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MELHOR DEFINIÇÃO E MAIOR ATRIBUIÇÃO DE PODERES

4.2. ALTERNATIVAS POSSÍVEIS DIVISADAS

4.2.1. MELHOR DEFINIÇÃO E MAIOR ATRIBUIÇÃO DE PODERES

O artigo 25, §3º. Da Carta Constitucional brasileira faculta aos Estados-membros que, mediante lei complementar, instituam regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Nada obstante, não se verificou o comprometimento dos municípios e estados

no desenvolvimento dessas regiões metropolitanas como ferramentas

intergovernamentais para a resolução de adversidades a eles comuns, tomando o movimento de descentralização brasileiro a aparência de uma “municipalização autárquica”, em que aos municípios foi lançada a responsabilidade total de implantação de políticas sociais, malgrado suas evidentes desigualdades técnicas e econômicas339.

Além disto, face às confusões constitucionais de competências, se instaurou conveniente ciclo de debandada de responsabilidades entre os governos, de modo que nenhum deles quis se imiscuir a assumir tarefas, culminando no arraigamento de relações intergovernamentais não coordenadas e competitivas, talvez fundado na crença de que seria a instituição de regiões metropolitanas agente determinante da diminuição do poder tanto dos estados quantos dos municípios.

Nesse decorrer, muito em função da preponderância da concepção descentralizadora municipalista trazida pela Constituição Federal, restaram os instrumentos de parceria ou cooperação no plano subnacional encolhidos e, quando presentes, apresentando traços de grande fragilidade institucional340.

339 De acordo com os autores: “os governos estaduais e os municípios metropolitanos, embora reconheçam formalmente a importância da questão institucional metropolitana, tendem a ver esta questão como um jogo de soma-zero, em que a maior governança implicaria diminuição de poder para estados e/ou municípios. (...) Os atores políticos com maior cacife político – normalmente agências estaduais de vocação urbana e municípios maiores – tendem a ser conservadores e arredios diante de propostas de mudança do status quo.” (AZEVEDO, Sérgio de; DOS MARES GUIA, Regina. Reforma do Estado e Federalismo: os Desafios da

Governança Metropolitana. In: QUEIROZ RIBEIRO, Luiz César de. O Futuro das Metrópoles: Desigualdades e Governabilidade. Rio de Janeiro: Revan-FASE, 2000. P. 530).

340 ABRUCIO, Fernando. A Reconstrução das Funções Governamentais no Federalismo Brasileiro. In: HOFMEISTER , Wilhelm; BRASILIENSE CARNEIRO, José Mario. Federalismo na Alemanha e no

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Outro pormenor a ser considerado reside em que a União passou a direcionar recursos aos municípios sem a intermediação dos estados, o que concorreu para que a prestação dos serviços fosse ainda mais individualizada. Desta seita, o ente municipal que logra o recurso federal dele se vale para resolver problemas internos, não considerando os municípios adjacentes, o que denota a fragilidade da cooperação supramunicipal brasileira341.

Carrera Justis leciona que “(...) a ideia de município implica correlação político- administrativa, ou pelo menos política, com um poder superior, o do Estado, ao qual a municipalidade está submetida, embora dentro da mais ampla autonomia342”.

Desta maneira, a ideia de uma disposição orgânica de funções é inseparável do próprio conceito da existência do Estado, eis que é natural que um centro automático de atividade resulte em subcentros de aplicação, expansão e coordenação, para que o desempenho nas diversas frentes desta atividade seja mais ligeiro e eficiente343.

Assim, graças à autonomia que a Constituição de 1988 concedeu aos Municípios da federação, estes dispõem de poderes administrativos, financeiros e políticos para o exercício de governo e administração próprios, equivalendo suas leis orgânicas a “Constituições Municipais344”.

