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Constitucionalizar uma questão, manifestamente, não obsta ao legislador ordinário que promulgue dispositivos a ela reportados. É o que sucedeu no Brasil com o Código Florestal, a Lei de Proteção à Fauna e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, todas normas antepositivas à Constituição Federal de 1988 e notavelmente arrojadas238.

De igual modo, os Estados Unidos da América ainda hoje garantem a salvaguarda ambiental não por meio da Carta Magna, mas de modernas leis como o NEPA239 e de Constituições estaduais, que, aliadas ao zelo de magistrados e doutrinadores em absorver dos diversos princípios e direitos o lampejo da defesa ambiental, logram eficiência na tutela deste bem240.

236 Justificando o aduzido, Pontes de Miranda explana que, nestes preceitos constitucionais “não se veio do múltiplo para a unidade. Vai-se da unidade para o múltiplo”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. P. 313). 237 GOMES CANOTILHO, José Joaquim e MORATO LEITE, Rubens. Direito Constitucional Ambiental

Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015. 6ª Ed. P. 92 e 93.

238 Amado Gomes aponta que o Estado brasileiro “(…) só despertou para a necessidade de concertação de esforços no sentido da elaboração e implementação de uma política nacional do ambiente no início da década de 80 do século XX – com a aprovação da Lei 6.938, de 31 de Agosto de 1981, que introduziu o Plano Nacional de proteção do ambiente. Isto não significa que até então as preocupações ecológicas fossem nulas; mas confirma a sua abordagem meramente sectorial, muitas vezes no plano estritamente estadual (federativo)”. (AMADO GOMES, Carla. O Direito ao Ambiente no Brasil: Um Olhar Português. In Textos Dispersos de Direito do Ambiente. AAFDL: Lisboa, 2005. P. 274).

239 O National Environmental Policy Act de 1969 apresentou tão significativa inovação na proteção do ambiente que chegou mesmo a falar-se em soçobro das inúmeras emendas sobre o assunto apresentadas no Congresso norte-americano, avigorando ainda mais a tese da prescindibilidade delas, conforme preceitua Schlickeisen (SCHLICKEISEN, Rodger. The Argument for a Constitutional Amendment to Protect Living

Nature. In SNAPE, William J. Biodivesity and the Law. Washington: Island Press, 1996. P. 221).

240 Vide MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. P. 472.

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Ainda assim, a experiência comparada aparenta assinalar que a guarida constitucional, expressa em dispositivos acurada e detidamente elaborados, para além de representar abstrata repercussão política e moral241, ostenta grande êxito em conduzir e moldar de forma prática a governança ambiental do país242.

Características específicas desta constitucionalização do ambiente podem ser divisadas, tais como a instauração de patente dever de não degradar, antagônico ao direito de exploração inerente ao direito de propriedade; a limitação e condicionamento da exploração da propriedade e observação de sua função social243; a projeção da tutela ambiental ao patamar de direito fundamental244; a legitimação e imposição da intervenção estatal245; o refreamento da discricionariedade administrativa246; a ampliação da participação pública247, dentre outros.

241 PRIEUR, Michael. Droit de l’Environnement. 5 Ed. Paris: Dalloz, 2004. P. 65.

242 GRAVELLE, Ryan K. Enforcing the Elusive: Environmental Rights in East European Constitutions. In Virginia Environmental Law Journal, v. 16, 1997. P. 660.

243 Também denominada ecologização da Constituição, tal inovação objetivou mudar o paradigma de utilização da propriedade e dos recursos naturais, para uma tendência sustentável. Assim, a gestão da propriedade transita do absoluto direito de exploração em direção ao direito de exploração apenas quando resguardadas as peculiaridades ecológicas (sob a visão biocêntrica) e indispensáveis à saúde humana. Disto decorrem naturalmente figuras como a inversão do ônus da prova da inocuidade da atividade a ser realizada, a imposição de licenciamento e a responsabilidade objetiva na reparação dos danos. (CHIAPPINELLI, John A. The Right to a Clean and Safe Environment: a Case for a Constitutional Amendment Recognizing Public

Rights in Common Resources. Buffalo Law Review, v. 40, 1992. p. 604). Acerca da “dimensão ambiental

da função social da propriedade”, ver PURVIN DE FIGUEIREDO, Guilherme José. A Propriedade no

Direito Ambiental: A Dimensão Ambiental da Função Social da Propriedade. 2 ª. Edição. Rio de Janeiro:

ADCOAS/Ed. Esplanada, 2005. P. 20.

244 BRANDL, Ernst e BUNGERT, Hartwin. Constitutional Entrenchment of Environmental Protection: A

Comparative Analysis of Experiences Abroad. Harvard Environmental Law Review, v. 16, 1992. P. 08.

Cumpre ressaltar que, conforme redação do parágrafo primeiro do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, as normas que definem direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata.

245 Com o abarcamento da proteção ambiental pela Constituição, a regulação estatal já não mais urge pretexto de validade, eis que se dá justificada está. Sua atuação passa a ser preventiva e positiva, pretendendo governabilidade afirmativa. (H. TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. 3 Ed. New York: Foundation Press, 2000. P. 16). Vide SAX, Joseph L. The Search for Environmental Rights. Op. Cit. P 65.

246 O artigo 225, caput, e § 1º da Constituição brasileira obriga que os órgãos administrativos brasileiros observem o meio ambiente em suas deliberações, configurando o delito de improbidade administrativa e outros a inobservância desse dever.

247 É este um tema particularmente interessante na esfera ambiental, eis que, de certa forma, se propõe a afrouxar o excessivo formalismo individualista que engessa a implementação de direitos e obrigações constitucionais. Ora, privado da perspectiva de questionamento coletivo, judicial e administrativo, toda sorte de prerrogativas concedidas ao cidadão estaria esvaziada de utilidade e conveniência. Bem por isso, o artigo 129 da Carta Máxima brasileira assegura a viabilidade de intervenção processual coletiva, enquanto que a Lei nº 7.343/85 garante e regula a ação civil pública. Nesse sentido: HERMAN V BENJAMIN, Antônio. A Insurreição da Aldeia Global contra o Processo Civil Clássico. Apontamentos sobre a Opressão

e a Libertação Judiciais do Meio Ambiente e do Consumidor. In Milaré, Édis. Ação Civil Pública: Lei

7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após Dez Anos de Aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. P. 70 a 151; JAMES ANTIEAU, Chester e RICH, William J. Modern Constitutional Law. 2ª Edição. St. Paul: West Group, 1997. P. 660.

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Incomensuráveis outros desdobramentos poderiam ser aventados, como a elevada segurança normativa, em virtude, inclusive, do caráter rígido da Constituição brasileira, o assentimento do controle formal e material de constitucionalidade e a máxima superioridade e visibilidade dos direitos e deveres ambientais tutelados248, contudo, limitemo-nos à matéria proposta no capítulo em curso.