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3. INADIMPLEMENTO NO DIREITO CIVIL

3.3. CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO

É lição corrente da doutrina brasileira e estrangeira a afirmação de que o inadimplemento gera o dever de reparação pelas perdas e danos.231 O CCB/2002 (art. 389), aliás, em sentido semelhante ao que dispunha o CCB/1916 (art. 1056), assim prevê.

Trata-se na lição de Pontes de Miranda do ―princípio geral‖ da inexecução das obrigações, sob a fórmula de que ―a não execução ou a execução imperfeita obriga a perdas e damnos‖.232 Em outras palavras, trata-se de ―axioma em direito moderno

das obrigações‖, de ―princípio universalmente aceito por todos os Códigos‖, conforme Manuel Inácio Carvalho de Mendonça.233

Embora a leitura do dispositivo ou das citações doutrinárias acima possam gerar a impressão de que o não cumprimento da obrigação é ensejador exclusivamente de indenização pecuniária (perdas e danos)234 decorrente do inadimplemento (dito

230

LIEBMAN, 1985, p. 207.

231

A título de ilustração: PACIFICI-MAZZONI, vol. IV, 1927, p. 438; VAMPRÉ, vol. II, 1920, p. 356.

232

MIRANDA, 1928 p. 264.

233

MENDONÇA, Tomo II, 1956, p. 9.

234

Perdas e danos é expressão que indica ―o equivalente do prejuízo suportado pelo credor em virtude de o devedor não ter cumprido, total ou parcialmente, absoluta ou relativamente, a obrigação, expressando-se numa soma de dinheiro correspondente ao desequilíbrio sofrido pelo lesado‖ (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 347). O próprio Código Civil, ao conceituar perdas e danos, diz que abrangem ―além do que efetivamente perdeu, o que

como gênero, isto é, inadimplemento e mora), tal ilação é, contudo, equivocada,235 conforme denunciava Araken de Assis, ainda sob a égide do CCB/1916, ao pontuar que se olvidou o Código Civil brasileiro de regular a pretensão do credor ao cumprimento conforme o que houvera sido convencionado.236

Nesse sentido, a despeito de o Código Civil brasileiro não assinalar de modo expresso,237 entendemos, como Agostinho Alvim, que ―ao consignar o princípio segundo o qual o não cumprimento da obrigação dá ao credor o direito de exigir perdas e danos, não exclui, nem podia excluir, o direito que lhe assiste de exigir, antes de tudo, que a obrigação se cumpra tal como se convencionou‖.238

Tais direitos do credor certamente revelam que, antes de mais nada, ―El derecho a

exigir el cumplimiento de la obligación y la demanda congruente son […] secuelas naturales del crédito‖. Apenas em casos excepcionais, acrescenta Von Tuhr, haverá

―aquellos créditos que no autorizan a reclamar su cumplimiento, sino solamente la

indemnización de los daños y perjuicios producidos por el incumplimiento‖.239

razoavelmente deixou de lucrar‖; isto é, repercussões de caráter nitidamente patrimonial que não se compatibilizam com a primazia do cumprimento específico das obrigações e também com a primazia da tutela específica ou de resultado prático equivalente.

235

Obviamente, diz-se aqui ser equivocada a referida ilação, considerando-se o direito de nosso tempo (atual), o qual somente se conformou a partir de movimentos doutrinários, jurisprudenciais e legislativos que intentaram atribuir ao credor uma tutela cada vez mais intensa, tendente à satisfação dos seus interesses da forma mais larga possível. Nesse sentido, confira-se GIORGIANNI, 1975, p. 13. A realidade hoje vivida certamente se opõe àquela que vigorou, historicamente, pautada na máxima da intangibilidade da vontade humana (nemo praecise potest cogi ad factum) e da conversibilidade em dinheiro de toda e qualquer prestação (mesmo que de fazer e não fazer), as quais eram duas fortes premissas do Estado Liberal Clássico, sendo vedada, em respeito a tais princípios, impor ou coagir alguém a realizar um fato contra a sua própria vontade, porque isso não poderia ser feito sem violência ou opressão. Com efeito, o Estado Liberal Clássico, que intentava ao máximo garantir a liberdade dos cidadãos, ficou marcado por uma rigidez no tocante aos poderes de intervenção na esfera jurídica privada, como ensina Luiz Guilherme Marinoni. As próprias astreintes, a título de ilustração, somente surgiriam tempos depois e apenas em virtude de um movimento jurisprudencial intenso nesse sentido. A esse respeito: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 35-41.

