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3.4. REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS ENTRE OS ENTES

3.4.3. MUNICÍPIOS

Em conformidade com o reportado no capítulo primeiro, a figura do Município foi aperfeiçoada pela Constituição brasileira de 1988, que o condecorou com relevância constitucional. Contudo, no que soa à proteção do ambiente, a clareza pertinente não foi ofertada pela Carta Magna ao elencar as competências próprias do ente, priorizando o arrolamento expresso das competências administrativas comuns também aos estados e à União, conforme será oportunamente tratado.

Sob o enfoque executivo, parcas são as competências ambientais reservadas aos Municípios, merecendo destaque a adequada promoção do ordenamento territorial, a ser feita mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano279 e que está associada à competência federal de executar planos de organização

do território regional. Outrossim, cabe ao Município proteger o patrimônio histórico- cultural local com observância da legislação e da ação fiscalizadora da União e dos Estados280.

No âmbito legislativo, a competência primordial do município é a capacidade de auto-organização mediante a elaboração de sua Lei Orgânica, assegurada constitucionalmente281.

Não obstante, ao ente igualmente compete legislar sobre assuntos de interesse local e aqui reside um significativo óbice à aplicação eficaz da legislação protetiva

Joaquim; MORATO LEITE, José Rubens (Org). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. Op. Cit. P. 48).

278 A esse respeito, vide BESSA ANTUNES, Paulo de. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. Op. Cit. P. 70.

279 Constituição Federal, Art. 30. Compete aos Municípios: VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

280 Art. 30, inciso IX.

281 Constituição Federal, Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (…).

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ambiental brasileira. Ora, ao genericamente preceituar que a competência administrativa em matéria de ambiente é comum à União, estados-membros e municípios, a Lei Fundamental acaba por deixar dúvida acerca da titularidade em concreto dessas obrigações. Ademais, a expressão “interesse local” dá margem a incontáveis celeumas e pode ser compreendida sob diversos enfoques282.

À face disso, a aplicação pelos municípios dos embaraçados mecanismos normativos estaduais e municipais previstos é penosa e raras vezes satisfaz as exigências locais, motivando as autoridades municipais a instituir regras ambientais próprias. Ciente desta dificuldade e mesmo em resposta aos clamores populares, o Supremo Tribunal Federal tem sinalizado assentimento a que o Município exerça cada vez mais funções legislativas e administrativas voltadas ao ambiente283.

A título de ilustração, importa examinar reiteradas decisões do colegiado máximo brasileiro em litígios centrados nas áreas de preservação permanente284 em zonas

urbanas. Ocorre que, afora o campo de atuação do Tribunal estar circunscrito ao juízo de constitucionalidade das leis, seu posicionamento tem corroborado as decisões inferiores que reconhecem a preponderância dos métodos adotados nos planos diretores dos Municípios.

Em uma destas oportunidades, a Ministra Cármen Lúcia foi categórica a apregoar que “(...) é dever do Poder Público Municipal zelar pela defesa e preservação

do ambiente em vista a promover a fiscalização do cumprimento das normas ambientais285”. Ainda, “(...) Na verdade, dentro do paradigma cooperativo de

282Doutrinadores argumentam que se há interesse local, da mesma forma existe interesse estadual e federal.

Vladimir Freitas acrescenta: "(...) qual o assunto ambiental de interesse federal ou estadual que não interessa à comunidade? Então, raciocinando em sentido contrário, tudo é do interesse local e, portanto, da competência municipal?" (PASSOS DE FREITAS, Vladimir. A Constituição Federal e a Efetividade das

Normas Ambientais. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2005. Pp. 61-63). Assim, haveriam dois extremos: de um lado,

um Município que poderia legislar sobre toda matéria ambiental que lhe aprouvesse, e de outro um Município que nada poderia acrescentar por lhe faltar competência. Paulo Machado propõe um meio-termo, ao orientar que "(…) caberá aos Municípios legislar sobre todas aquelas matérias em que seu interesse prevalece sobre os interesses da União e dos Estados" (LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito

Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2015. 23ª Edição).

