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4. INADIMPLEMENTO E TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

4.1. DIREITO MATERIAL E PROCESSO EXECUTIVO

É corrente na doutrina a realização de contraste entre direito material e direito processual, partindo-se do referencial normativo, o que enseja considerar que as normas de direito material retratam um interesse primário enquanto que as normas de direito processual expressam um interesse secundário, decorrente da existência de obstáculo ao gozo do interesse primário, como ensina José Manoel de Arruda Alvim Netto.363

É desse raciocínio que se compreende o processo e sua natureza instrumental ―com a significação de que o processo raramente pode constituir-se num bem em si‖ e que ―é por seu intermédio que se consegue um outro bem da vida, o qual privadamente não se logrou obter‖.364

363

ALVIM, vol. I, 1990, p. 60.

364

ALVIM, vol. I, 1990, p. 61. Confira-se também Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Carrilho Lopes: ―O ordenamento jurídico divide-se, portanto, em dois planos distintos, interagentes mas autônomos e cada qual com sua função específica. Às normas substanciais compete definir modelos de fatos capazes de criar direitos, obrigações ou situações jurídicas novas na vida comum de pessoas, além de estabelecer as consequências específicas da ocorrência desses fatos. As normas processuais ditam critérios para a revelação da norma substancial concreta emergente deles, com vista à efetivação prática das soluções ditadas pelo direito material‖ (DINAMARCO, Cândido Rangel;

Em outras palavras, se a função das normas materiais é precisamente a de regular a vida das pessoas, distribuir ou atribuir bens, a norma processual existe para assegurar a observância daquelas normas.365

Projetando-se a distinção para o campo da relação jurídica, tem-se, conforme Araken de Assis, que a relação jurídica material é distinta da relação jurídica processual, sendo esta dotada de autonomia em comparação à relação que ensejou a propositura de ação, porquanto é aquela instrumental em relação a esta.366

A diferença entre as relações jurídicas de direito material e de direito processual encontra-se no exame de seus elementos componentes, basicamente dos sujeitos, pressupostos e objeto que as compõem. No entanto, tudo isso será mais bem abordado tópicos a frente.

O que nos importa, aqui, inicialmente, é que, apesar das diferenças entre direito material e direito processual, e as relações jurídicas formadas em cada um desses campos, tema bastante explorado pela doutrina e que se mostra afeto ao presente estudo encontra-se na relação entre direito material e o processo.

Tal relação, nas precisas palavras de José Roberto dos Santos Bedaque, se pauta pela necessidade de adequação e adaptação do instrumento ao seu objeto, partindo-se da premissa de que ―o processo é um instrumento, e, como tal, deve adequar-se ao objeto com que opera‖, uma vez que só assim a tutela jurisdicional será dotada de utilidade, isto é, estará apta para tornar efetivo o direito material.367

LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 15).

365 ―A função das normas substanciais é precisamente regular a vida das pessoas e distribuir ou

atribuir bens. A norma processual existe para assegurar a observância das normas substanciais, e por isso diz-se que são normas que sobrevivem em função da outra, lhes é serviente, acessória, instrumental‖ (RODRIGUES, Manual de Direito Processual Civil, 2016, p. 36). A respeito da função instrumental das normas processuais, destaca ainda o autor que ―enquanto as normas de direito material se preocupam em criar molduras abstratas que após justa interpretação do órgão jurisdicional comprimirão fatos capazes de criar direitos e obrigações, além de preverem sanções ao seu descumprimento, regulando, pois, o convício social, as normas processuais são criadas para atender, instrumentalizar e servir de guardiães desses direitos, acaso descumpridos, e por isso reclamados ao Estado-juiz‖ (RODRIGUES, Manual de Direito Processual Civil, 2016, p. 39).

366

ASSIS, 1995, p. 41.

