trans-
formar numa comunidade política. A teoria política distingue multidão e povo, sendo o povo um corpo público animado por uma vontade única, e a multidão um simples agregado, que o governante enfrenta, e que cabe a ele domar, dominar. Diferentemente de Hobbes ou Rousseau, na sua ca racterização negativa da multidão, Espinosa enxergava a democracia como a acentuação máxima da atividade criadora da multidão. Ora, a multidão, e nas condições contemporâneas isso é ainda mais visível, como o diz Vir- no, é plural, centrífuga, ela foge da unidade política, ela não assina pactos com o soberano, ela não delega a ele direitos, ela é resistente à obediência. O povo, ao contrário, converge numa vontade geral, se reflete no sobera no ou no Estado. Ora, com a desagregação das classes sociais e a emer gência de um proletariado imaterial, ou intelectualidade de massa, que tra balha com informação, com programação, com imagens, com imaginação, essa pluralidade de cérebros e afetividade conectados em rede, um certo caráter da riqueza coletiva vem à tona. Ao revalorizar a multidão, Negri fala justamente da potência dessa reserva coletiva, da construção do co mum, e da alegria. A definição espinosana da alegria é: a paixão pela qual a alma passa a uma perfeição maior [Ética, Livro UI]. E a condenaçao vi rulenta que faz Espinosa das paixões tristes: “só uma feroz e triste supers tição proíbe que nos alegremos., quanto maior for a alegria de que somos afetados, tanto maior é a perfeição a que passamos (260).”
M as onde está a M ultidão nesses termos anteriormente definidos, como reserva coletiva plural, como construção do comum, como alegria? Alguns localizam a emergência da multidão na cena contemporânea no movimento de 68. Outros vêem sua ressurgência paulatina no movimento que vai de Seattle a Gênova, passando por Porto Alegre. Ora, temos a im pressão de que tudo isso foi ofuscado subitamente pelo desmoronamento das torres gêmeas e por afetos de massa alternados, de terror, de compai xão, de solidariedade, de júbilo, de ódio, de rebeldia, e é como se vísse mos desfilarem diante de nós signos arcaicos, signos futuros, no mais dra mático e imprevisível cenário desde a Segunda Grande Guerra, em que o que parecia o plácido e tedioso fim da história, descrito por Leopardi ou por Fukuyama, subitamente cede o lugar a um estrondoso terremoto, dei xando entrever o mais sinistro e o mais auspicioso.
CONCLUSÃO
Ora, talvez é chegado o momento de amarrar algumas pontas disso que viemos desenvolvendo. Eu pretendi colher alguns elementos que nos ajudassem a pensar a dimensão política da alegria e a alegria como uma
dimensão do político. Não é um tema fácil, a começar pelo tema clássico da instrumentalização da alegria como pão e circo, como diversionismo,