236

ASSIS, 1999, p. 89. Vale destacar, assim, a insistência do CCB/2002 no equívoco, uma vez repetir o erro que se fazia presente no CCB/1916.

237

Vale a referência ao Código Civil Alemão que, de modo expresso, prevê que o credor tem o direito de exigir o desempenho do devedor tal qual pactuado: Titel 1 – Verpflichtung zur Leistung; §241 – Pflichten aus dem Schuldverhältnis; (1) Kraft des Schuldverhältnisses ist der Gläubiger berechtigt, von dem Schuldner eine Leistung zu fordern. Die Leistung kann auch in einem Unterlassen bestehen. (2) Das Schuldverhältnis kann nach seinem Inhalt jeden Teil zur Rücksicht auf die Rechte, Rechtsgüter und Interessen des anderen Teils verpflichten.

238

ALVIM, 1949, p. 13.

239

Trata-se de compreensão atenta ao fato de que ―a prestação principal, direta, específica é a obtenção do mesmo objeto da obrigação‖; e se o devedor faltou ao prometido, antes de mais nada, é imprescindível perquirir se é possível obter aquilo que não veio com caráter espontâneo.240

Nesse sentir, fica evidente que, diferentemente do que a previsão do diploma civilista pode nos fazer deduzir prima facie, do inadimplemento (solvendi e imputável) decorrem efeitos tendentes à reposição da situação anômala ao estado anterior, haja vista que o descumprimento da obrigação desequilibra a posição das partes na relação jurídica, equilíbrio que deve ser restaurado, como afirma Alvaro Villaça Azevedo.241

Daí se poder afirmar, com lastro em Andreas Von Tuhr, que o inadimplemento faz surgir ao credor o poder de demandar o devedor para obter deste a prestação devida e/ou o poder de exigir ressarcimento dos danos a ele ocasionados.242

Na esteira de Massimo Bianca, é possível discriminar, por sua vez, a possibilidade de o credor obter, nos casos em que se verifica mora, aquela mesma prestação243 que restou inadimplida; enquanto que, de outro lado, em caso de inadimplemento absoluto, a relação obrigacional originária se vê substituída por uma nova relação obrigacional de cunho reparatório, seja essa reparação uma indenização pecuniária ou uma reparação específica.244

240 PEREIRA, 1986, p. 222. 241 AZEVEDO, 1999, p. 236. 242 TUHR, 1934, p. 75. 243

Não temos dúvida em afirmar que o resultado nunca será idêntico ao que se obteria pelo adimplemento espontâneo, por não se estar diante de adimplemento espontâneo. Basta notar que o próprio retardamento em si de uma prestação já marca a diferença da prestação em relação ao tempo em que deveria ter sido realizada. Além disso, caso seja necessário invocar a tutela jurisdicional, sabe-se que ―o processo em si mesmo causa danos marginais, expectativas, ansiedades e, muitas vezes, um custo financeiro e econômico que não é ressarcido no final‖ (RODRIGUES, Manual de Execução Civil, 2016, p. 47).