367

Crisanto Mandrioli, nesse sentido, afirma o ―nesso funzionale‖ entre direito material e processual, haja vista que ―l‟uno è in funzione dell‟altro‖, considerando, para tanto, o autor que existe entre os planos considerados ―un collegamento strumentale, o

finalistico, il cui punto di frizione è espresso dal concetto di azionabilità o coercibilità‖.368

No mesmo sentido, Salvatore Pugliatti ao afirmar, entre o direito material e o processual, a existência de um ―nesso indissolubile e stretto‖, dotado de ―correlativa

reciprocità‖, sem que se perca, todavia, a autonomia de cada qual.369

A relação de adequação entre os planos é de interação,370 haja vista que ―o direito processual deve adaptar-se às necessidades específicas de seu objeto, apresentando formas de tutela e de procedimento adequadas às situações de vantagem asseguradas pela norma substancial‖.371

Araken de Assis assenta, nesse sentido, que os procedimentos previstos pela lei adequam-se ao objeto litigioso, notadamente por congruência e proporcionalidade de modo a responderem ao caráter específico do objeto, bem como evitarem sacrifícios maiores às partes.372

Dito isso, ressoa cristalino que o ordenamento deve prever procedimentos e técnicas a serem escolhidas e empregadas, via de regra, a partir do referencial da natureza do direito a ser satisfeito.373 Afinal, como ensina Luiz Guilherme Marinoni, entre processo e o direito material há uma relação de integração, devendo o processo ser estruturado em consonância às necessidades do direito material.374

368

MANDRIOLI, Crisanto. L‟azione executiva. Milano: Giuffrè, 1955, p. 269.

369

PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione Forzata e Diritto Sostanziale. Milano: Giuffrè, 1935, p. 2-3.

370

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 12.

371

BEDAQUE, 2006, p. 21. Sobre a relação entre processo e direito material, veja-se: BEDAQUE, 2006, p. 17-24.

372

ASSIS, 2015, vol. I, p. 348.

373 ―As variações procedimentais prendem-se, fundamentalmente, às funções do direito material posto

em causa. Expressam o princípio da adequação. À medida em que os direitos subjetivos, e as suas correspondentes ações, diferem no plano material, os atos do processo precisam amoldar-se à fenomenologia do direito. Do contrário, o processo se desvirtuaria de sua função primária de realizar o direito objetivo e jamais entregaria ao vitorioso o mesmo proveito, utilidade ou valor que este obteria se não se servisse do processo‖ (ASSIS, 2015, vol. I, p. 332).

374

Por esse motivo, é precisa a lição de Salvatore Satta, segundo o qual a própria estrutura do processo executivo ―varia anzitutto in relazione al diverso oggetto del

diritto per la cui tutela si agisce‖.375

Com efeito, reponta relevantíssimo, para a compreensão dos procedimentos executivos e para a sua estruturação, a classificação do ―bem jurídico‖ ambicionado pelo demandante, como ensina Araken de Assis, existindo para cada espécie executória o ato processual ou uma série de atos processuais adequados.376

Em outras palavras, como destaca Hermes Zaneti Junior, ―o sistema de justiça precisa oferecer, para cada tipo de caso que se apresenta perante o juiz, o processo que seja mais conveniente, isto é, adequado‖, sendo que, no centro desta atividade de adequação, ―deve estar o Poder Judiciário, encontrando os caminhos para passar de uma técnica para outra, mesmo no curso do processo‖, determinando-se ―a passagem de um meio executivo para o outro, reorientando o curso do procedimento, sem ter que realizar tudo desde o início novamente‖.377

Em relação ao processo executivo e à tutela jurisdicional executiva, tal relação (adequação) pressupõe que o ordenamento jurídico apresente um sistema de tutela executiva o mais completo e pleno possível, colocando à disposição do

375

SATTA, Salvatore. L‟esecuzione forzata. Milano: Giuffrè, 1937, p. 165.

376

ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 34-37.

377

ZANETI JUNIOR, Comentários ao Código de Processo Civil: XIV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 92. O relacionamento proposto por Hermes Zaneti Junior pode ser colhido de sua obra ―A constitucionalização do processo‖, na qual propõe, sob a égide do Estado Democrático Constitucional, a existência de uma relação circular entre os planos de direito material e de direito processual, de maneira que o direito material sirva ao processo e, por sua vez, seja servido por ele. Nas palavras do autor, ―Entre o processo e o direito material ocorre uma relação circular, o processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário ser servido por ele. [...] O processo precisa, como instrumento que é, estar adequado ao direito material que pretende servir‖ (ZANETI JUNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 191-193). Daí se considerar, com Rodrigo Reis Mazzei, que ―entre o direito material e o processual existe uma interdependência, devendo ser afastada aquela ideia de outrora de ciências absolutamente distintas, sem convergência‖ (MAZZEI, Rodrigo Reis (coord.). Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 44).

