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2.3. A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

2.3.2. O ESTADO REGIONAL DA ESPANHA

A Constituição Espanhola de 1978 declarou a indissolúvel unidade da nação e garantiu o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a integram, bem como a solidariedade entre elas199. Esses traços que caracterizam a estrutura organizacional do país são oriundos da junção de fatores sociais e comunitários, eis que as regiões refletem as diferentes realidades geográficas e históricas ali conviventes. Assim, as exigências

196 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Tomo III. Coimbra Editora, 2007. P. 454.

197 Art. 235º. 1. A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais. 2. As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.

198 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Op. Cit. Idem. Ibidem. 199 ESPAÑA. Constitución, (1978). Madrid: Ministerio de Asuntos Exteriores, 1979.

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heterogêneas de governabilidade e os pontos de tensão resultantes das diferenças culturais das entidades regionais podem ser harmonizadas200.

A concepção constitucional do Estado regional, conforme pincelado no capítulo anterior, é relativamente recente e, embora a exata delimitação do regionalismo como Estado unitário ou composto gere discordâncias, há consenso quanto a algumas perspectivas fixadoras de seus traços jurídico-institucionais.201 Acerca da classificação entre Estado regional homogêneo, com concessão uniformizada de autonomias regionais, e heterogêneo, Jorge Miranda ensina que o país contem comunidades autônomas dotadas de regimes jurídicos diversos, sendo, dessarte, exemplar categórico de regionalismo heterogêneo202.

Na Espanha, o País Basco, a Catalunha, a Galícia e catorze entidades mais estampam condição de comunidades autônomas, usufruindo de extensa e variável gama de poderes de autogoverno em setores tais como língua, cultura, educação e economia203,

o que revela o empenho do país em acolher as diversidades territoriais e convertê-las em possibilidades de coesão política e concórdia entre as unidades do Estado.

Para tanto, a algumas das Regiões foram concedidas competências particularizadas para que com êxito pudessem exercer as vantagens oriundas da autonomia e do autogoverno, ao passo que, para outras foram destinados poderes fiscais e de realização de investimentos explícitos, sobrepujante ao garantido às demais comunidades autônomas. Tais iniciativas compensatórias foram cruciais para a integração e aceitação de todos os variegados setores do Estado espanhol204.

Entretanto, acontecimentos recentes, como o referendo de independência, convocado pelo Governo Regional da Catalunha em outubro de 2017 e rechaçado pelo

200 FERRANDO BADIA, Juan. El Estado Unitario, el Estado Federal y El Estado Autonomico. Madrid: Tecnos, s/d. Pp. 144/5.

201 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. Pp. 301/2. O autor discorre acerca das definições de Estado regional integral, quando todo o território é dividido em regiões autônomas, e regionalismo parcial, verificado quando há regiões politicamente autônomas e outras com mera descentralização administrativa.

202 Idem. Ibidem.

203 PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do Desenvolvimento Humano

2004: Liberdade Cultural num Mundo Diversificado. Sakiko Fukuda-Parr (coord.). Lisboa: Mensagem

Serviços de Recursos Editoriais, 2004. P. 51. 204 Idem. Ibidem.

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Governo da Espanha, ilustram de maneira inequívoca a enorme dificuldade do país em acondicionar e conciliar as diferenças regionais para manter sua unidade.

Para que a engrenagem espanhola satisfatoriamente gerencie a interação, bem como preserve a autoridade nacional e concomitantemente os comandos periféricos, doutrinadores relatam haver interdependência governamental entre a Constituição e os Estatutos de Autonomia, que são as normas essenciais orientadoras do arranjo institucional e das competências das comunidades autonômicas. Este sistema funciona esteado em regras constitucionais que viabilizam a descentralização, seja através da concessão máxima de autonomia às três nacionalidades históricas – Galícia, País Basco e Catalunha – e à Andaluzia, seja em dimensões menos expressivas205.

Não se afigura inesperável que as Regiões que não receberam a autonomia máxima possível lancem mão de tratativas em busca de ampliação em seus quadros de competência junto ao poder central, por intermédio de reexames em seus Estatutos de Autonomia206, dotando de caráter transitório suas situações atuais retro expostas.

Ademais, em um sistema tão complexo e fértil como este, rico em possibilidades de aplicação das inúmeras diferenciações jurídicas, assimetrias estão presentes, o que levou Torrecillas Ramos a apregoar que, no método de descentralização política espanhol, as Regiões são diferenciadas com base em critérios de prosperidade e índice de desenvolvimento econômico e por fatores culturais, étnicos e históricos207.

Sob uma perspectiva panorâmica acerca da praxe estatal lá inaugurada, o autor complementa que está revestida de “(...) um modelo de ‘múltipla concorrência etnoterritorial’, que relaciona mobilização subestatal com relacionamento competitivo entre regiões e nacionalidades espanholas na perseguição de poder político e econômico, tanto quanto da legitimação de seus desenvolvimentos institucionais”208.

205 FLEURY, Sonia. Democracia, Descentralização e Desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de Janeiro: FGV, 2006. P. 241.

206 Cumpre ressaltar que não é este o único meio de transferência ou delegação de competências legislativas a tais comunidades autônomas, sendo possível às Cortes Gerais, que no sistema federativo correspondem ao Poder Legislativo estadual, que assim procedam.

207 TORRECILLAS RAMOS, Dircêo. O Federalismo Assimétrico. 2ª Edição. São Paulo: Forense, 2000. P. 145.

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Enfim, inúmeros contrastes existem no formato de descentralização adotado na Espanha e no Brasil209, obviamente motivados, dentre outros, pelas diferentes formas de Estado assumidas, pelo que não ousa este trabalho nelas propor alterações, mas brevemente analisar seus ordenamentos jurídicos e explorar as potencialidades guardadas.

Outrossim, afastaria tal pretensão a percepção do significativo empecilho que haveria ao Estado Regional da Espanha em sucumbir ao federalismo, representado pela inviabilidade em se criar mecanismos técnicos de descentralização que lograssem resguardar o sentimento de comunidade tão estimado pelas Regiões autônomas que ali se formaram. Quanto ao fortalecimento em cada comunidade autônoma do ideal de fidelidade constitucional e da compreensão da grandeza que representa a maior unidade do país, este sim seria bem-vindo210.