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1.4. FEDERAÇÕES MADURAS

1.4.1. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Em congruência com o exposto no início deste Capítulo, o marco inaugural da forma federativa de Estado se deu com a Constituição americana de 1787. Desta forma, se faz imperioso relatar, mesmo que privado do aprofundamento merecido, o surgimento e as particularidades do sistema federalista dos Estados Unidos da América.

Antes mesmo que a independência do país fosse proclamada, as treze colônias britânicas norte-americanas116 se reuniram no Congresso Continental, que se converteu no primeiro governo dos Estados Unidos da América117 no decorrer da Revolução Americana.

Desenrolado na Filadélfia em 1774, o Primeiro Congresso Continental pode ser assimilado como uma resposta às denominadas Leis Intoleráveis118, que, dentre outras

providências, perpetrou a paralização das relações econômicas com a Grã-Bretanha. Por sua vez, o Segundo Congresso Continental adotou medidas mais consistentes, como a criação do Exército Colonial e aprovação dos Artigos de Confederação, que criou a Confederação dos Estados Unidos da América e instituiu a soberania, independência e liberdade de cada um dos Estados119.

Contudo, esbarando em dificuldades representadas pela ausência de poderes coercitivos e a rigidez exacerbada a imobilizar o Congresso, este não foi capaz de resistir ao revés econômico sofrido ao fim da Guerra da Independência e a Confederação não

116 São elas: New Hampshire, Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New York, New Jersey, Pennsylvania, Delaware, Maryland, Virginia, North Carolina, South Carolina e Georgia.

117 Simões dos Reis investiga no mesmo sentido: “(…) Antes da guerra de independência ter começado, a declaração respectiva já mostrava traços da federação que, mais tarde, passaria a existir. O termo United States não passa desapercebido aos olhos do leitor no último parágrafo: ‘We, therefore, the representatives of United States of America, in general Congress assembled, (...), solemnly publish and declare, that these united colonies are, and of right ought to be, free and independent states. (…)[And] have full power to levy war, conclude peace, contract alliances, establish commerce, and to do all other acts and things which independent states may of right do’. Contrários a um governo unificado, entretanto, as palavras free e independent são mais incisivas ainda do que o sentido de união representado por outros vocábulos. A confrontação entre as liberdades coloniais e a autoridade central, então, guiou a gestação do embrião da federação.” (SIMÕES DOS REIS, Marcelo. O Federalismo no Brasil e nos Estados Unidos: Um Estudo

Comparado numa Abordagem Histórica. In Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB,

Volume 02, Número 01. Brasília: UniCEUB, 2005. P. 237).

118 The Intolerable Acts ou The Coercive Acts, impostas pela Inglaterra às suas colônias norte-americanas. 119 “II. Each state retains its sovereignty, freedom and independence, and every Power, Jurisdiction and right, which is not by this confederation expressly delegated to the United States, in Congress assembled.” (Articles of Confederation: March 1, 1781).

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obteve êxito. Perante o cenário, doze dos Estados compartes agruparam-se na Convenção da Filadélfia de 1787, em que propuseram uma Constituição que abrangesse todos os Estados, formando um governo único120.

Para além de comungarem mesmo idioma, religião, costumes e leis semelhantes, os Estados soberanos norte-americanos, então, abdicariam de sua soberania para integrar a Federação e se submeter ao governo dos Estados Unidos da América. Os representantes de Nova Iorque e Virgínia, Alexander Hamilton e James Madison, chegaram a compilar artigos a fundamentar a nova forma de organização, no intuito de esclarecer a população acerca da necessidade de adotá-la121.

Entretanto, se materializou o grave problema de que a mera união com a absoluta extinção da soberania e autonomia dos Estados duvidosamente seria aceita por todos eles. Assim, acertadamente foi idealizada a alternativa para solver o impasse: a soberania seria transferida, ao menos de modo formal, ao povo dos Estados Unidos122.

