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CRISE DA EXECUÇÃO CIVIL E NECESSIDADE DE APRIMORAMENTO

2. APRIMORAMENTO DA TÉCNICA PROCESSUAL COMO CAMINHO

2.3. CRISE DA EXECUÇÃO CIVIL E NECESSIDADE DE APRIMORAMENTO

O ainda grande desnivelamento do processo executivo em relação à efetividade da tutela jurisdicional, cujos contornos se tratou de delinear neste capítulo, tem como consequência direta a manutenção, ainda que se possa considerá-la mitigada, de

80 RIBEIRO, 2012, p. 39. 81 MOREIRA, 1986, p. 166. 82 ASSIS, vol. I, 2015, p. 58. 83 BEDAQUE, 2010, p. 20.

um cenário de crise do processo executivo, em outras palavras, de crise da efetividade da tutela executiva.

Tal crise, antes de ser uma crise do processo executivo, é parte de uma crise maior que pode ser analisada sob várias perspectivas e que envolve o próprio Poder Judiciário e até mesmo o modelo de Estado em que este se insere.84 Poder-se-ia, na esteira de José Carlos Barbosa Moreira, inclusive, cogitar-se de uma crise ética e cultural.85

Daí porque asseverar José Joaquim Calmon de Passos que ―não há uma crise do Poder Judiciário. Ela é de toda a nossa organização política‖ e que ―a chamada crise do Poder Judiciário é crise por infecção externa. O que a determina é estranho à função jurisdicional no que lhe é específico‖.86

Também é este o alerta de Ovídio Araújo Baptista da Silva, segundo quem os fatores que provocam e sustentam a crise do Direito e do processo encontram-se fora do seu domínio.87

Assim, tratar da chamada crise da execução civil, ou mesmo da também já explorada pela doutrina crise do Poder Judiciário, exige compreender que existem problemas ainda maiores e anteriores ao estudo da técnica processual, que se mostram intransponíveis pelo estudo do direito processual e pelo manejo dos instrumentos processuais executivos.

É justamente o caso das limitações de ordem natural a que faz referência Cândido Rangel Dinamarco, sendo limites naturais à execução aqueles óbices decorrentes das leis físicas, como a inexistência de patrimônio algum por parte do executado que permita a satisfação do crédito exequendo; ou, em outro exemplo, a perda ou

84

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. A crise do Poder Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. In: Revista do Ministério Público, n. 45, jul. 2001, p. 86-87.

85

MOREIRA, 1994, p. 137. Luigi Ferrajoli, por sua vez, ao abordar as crises que assolam os países democráticos nas últimas décadas, afirma que vivemos tempos de ―crisis de la legalidad‖, ligada à fenomenologia da ilegalidade do poder, em virtude das quais as normas gradativamente veem reduzidas em seu valor vinculante (FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías: la ley del más débil. 4. ed. Madrid, 2004, p. 15).

86

CALMON DE PASSOS, 2007, p. 838.

87

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Democracia moderna e processo civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 99-100.

destruição de uma coisa pretendida no seio de uma obrigação específica de entrega de coisa infungível.88

Com efeito, é incogitável alcançar-se uma execução civil frutífera, com satisfação do direito carente de tutela, e consequentemente pensar-se em uma tutela efetiva e satisfativa, se o devedor-executado não tiver patrimônio expropriável (notadamente no que se refere às execuções forçadas de obrigações de pagar quantia).

Não há técnica processual, instrumento processual (processo) ou organização procedimental89 que seja capaz de propiciar que se alcance a devida e efetiva satisfação se o que se pretende é impossível de ser alcançado, como destaca Araken de Assis.90 É dizer, em outras palavras, e com a ressalva de que as afirmações aqui feitas dirigem-se notadamente às execuções por expropriação, que ―o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados‖, como bem pontua Miguel Teixeira de Sousa.91

88

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. IV. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 60-62.