244 ―Nelle ipotesi di inadempimento totale e definitivo l‟obbligazione risarcitoria si sostituisce a quella

originaria. Questa sostituzione si qualifica come una surrogazione oggettiva, che non estingue l‟obbligazione, ma ne muta legalmente l‟oggetto. [...] Il debitore non è più tenuto alla prestazione originaria ma ad una nuova prestazione che soddisfa un interesse succedaneo del creditore (quello alla riparazione del danno)‖ (BIANCA, vol. V, 1994, p. 111-112). Páginas adiante, acrescenta o autor: ―la riparazione non costituisce l‟esatto adempimento della prestazione dovuta ma un‟attività di fare diversa e ulteriore rispetto all‟impegno traslativo dell‟allienante: altro è adempiere esattamente, altro è

A ação de cumprimento (de ―adimplemento‖), nesse contexto, consubstancia ação voltada à obtenção de condenação do devedor ao adimplemento serôdio da obrigação, isto é, por meio da qual o credor visa obter judicialmente a atuação de seu direito que não foi espontaneamente verificada pelo devedor.245

A análise da figura da resolução do contrato por inadimplemento, mais uma vez sob o escólio de Araken de Assis,246 é exemplo nítido do que se afirma, na medida em que o CCB/2002, art. 475 (CCB/1916, art. 1092, par. único), abre a possibilidade ao credor, diante de inadimplemento, de pedir a resolução do contrato ou exigir-lhe o cumprimento, cabendo em qualquer dos casos indenização por perdas e danos.247 Aliás, em regra, não interessa ao credor, prima facie, obter a satisfação de seu direito de forma coativa, através de meios executivos coercitivos, sub-rogatórios, etc, mas sim que o devedor cumpra aquilo a que se obrigou.

É importante lembrar nesse contexto a lição de Emilio Betti248 de que, diferentemente dos direitos patrimoniais reais (os quais se ligam a problemas de atribuição), as relações obrigacionais abrangem vínculos entre pessoas, vínculos de coordenação,249 lidando, via de regra, com ―problemas de cooperação‖.250

A própria origem do termo credor, ensina Karl Larenz, está ligada ao fato de que aquele ―cree en la persona del obligado, em su voluntad y capacidade de cumplir la

intervenire, con un‟attività modificatrice della prestazione eseguita, per eliminare difetti materiali e giuridici‖ (BIANCA, vol. V, 1994, p. 242).

245 ―L‟azione di adempimento è l‟azione direta ad ottenere la condanna del debitore all‟adempimento

dell‟obbligazione. La sentenza non è costitutiva in quanto il debitore è già tenuto ad adempiere, senza che occorra un provvedimento del giudice, ma non è neppure di mero accertamento, in quanto la condanna è un comando che integra la fonte dell‟obbligazione con effetti propri e principalmente con l‟effetto di assoggettare il debitore all‟esecuzione forzata. [...] La domanda di condanna è infatti diretta ad ottenere in via giudiziale ciò che il creditore non ha conseguito dal debitore in atuazione del suo diritto, ossia l‟esecuzione della prestazione‖ (BIANCA, vol. V, 1994 , p. 239).

246

Expõe Araken de Assis, ainda sob a égide do CCB/1916 (art. 1092, par. único), que resolver o contrato ou pretender o cumprimento da prestação são duas opções colocadas ao credor, permitindo- lhe o Código a eleição do caminho mais favorável à tutela de seus interesses (ASSIS, 1999, p. 27-28.

247

Fica nítido, diante do exposto, que as perdas e danos podem, perfeitamente, se cumular ao pedido de cumprimento da prestação devida.

248

BETTI, Emilio. Teoria generalle delle obbligazioni. Vol. I. Milano: Giuffrè, 1953.

249

LOPES, 1995, p. 6.