jurisdicionado tantos meios executivos adequados e suficientes quanto forem exigidos para a satisfação dos direitos carentes de tutela.378

Válido conferir, ainda, o que expõe Michele Taruffo, ao salientar que ―os remédios executivos devem se adaptar às situações substancias e à necessidade de se dar efetiva proteção aos direitos nela encartados (ou veiculados)‖, devendo-se considerar, ainda, que o passar do tempo faz o catálogo das situações e dos direitos protegidos tornar-se variado, sendo uma exigência estender a proteção na amplitude das novas conquistas.379

Diante disso, escorreita a afirmação de Luigi Paolo Comoglio de que são exigências fundamentais da execução forçada ―la completeza tipológica dei diversi mezzi di

tutela executiva, quali sono disciplinati nelle leggi processuali” e “la loro elasticità ed adeguatezza, in funzione delle variabile caratteristiche dei diritti da proteggere [...]‖.380

Fincada a necessidade de interação dinâmica entre os planos de direito processual e de direito material, inclusive a partir da perspectiva da tutela jurisdicional executiva, bem como já tendo sido abordada a figura da responsabilidade patrimonial, breves palavras merecem ser tecidas a respeito de como as técnicas executivas se desenvolvem de acordo com as diversas situações de direito substancial.

Não é demais lembrar que, sob o ponto de vista material, a satisfação do direito exequendo pode se dar, basicamente, por três modos, uma vez já verificado o inadimplemento: pela obtenção do cumprimento tardio; pela reparação específica; e

378

GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 55; MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 18.

379

TARUFFO, 1990, p. 73.

380

COMOGLIO, 1994, p. 456.Confira-se mais uma passagem do autor, na qual acrescenta que a tutela jurisdicional deve orientar-se como ―un rapporto costante di effettività fra le differenti forme e le corrispondenti tecniche di attuazione della tutela dei diritti sostanziali, per la necessária verifica del grado di adeguatezza qualitativa dei risultati pratici, cui conduce il processo esecutivo‖ (COMOGLIO,1994, p. 457).

pela reparação genérica, em que se obtém reparação pelo equivalente em dinheiro (perdas e danos).381

Dito isso, a premissa de que se parte, aqui, é a de que falar em tutela jurisdicional efetiva reponta considerar, em primeiro lugar, aquela cujo resultado seja ―precisamente o mesmo que o credor haveria obtido se, no giro comum de sua vida e negócios, o devedor houvesse adimplido segundo a lei e o contrato, sem necessidade de qualquer intercessão judicária‖.382

Assim, preciso Salvatore Satta ao apontar que ―il titolare del diritto, in ogni caso,

aspetta dall‟esecuzoine proprio cioè che il volontario adempimento dell‟obbligo non gli ha procurato‖.383

A mesma lição se colhe de Emilio Betti que, já tocando no papel do instrumento processal executivo, reconhece a primazia de que este realize, na medida do possível, a obrigação primitiva ou ao menos dê ensejo a uma reparação específica.384

Nesse contexto, duas figuras merecem nossa atenção, na medida em que, de um lado, se relacionam intimamente à premissa acima fixada, e, de outro, relacionam-se com o inadimplemento em suas modalidades absoluta e relativa (mora).

A primeira é a tutela específica: tutela que permite efetivamente a satisfação no mundo dos fatos nas condições mais próximas possíveis daquelas que se teria caso não tivesse ocorrido a crise jurídica que teve de ser debelada no Poder Judiciário.385 Tal tutela, a despeito de parte da doutrina brasileira entender diferente,386 somente

381 Afastamo-nos da lição de Araken de Assis, portanto, de que a ação de cumprimento representa ―o

exercício da pretensão à prestação, através da qual o contratante lesado a reclama in natura ou pelo equivalente pecuniário, e terá natureza condenatória ou executiva‖ (ASSIS, 1999, p. 30).

382

DINAMARCO, 2009, p. 58.

383

SATTA, 1937, p. 27.

384 ―L‟eventualità che l‟obbligazione primitiva si converta in un‟obbligazione di prestare risarcimento, si

verifica nel caso che la prestazione stessa in natura, dovuta in origine, sia – come si è accenato – divenuta in prosieguo impossibile, ovvero ne sia, per la stessa natura sua, obiettivamente impossibile l‟esecuzione forzata diretta‖ (BETTI, Emilio; CARNELUTTI, Francesco. Diritto Sostanziale e Processo. Milano: Giuffrè, 2006, p. 148).