89

Procedimento é afirmado neste estudo, com base no escólio de Enrico Tullio Liebman, como o conjunto dos atos processuais, na sua sucessão e unidade formal, formadores de fases de um caminho, de um itinerário; ou na famosa expressão de João Mendes de Almeida Júnior o ―modo de se mover e a forma em que é movido o ato‖ (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. Direito Judiciário Brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 243-244). Proceder é, assim, a sucessão e o relacionamento na série constitutiva do processo de diversos atos processuais, justapostos, coordenados e subsequentes, de forma progressivamente lógica, entre si. Processo, por sua vez, para além da faceta organizacional dos atos processuais abrange a relação que une entre si os sujeitos processuais, revelando a “existência de toda uma série de posições e de relações recíprocas entre os seus sujeitos, as quais são reguladas juridicamente e formam, no seu conjunto, uma relação jurídica, a relação jurídica processual‖, como ensina, mais uma vez, Liebman (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. vol. I. Tradução e notas de Cândido R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 38-39). Luiz Rodrigues Wambier, ao tratar da superação da identidade entre procedimento e processo, ensina, no mesmo sentido, que ―Processo significa movimento, e isso se entendia como o encadeamento dos atos processuais, ordenados do início ao final do processo. Essa ideia é mais relacionada, é preciso que se reconheça, com o conceito de procedimento. Na verdade, hoje, o processo não é mais entendido apenas sob o enfoque da organização sequencial dos atos processuais, mas também a partir de uma análise finalística, isto é, dos fins que se reconhecem ao processo, notadamente no que diz respeito à atividade pacificadora do poder estatal que está presente nos atos decisórios jurisdicionais. O processo também é visto a partir das relações intersubjetivas que contém, quer entre os contendores, quer entre estes e o Estado, detentor do monopólio de distribuição da justiça‖ (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 87). A respeito da distinção processo e procedimento: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade procedimental. 2017. Orientador: Carlos Alberto Carmona (Tese de Doutorado – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo).

90

ASSIS, 2010, p. 35.

91

Piero Calamandrei, em conhecido artigo publicado na tradicionalíssima Rivista di

Diritto Processuale, alertava há décadas que obter justiça imprescinde, para além de

haver razão, encontrar quem possa pagar pelo que decidido pelo Estado-juiz.92

A crise ora focalizada encontra-se atrelada também a um outro fator, que diz respeito ao ambiente sociológico-econômico contemporâneo, característico das sociedades de consumo, em que, de um lado, estimula-se o consumo e o endividamento das pessoas,93 e, de outro, deixa de ser vergonhoso ou desonroso ser devedor e não honrar os débitos que assumiu, como ensina Roger Perrot.94

Nesse contexto, verifica-se o fenômeno de volatilização dos bens, alterando-se substancialmente o perfil patrimonial das pessoas, que, antes, concentravam seus patrimônios em bens de raiz, e agora tendencialmente dirigem os investimentos em títulos e valores facilmente negociáveis, o que dificulta sua localização pelo credor.95 Com esse cenário, multiplicam-se exponencialmente o número de devedores e, com isso, aumentam o número de ações de cobrança e de execuções, as quais, contudo, tendem a não alcançar a satisfação dos direitos exequendos em virtude da realidade acima exposta.

Assim é que se consegue compreender melhor o fato de haver, no Brasil, 61 milhões de inadimplentes, isto é, 29,3% da população brasileira,96 destacando-se, ademais,

92

CALAMANDREI, Piero. Il processo come giuoco. In: Rivista di Diritto Processuale. Vol. V. Parte I. Anno 1950, p. 25.

93

BAUMANN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 43-44; GRECO, 2005, p. 8.

94

PERROT, Roger. La riforma francese delle procedure civili d‘esecuzione. Traduzione de Micaela Curami. In: Rivista di Diritto Processuale, Padova, 47, n. 1, Gennaio-Marzo/1992, p. 210-211; PERROT, Roger. L‘effetività dei provvedimenti giudiziari nel diritto civile, commerciale e del lavoro in Francia. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, dez./1985, ano XXXIX, nº 4, p. 846.