Desta feita, um ente dotado de poder de auto-organização345, autogoverno346, normatividade própria ou autolegislação347 e autoadministração348, resta perfeitamente apto a exercer excelentemente suas obrigações ambientais sem que o recurso a qualquer outra instância seja determinante, primordial e repetitiva. Mais ainda sendo competente

341 A esse respeito, vide PROSPERI MEYER, Regina Maria; DORA GROSTEIN, Marta e BIDERMAN, Ciro. Aspectos Relevantes do Quadro Metropolitano Brasileiro. São Paulo: Mimeo, 2001.

342 NOBRE DE MELO, Martinho. Noção Jurídica da Descentralização. Op. Cit. P. 739. 343 Idem. Ibidem.

344 Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado (...).

345 Segundo Lopes Meirelles, consiste no poder de elaboração de lei orgânica própria. 346 É o poder de eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores.

347 A elaboração de leis municipais dentro dos limites de atuação traçados pela Constituição da República. 348 administração própria para criar, manter e prestar os serviços de interesse local, bem como legislar sobre os tributos e suas rendas.

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paralegislar sobre assuntos de interesse local349 e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber350.

Como resposta às contendas acerca dos contornos da expressão interesse local, Lopes Meirelles aclara ser “aquele que direta e imediatamente atinge a comunidade que vive o problema a solucionar (...) não podendo delegar a nenhum outro ente político o poder de legislar sobre o interesse que lhe é próprio e particular351” e Leme Machado acresce que a sistemática leva a que “o interesse local – inserido no Município – não poderá ser anulado pelos interesses que o envolverem em escala maior, mas levado em conta no balanceamento dos interesses352”.

Para o caso de despontarem possíveis argumentos impeditivos de ordem tributária, cumpre rememorar que a Constituição Federal prevê regra estável sobre a descentralização fiscal e os repasses de recursos financeiros aos Municípios, independendo a aplicação das rendas municipais de qualquer consulta prévia a outro ente federativo, sendo bastante à lei orçamentária municipal que contenha as dotações necessárias para tanto353.

Por fim, convém pontilhar que a violação à autonomia do Município por parte do ente estadual que o abriga enseja a intervenção federal354. A seu turno, a violação da autonomia municipal por parte da União suscita o controle de constitucionalidade abstrato ou concreto pelo Poder Judiciário.

No que respeita ao conceito de autonomia, ainda que intermináveis discussões, suscitadas em especial pela escassez de método científico e pela abundância de pontos de

349 O Supremo Tribunal Federal por diversas vezes se manifestou sobre a competência do Município na legislação de assuntos de interesse local, como, por exemplo, na Súmula de Jurisprudência Predominante nº 645: “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”. 350 Artigo 30 da Constituição Federal.

351 LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Municipal Brasileiro. 6ª. Edição. São Paulo: Malheiros, 1993. P .98.

352 LEME MACHADO, Paulo Affonso. O Município e o Direito Ambiental. Revista Forense, Volume 317. P. 190.

353Consoante os artigos 145, 149-A e 156 da Constituição Federal, pode o Município instituir, cobrar e

arrecadar os seguintes tributos: Imposto sobre a Propriedade predial e Territorial Urbana (IPTU), Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto sobre a Transmissão inter vivos de Bens e Imóveis e de direitos reais a ele relativos (ITBI), taxas, contribuição de iluminação pública e contribuições de melhoria. Outrossim, recebem transferências de verbas federais e estaduais, nos termos do artigo 158 e 159 do Diploma Máximo brasileiro.

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vista sociológicos, políticos ou precisamente jurídicos sob os quais se intenta precisar conteúdo, não resta dúvidas de que os dispositivos constitucionais brasileiros não meramente consagram a autonomia municipal como princípio de sistematização política e administrativa, como, igualmente lhe patenteiam conteúdo inderrogável por lei ordinária, consubstanciado em direito público subjetivo, oponível à União e aos Estados355.

Desta maneira, ausente qualquer fundamento solene ou sobrepujante às vantagens reportadas, patente desperdício seria a manutenção da confusão legal, jurídica e hermenêutica que acomete o arcabouço político-administrativo brasileiro e lança em risco a higidez do ambiente, constitucionalmente assegurada.