283 BESSA ANTUNES, Paulo de. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. Op. Cit. P. 75. 284 Lei nº. 12.651, de 25 de maio de 2012 – Código Florestal. Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

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federalismo que ora se defende no Brasil, propõe-se que os Municípios, como entes mais próximos à população, tenham papel de destaque na administração municipal para impedir as ocupações e gerir o planejamento urbano286”.

Em análise a Recurso Extraordinário impetrado pelo Ministério Público contra licença para construir exarada pela prefeitura municipal, a suprema corte brasileira reafirmou a competência do Município na temática ambiental, impondo que: “(...) Não

há de se cogitar de limitações ambientais ao direito de construir, dentro da zona urbana, mediante licença da Administração Municipal”287.

Por fim, aceito o risco de a apresentação do conteúdo cair no enfado, mas fortificando o raciocínio perfilhado, colacionamos julgado288 em que o Supremo Tribunal Federal autoriza o ente municipal a dispor acerca do aproveitamento útil destas áreas de preservação permanente. Senão, vejamos a ementa:

(...) ‘Representação por Inconstitucionalidade. Lei Complementar no. 78/2005 do Município do Rio de Janeiro. Alterações ao Decreto no. 11.990/2003 que regulamentou o plano diretor do Parque Municipal Ecológico de Marapendi. Área de proteção ambiental. Inclusão na APA do Lote no. 27 do PAL no. 31.418. Supostas inconstitucionalidades. Violações teóricas dos arts. 7o , 112, 229, 234, 261, 268 e 231, § 1o da Constituição Estadual. Inocorrência. Meras modificações de regras e critérios do plano diretor, sem alterá-lo em substância, sem eiva de inconstitucionalidade. Legislação que não trouxe novas atribuições ao Poder Executivo Municipal. Competência do Município. Política urbana municipal. Iniciativa atribuída a qualquer vereador. Normas de aplicação diferida, e não de

286 Idem. Ibidem.

287 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.RE 598721/SC. DJE 027. Publicação: 8-2-2013. 288 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.RE 599120/RJ. DJE 021. Publicação: 4-2-2010.

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aplicação ou execução imediata. Áreas de preservação permanente cuja utilização, por particular, é plenamente viável dentro das restrições e limitações fixadas pelo Poder Público. A aprovação do plano diretor é de competência da Câmara Municipal, a quem cabe, da mesma forma, deliberar sobre eventuais alterações. Inexistência, em princípio, de qualquer prejuízo ambiental, urbanístico ou ecológico ocasionado pela Lei Complementar no 78/2005. Inocorrência de vício de

iniciativa. Inexistência de qualquer

inconstitucionalidade. (...).

Cumpre, ainda, avultar a possibilidade constitucional de que o ente municipal preencha lacunas de leis estaduais ou federais ou mesmo as justaponha à conjuntura local. A isto dá-se o nome de suplementação289, figura já abordada no subitem 3.3.2. e que tanto

permite a extinção das lacunas quanto o detalhamento destas normas já efetivas.

Crucial se faz elucidar que esta suplementação municipal guarda alguns limites, não podendo as normas municipais ser menos taxativas ou menos benéficas que as estaduais ou federais, a fim de evitar antagonismo entre o que determinam as leis preexistentes (federais e estaduais) e as municipais.

Outra limitação havida aos Municípios ao operar a competência legislativa suplementar recai sobre a necessidade da preexistência de legislação estadual ou federal. Desta feita, acaso o ente municipal venha a carecer de formalizar uma questão ainda não antevista pelas leis superiores, deverá invocar instrumentos jurídicos como a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

289 Constituição Federal. Art. 30. Compete aos Municípios: II - suplementar a legislação federal e a estadual

no que couber;

Art. 24. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

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3.4.4. União, Estados e Distrito Federal: Competência Legislativa Concorrente