250

Além de problemas de cooperação, problemas de reparação de atos ilícitos compõem o campo das relações obrigacionais, conforme ensina Eduardo Espínola. Confira-se: ESPÍNOLA, Eduardo. Breves Anotações ao Código Civil Brasileiro. vol. 1. Bahia: Joaquim Ribeiro & Co, 1918, p. 455.

prestación‖.251 Trata-se esta confiança, acrescenta Larenz, de uma situação intrinsecamente ligada ao fato de que ambos os sujeitos se obrigam (ou, ao menos, devem se obrigar) com base na boa-fé, a qual se rege pelo ―princípio de cumplir la

prestación con fidelidade a la palabra dada a la obligación fundamentada de cualcuier modo que sea, sin defraudar la confianza de la otra parte‖.252

E é esta cooperação que, a priori, interessa a ambas as partes, sendo cediço, por oportuno, que até mesmo no seio do processo executivo o devedor poderá cumprir a obrigação e, ao se realizar a prestação devida, deverá ser extinto o feito executivo (art. 924, II, CPC/2015).

É nesse sentido que se deve compreender, de início, os efeitos e consequências do inadimplemento, antes de se afirmar, como faz Silvio Rodrigues, que o efeito mais relevante do inadimplemento é o dever, implicado ao devedor, de reparar o prejuízo253; ou, na esteira de Agostinho Alvim, que ―a consequência, pois, do inadimplemento, é fazer nascer a obrigação de satisfazer o dano‖;254

ou, ainda, como assenta Andreas Von Tuhr, ―el efecto normal y general de la infracción del

deber del deudor es el resarcimiento de los daños causados‖.255

Portanto, não sendo verificado o adimplemento da obrigação, e tampouco sendo possível exigir o cumprimento, exsurge relevante, ainda antes da indenização pecuniária, a reparação (ou indenização)256 do dano sob forma específica, a qual pode ser definida como a que se processa in specie ad rem ipsam, o mais correspondente possível ao que as partes acordaram.257

251 LARENZ,Tomo I, 1958, p. 18. 252 LARENZ,Tomo I, 1958, p. 20. 253 RODRIGUES, 2002, p. 235. 254 ALVIM, 1949, p. 154. 255

TUHR, Tomo II, 1934, p. 114.

256

É interessante remontar ao próprio conceito de indenização a partir de sua origem etimológica (in+demne), de modo a compreender que indenizar nada mais é que tornar a situação das partes como se não tivesse havido dano algum. Indenizar é tornar indene, tornar sem dano ou ao menos como se dano não houvesse existido.

257 ―Violado o direito do prejudicado, a este assiste uma reparação, destinada a reequilibrar a sua

posição jurídica, de modo a tanto quanto possível retornar ao estado em que se encontraria, se o devedor houvesse realizado a prestação no tempo e na forma devidos‖ (LOPES, 1995, p. 396-397). De Massimo Bianca, colhe-se que ―il risarcimento in forma specifica è la diretta rimozione della lesione e delle sue conseguenze. Il risarcimento del danno in forma specifica è pur sempre un rimedio risarcitorio, ossia una forma di reintegrazione dell‟intresse del danneggiato mediante una prestazione

A reparação a que chamamos específica pode ser bem explanada a partir da lição de Karl Larenz, que, utilizando a ideia de ―restauración in natura‖ (em oposição à ―indemnización em dinero‖), assenta que ela objetiva ―el restablecimento de un

estado de hecho que corresponda al anterior‖.258

Assim, a não ser que o interesse do credor aponte para outro caminho,259 apenas quando não se mostrar possível e interessante ao credor a obtenção do cumprimento tardio ou de resultado próximo ao da prestação voluntária e espontânea, restará recorrer ao Estado para aplicação de uma sanção executiva voltada a garantir a indenização do credor mediante pecúnia, conforme ilação sistemática que se faz da leitura dos artigos 389 e 927 do CC/2002.

A reparação dita aqui genérica representa, então, a indenização pecuniária dos danos sofridos, reparando-os ―en cuanto compensa en dinero la diferencia de valor

que existe entre el patrimonio del prejudicado tal como se presente y como seria si el hecho danoso no se hubiera realizado‖.260

De forma evidente, tal forma de indenização (pecuniária) tem lugar quando do inadimplemento de obrigações pecuniárias,261 cuja reparação do credor não passa senão pela sua recomposição patrimonial.262 Neste caso, a função da indenização é ―compensar la diferencia que a consecuencia del hecho danoso exista entre el

diversa e succedanea rispetto al contenuto del rapporto obbligatorio o del dovere di rispetto altrui‖ (BIANCA, vol. V, 1994, p. 186-187).