385

RODRIGUES, 2015, p. 4.

386

Capitaneando entendimento contrário ao defendido nesta dissertação, colhe-se de Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Arenhart e Daniel Mitidiero (2015, p. 815) que a tutela específica se verifica mediante comportamento do próprio sujeito obrigado, enquanto que o resultado prático equivalente

se verificará quando se alcança um resultado idêntico387 ao que haveria se não fosse necessário o processo, como se dá em relação ao cumprimento tardio de uma prestação inadimplida em decorrência de medidas coercitivas que atuaram sobre o executado.

Assim, diferencia-se do resultado prático equivalente, uma vez que a partir deste se concede um resultado diverso do que se obtém com a tutela específica, mas que, do ponto de vista prático, atende às expectativas do credor e não agrava a situação do devedor. O resultado prático equivalente também é, portanto, modalidade de tutela preferível à tutela genérica-reparatória (perdas e danos), consubstanciando na ―forma de obter reparação específica, portanto, um resultado que não coincide com aquele originariamente previsto no plano de direito material‖, mas que se ―equipara àquele, porque na prática tem igual valor para o exequente, além, é claro, de poder ser suportado pelo executado de forma razoável e justa‖.388

Feitas as devidas distinções, resta evidente como a tutela específica se relaciona intimamente com o inadimplemento relativo (mora), na medida em que a obtenção de resultado praticamente idêntico exige que exista para o devedor a possibilidade de prestar e ao credor o interesse em que tal se dê, mesmo de forma serôdia.

É o que se verifica, a título de ilustração, diante de uma obrigação de entrega de coisa infungível ou, ainda, de fazer intuitu personae, em relação às quais a execução pretendida pelo credor será, a priori, orientada pelas técnicas de tutela específica. O que se pretende, nestes casos, é que o próprio devedor, em primeiro lugar, realize a prestação.

se verifica mediante a obtenção do mesmo resultado prático, mas mediante conduta prestada por terceiro. Ou seja, ao se contrapor à noção de resultado prático equivalente, tutela específica assume o conceito de ―busca do resultado final, não mediante meios substitutivos da conduta do obrigado, mas através de sua própria conduta‖ (TALAMINI, 2001, p. 226). Resultado prático equivalente, seria, portanto, a busca do resultado final o mais próximo possível da satisfação voluntária e espontânea do obrigado, porém por meios diferentes do adimplemento.

387

Destaque-se a impossibilidade de o resultado ser exata e perfeitamente idêntico ao que se obteria com o adimplemento voluntário na forma, lugar e tempo pactuados ou previstos em lei. Certamente, contudo, o CCB/2002 tentou dar resposta mínima a tal circunstância, dispondo que, além de perdas e danos, responde o devedor por ―juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado‖ (art. 389, in fine, CCB/2002).

388

RODRIGUES, Manual de Execução Civil, 2016, p. 231/232. No mesmo sentido, vale colher a precisa lição de DINAMARCO, 1995, p. 154 e também de NEVES; TARTUCE, 2016, p. 603.

No que tange ao resultado prático equivalente, este assume especial importância tanto para casos em que se configura mora e a tutela específica não se fez conseguida, quanto para os casos em que o inadimplemento absoluto não impede ao credor a obtenção de resultado prático que se aproxime o quanto for possível daquele que se teria com a obtenção da tutela específica. Basta retomar um exemplo já exposto páginas atrás, imaginando-se uma inexecução obrigacional positiva, ensejadora de inadimplemento absoluto por violação ao dever de abstenção,389 o que, contudo, nada impede que, ao invés de se cair na vala comum das perdas e danos (o que seria a regra, haja vista a impossibilidade de obtenção de um não fazer, uma vez que o que era para não se fazer, se fez), pretenda-se o resultado prático equivalente.

É o que se pode imaginar, verbi gratia, em relação a uma obrigação de não desmatar, na qual, ocorrido o inadimplemento, ao invés de se recorrer única e exclusivamente às perdas e danos (isto é, à tutela pecuniária, de indenização pelo dano causado), se torne possível o reflorestamento da área, ou seja, um resultado prático equivalente, que embora não seja idêntico, é satisfatório.