Quanto ao exercício da soberania, a solução foi dada pela Carta Magna recém concebida, que outorgou poderes à União ao mesmo tempo em que concedeu outros aos

120 Ackerman alerta que a legitimidade desta Convenção de Filadélfia para promulgar a Constituição dos Estados Unidos da América é um tanto quanto questionada pela doutrina do país, intuindo o autor que a Convenção agiu de maneira ilegal, transgredindo o artigo XIII dos Artigos de Confederação, que impunha a concordância de todos os Estados antes que qualquer transfiguração constitucional fosse promulgada. (ACKERMAN, Bruce. Nós o Povo Soberano: Fundamentos do Direito Constitucional. Tradução de Mauro Raposo de Mello. Coordenação e Supervisão de Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. Pp. 556, 57 e 233).

121 Importa transcrever trecho retirado do primeiro artigo do livro O Federalista: “(…)Proponho-me a discutir, em uma série de artigos, os seguintes temas de grande interesse: A utilidade da UNIÃO para a nossa prosperidade política – A insuficiência da atual Confederação para preservar essa União – A necessidade de um governo pelo menos com vigor similar ao do proposto para atingir tal objetivo – A conformidade da Constituição proposta com os verdadeiros princípios do governo republicano – Sua analogia com a Constituição de vosso próprio Estado – e finalmente – A segurança adicional que sua adoção propiciará à preservação desta forma de governo, à liberdade e à prosperidade”. (HAMILTON, Alexander; MADISON, James e JAY, John. O Federalista. Tradução de Heitor Almeida Herrera. Brasília: UNB, 1984, P. 102).

122 “Por um lado, considerar um governo nacional como soberano alienaria grande parte do poder popular compromissado com a identidade política do Estado e provocaria o temor da possibilidade da tirania centralizada. Por outro, identificar os governos dos Estados como ‘soberanias’ inequívocas enfraqueceria o princípio inicial do Federalismo, que era o de constituir um novo governo central que pudesse manejar o poder de forma ilimitada, porém substancial. Os Federalistas brilhantemente perceberam que a ideologia radical do Partido Constitucional permitia uma terceira resposta: negar que qualquer governo pudesse ser visto como ‘soberano’; insistir em afirmar que, nos Estados Unidos, a única soberania legítima era a do povo, que podia delegar diferentes poderes a diversos tipos de governo desde que servissem para o cumprimento do bem comum”. (ACKERMAN, Bruce. Nós O Povo Soberano: Fundamentos do Direito

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Estados. À União caberia gerir interesses comuns e que não poderiam ser satisfeitos pelos Estados sem atravancar o governo central, enquanto que aos Estados restaram todos os demais poderes, não privativos da União nem que expressamente haviam sido vedados a cada unidade federada. Dessarte, “(…) o governo dos Estados ficou sendo o direito comum; o governo federal foi a exceção”123.

Nesta esteira, a Constituição americana de 1787 estatuiu o poder Legislativo com seu formato bicameral, o Executivo, chefiado pelo Presidente da República com mandato de quatro anos, e o Judiciário, a cargo da Suprema Corte e das Cortes inferiores. Por sua vez, os Estados permaneceram regulados por Constituição estadual e com estrutura de poder semelhante à federal124.

Bernard Schwartz enumera os elementos medulares do federalismo dos Estados Unidos da América, a saber: “(…) a união de um número de entidades políticas autônomas (estados) para fins comuns; a divisão dos poderes legislativos entre o Governo nacional e os estados constituintes (…); a atuação direta, na maior parte, de cada um destes centros de governo, dentro de sua esfera designada, sobre todas as pessoas e todas as propriedades existentes (…); o aparelhamento de cada centro com o completo mecanismo de imposição da Lei, tanto executivo quanto judiciário; e a supremacia do Governo nacional, dentro de sua esfera designada, sobre qualquer afirmação conflitante de poder estadual”125.

Hodiernamente, cinquenta Estados e o Distrito de Columbia compõem a Federação americana.