258

LARENZ, 1958, p. 227.

259

A ressalva que aqui merece destaque diz respeito a que a escolha entre cumprimento da prestação, ressarcimento em forma específica, ressarcimento pecuniário diz respeito ao credor, como ensina Massimo Bianca (BIANCA, vol. V, 1994, p. 188), de modo que a linha de preferência que traçamos leva em consideração o referencial de que a resposta à violação de um dever deve ser conferida, na medida do possível, de forma a se alcançar do modo mais próximo possível a situação que se obteria caso não ocorresse a crise de adimplemento. É este um papel do Estado Democrático como ensina Marcelo Abelha Rodrigues: ―o processo ocupa um papel fundamental no devido processo legal justo e efetivo, e, nesse contexto, ganha sobremaneira relevância a busca de uma identidade de resultados entre a tutela jurisdicional dada ao vencedor e o resultado que se teria caso esse mesmo processo não tivesse sido necessário‖ (RODRIGUES, Manual de Execução Civil, 2016, p. 47-48).

260

LARENZ, 1958, p. 227.

261 Utiliza-se aqui a expressão ―obrigações pecuniárias‖ (espécie) e não ―genéricas‖ (gênero), na

medida em que estas indicam ―quelle obbligazioni nelle quali la prestazione non è determinata individualmente, ma soltanto secondo i caratteri della specie (genus)‖ (CROME, 1908, p. 59). Desse modo, obrigações genéricas nem sempre estarão sujeitas à reparação pecuniária (perdas e danos), o que ocorre, contudo, em relação especificamente às obrigações pecuniárias.

262 Esta é a lição de Karl Larenz: ―No es posible el cumplimiento en forma específica cuando desde un

patrimonio del prejudicado tal como es actualmente e el que sería si aquel hecho no se hubiese realizado‖.263

Também tratando-se de obrigação específica será adequada a indenização pecuniária desde que se verifique, por exemplo, o desinteresse/inutilidade do cumprimento serôdio e o desinteresse/impossibilidade da reparação específica mencionada, exsurgindo a indenização pecuniária, nesse contexto, como o pagamento em favor do credor de uma quantia de dinheiro que equivala, na medida do possível, ao valor da prestação descumprida e/ou aos prejuízos sofridos com o inadimplemento, ou seja, que reponha o credor, na medida do possível, ao estado de equilíbrio, rompido pelo inadimplemento.264

Veja-se, ademais, que nada impede que tenha havido danos ao credor, que devam ser reparados pecuniariamente, ainda que a este interesse e seja possível a obtenção de cumprimento tardio da obrigação ou a reparação específica, de modo que a indenização pecuniária pode ser pretendida neste tocante, em virtude de eventuais danos paralelos ou derivados, como ensinam Andreas von Tuhr e Massimo Bianca.265

Exemplo simples esclarece o que se disse: imagine-se um devedor que deixa de adimplir a obrigação na data estipulada (mora), e, por isso, além de ser demandado no sentido de tardiamente realizar a prestação devida, se vê cobrado de juros moratórios ou, por exemplo, de cláusula penal estabelecida em negócio jurídico firmado pelas partes. Tal caso hipotético, vê-se com nitidez, abarca a indenização pecuniária ao lado do interesse no cumprimento serôdio da obrigação.