Para os casos em que nem a tutela específica nem a tutela do resultado prático equivalente se mostre adequada e possível, o caminho que restará seguir é o das perdas e danos, exsurgindo especial relevo, como já dito, à figura da responsabilidade patrimonial, como garantia geral do credor.

O que se disse ressalta, em suma, que ―o direito fundamental à tutela executiva autoriza o juiz a adotar as medidas que se revelarem mais adequadas a proporcionar pronta e integral tutela executiva, [...] qualquer que seja a modalidade da obrigação a ser tutelada in executivis, de dar dinheiro ou de coisa diversa, fazer ou não fazer‖.390

389

Vale lembrar que obrigações negativas, isto é, de não fazer (non faciendi) apenas se sujeitam a inadimplemento absoluto, na medida em que, uma vez feito o que demandava abstenção, não se faz possível verificar um adimplemento serôdio, posterior, mas apenas a reparação do prejuízo, o que, via de regra, dar-se-á a partir de um fazer cujo resultado prático seja semelhante ao que haveria caso o dever de abstenção fosse devidamente cumprido.

390

Diante disso, resta compreensível que o modelo brasileiro de execução civil associe, primordial e funcionalmente, medidas de sub-rogação,391 consistentes na produção dos resultados desejados independentemente de qualquer colaboração ou participação do obrigado, e medidas de coerção, mediante cuja imposição se procura motivar o devedor a cumprir a obrigação. Tal arranjo é feito da seguinte forma: (a) nas execuções para pagamento de quantia (quer mediante processo autônomo, quer em mera fase processual) preponderam os meios de sub-rogação consistentes em invadir o patrimônio do obrigado e retirar o necessário para satisfação do credor, (b) no que tange às obrigações específicas, preponderam meios de coerção, consistentes em pressionar a vontade do obrigado para que cumpra a obrigação de entregar, de fazer ou de não-fazer.392

Destaque-se o cuidado de compreender a associação funcional entre meios executivos e direito material tutelado como meras preponderâncias393 fixadas pelo ordenamento.394

391 ―Agrupam-se os meios executórios em duas classes fundamentais: (a) sub-rogatória, que

despreza e prescinde da participação efetiva do devedor, constituem a chamada execução indireta; e (b) a coercitiva, em que a finalidade precípua do mecanismo reside em captar a vontade do executado, designada de execução indireta. A sub-rogação abrange a expropriação (art. 824 do NCPC), o desapossamento (art. 806, §2º, do NCPC) e a transformação (art. 817 do NCPC). Esses meios executórios visam à realização, respectivamente, da prestação pecuniária, da prestação de entrega de coisa e da prestação de fazer fungível. [...] Em matéria de coerção, as técnicas executivas utilizam a ameaça da prisão (art. 528, caput, do NCPC), inflingida na obrigação pecuniária falimentar, e da imposição de multa em dinheiro (astreinte), receitada, principalmente nas obrigações de fazer e de não fazer (art. 537 do NCPC)‖ (ASSIS, 2015, vol. I, p. 371).

392

DINAMARCO, vol. IV, 2009, p. 39-52, passim.

393

É esta premissa, aliás, que permite compreender o elastecimento dos meios atípicos de execução inclusive para as tutelas de pagamento de quantia (tradicionalmente marcadas pela exclusividade de medidas tais quais a incidência da multa do art. 475-J do CPC/1973 e de atos executivos como a penhora de bens e dinheiro), advinda com o CPC/2015. A esse respeito, vale conferir: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. 2015. Disponível em: http://jota.info/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia. Acesso em: 14 de janeiro de 2015. MINAMI, M. Y. Breves apontamentos sobre a generalização das medidas de efetivação no CPC/2015 – Do processo para além da decisão In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.); FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; e PEIXOTO, Ravi Medeiros (Org.). Coleção Novo CPC: Doutrina selecionada. vol. 5. Bahia: JusPODIVM, 2015, p. 218.

394 ―Ao dar ênfase às sub-rogações realizadas na execução por quantia certa e às coerções na

execução específica (fazer, não-fazer, entregar) o Código de Processo Civil está porém definindo meras preponderâncias, não exclusividades: também com relação às obrigações específicas o juiz tem o poder de impor medidas de sub-rogação e, inversamente, também nas execuções por dinheiro