Imagine-se, de forma diferente, que, configurada a mora, e mantido o interesse do credor em que a prestação seja realizada tardiamente, tenha ocorrido dano a este – como lucros cessantes por não lhe ter sido, por exemplo, entregue o veículo com

263 LARENZ, 1958, p. 230. 264 LOPES, 1995, p. 399. 265

TUHR, Tomo II, 1934, p. 75. Veja-se também a lição de Massimo Bianca acerca da possibilidade de cumulação de perdas e danos e reparação sob a forma específica: ―il risarcimento del danno in forma specifica non esclude ovviamente che il creditore faccia valere anche il diritto al risarcimento per equivalente. Tale diritto avrà peró ad oggetto non la lesione rimossa in via diretta ma gli altri danni derivanti eventualmente dall‟inadempimento o dall‟illecito (temporanea inutilizzazione del bene, lesioni personali, ecc.), e le spese dell‟esecuzione‖ (BIANCA, vol. V, 1994, p. 189).

que trabalha na data estipulada. Certamente, a realização da prestação de entrega do veículo não prejudica o direito à indenização pelos lucros cessantes.

Em suma, a indenização pecuniária deverá ter lugar quando não for possível o cumprimento ou a reparação específica, ou quando estas não se mostrarem bastantes a tornar o credor indene,266 sendo, pois, um erro, como alerta Giorgio Giorgi, crer que o ressarcimento se faz apenas por perdas e danos.267

Por esse motivo, aliás, é afirmação comum na doutrina a subsidiariedade da reparação pecuniária como forma de indenização do credor, tal como se infere do CPC/2015 (arts. 499, 809, 816, 821, par. único, 823, par. único).268

Veja-se, por fim, ser equivocado afirmar, de forma estanque, que, verificado o inadimplemento absoluto, o único caminho possível será a indenização pecuniária. A utilidade e adequação da reparação específica resta nítida, por exemplo, no campo dos deveres de abstenção269 (não fazer), em que verificada a inexecução

266 Nesse sentido, Karl Larenz, para quem a indenização pecuniária ―tiene lugar especialmente

cuando (y en cuanto) no sea posible el resarcimiento in natura o este no sea suficiente para ressarcir al acreedor‖ (LARENZ, 1958, p. 229).

267 ―[...] è un errore il credere che il rissarcimento consista sempre nella prestazione di una somma di

danaro. È vero soltanto che in danaro si presta dal dabitore, quando sia impossibile al creditore di ottenere la prestazione in forma specifica: ma data nel creditore la possibilità di ottenere la prestazione in forma specifica anche a malgrado del debitore, egli sicuramente orrerrà il rissarcimento por quella via e no per mezzo del danaro” (GIORGI, vol. I, 1927, p. 6). Confira-se também: RODRIGUES, Manual de Execução Civil, 2016, p. 167.

268

Faz-se possível falar, assim, em primazia de que, sempre que se mostrar possível e for do interesse do credor, as prestações não realizadas o sejam da forma mais semelhante possível de como seria voluntária e espontaneamente cumprida pelo devedor, restando à indenização genérica (indenização pelo equivalente pecuniário) caráter subsidiário.

269

Há quem entenda pela possibilidade de cumprimento de obrigações negativas serodiamente: ―Tratándose de deberes de abstención, la contravención del deudor engendra, como en los actos ilícitos, además del resarcimiento de daños, dos reclamaciones a que podemos dar el nombre de acciones de cumplimiento: una para exigir que se elimine el estado de cosas contrario al Derecho y otra para que el contraventor se abstenga de seguir faltando a se deber, si hay razone para temer que lo siga haciendo. La acción para exigir que el deudor se abstenga de seguir infringiendo el contrato puede entablarse aun en aquellos casos en que la ley no la menciona expresamente‖ (TUHR, Tomo II, 1934, p. 77). O mesmo entendimento é exarado por Massimo Bianca, no tocante às obrigações duradouras, confira-se: ―Nelle obbligazione di durata, precisamente, è possibile di massima che l‟attività compiuta in violazione del divieto venga a cessare e sia instaurato il comportamento omissivo idoneo a soddisfare l‟interesse del creditore. Supponiamo che il debitore si