95

GRECO, 2005, p. 8.

96

Os dados a respeito da inadimplência no Brasil são do ano de 2017 e foram obtidos junto à rede mundial de internet: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/brasil-tem-recorde-de- inadimplentes-61-milhoes-com-nome-sujo.html; http://exame.abril.com.br/economia/numero-de- inadimplentes-no-brasil-em-maio-bate-recorde/; http://veja.abril.com.br/economia/em-julho-594- milhoes-estavam-inadimplentes-diz-spc-brasil/. O número de habitantes no Brasil é revelado pelo IBGE. Em setembro de 2017, projeta-se população de cerca de 207 milhões de pessoas: http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/.

uma homogeneidade entre as regiões do país do número de inadimplentes: Norte (31,1%), Centro-oeste (26,4%), Sudeste (24,5%), Nordeste (23,6%) e Sul (22,4%).97 Para além disso, convive o Brasil com outra crise, a chamada crise do Poder Judiciário, diretamente atrelada a problemas decorrentes: (i) do excesso de processos resultante da grande quantidade de demandas (crise da demanda); (ii) do desaparelhamento do Poder Judiciário, da máquina judiciária (crise da oferta); e (iii) do alheamento dos operadores do direito, notadamente os juízes, da realidade prática (crise ideológica).98

Por todas essas razões expostas, resta plenamente compreendido o porquê de a tutela jurisdicional executiva ser tão inefetiva, a ponto de se colher, a partir dos dados apurados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um diagnóstico crítico a respeito dos processos executivos, perfazendo estes mais da metade do total de processos em trâmite no Poder Judiciário brasileiro, crescimento que se verifica desde o ano 2009.

Conforme o Relatório Justiça em Números 201799 (apuração mais recente disponibilizada pelo CNJ), o acervo processual do Poder Judiciário brasileiro contava com cerca de setenta e nove milhões e setecentos mil processos, sendo 51,1% em fase de execução (cumprimento de sentença ou execução autônoma).

E como consequência natural de todo esse cenário apresentado, os processos executivos, de acordo com o referido relatório, são os que mais tempo tramitam: a média, na Justiça Estadual, é que um processo executivo tramite por sete anos e cinco meses; e, na Justiça Federal, sete anos e seis meses (saliente-se: sem que ao final se possa falar necessariamente em satisfação).

A compreensão dessa realidade do Brasl é relevantíssima para que se possa traçar, em consonância a ela e às limitações dela decorrentes, a adequada organização de

97

Informações obtidas junto ao website do Serasa Experian: https://www.serasaexperian.com.br/estudo-inadimplencia/.

98

ASSIS, 1994, p. 9-25; MARCATO, 2001, p. 19 e et seq.

99

Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ, 2017, p. 67, 109 e 130-133. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/9d7f990a5ea5e55f6d32e64c96f0645d.pdf. Acesso em: 17 de fevereiro de 2018.

justiça, as estratégias de canalização e resolução dos conflitos, o modo de ser dos instrumentos processuais, conforme ensina Kazuo Watanabe, que arremata: ―não se organiza uma Justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, políticas, econômicas e culturais‖.100

Certamente, isso enseja pensar na necessidade de investimentos na estrutura judiciária e estímulo aos meios alternativos de composição, como destacam Araken de Assis e José Carlos Barbosa Moreira;101 bem como na necessidade de uma guinada ética e cultural, como ensina Paulo Henrique dos Santos Lucon, sendo fundamental para tudo isso ―que o Estado tenha um efetivo interesse de promover a educação dos cidadãos, aspecto essencial de toda e qualquer alteração estrutural‖.102

De outro lado, tudo isso não retira a validade e a relevância de se mirar a execução civil, os procedimentos e as técnicas previstos para a realização de direitos a partir do referencial das deficiências e das insuficiências que internamente (e não por infecção externa) o processo executivo apresenta, perquirindo-se em que ponto uma releitura de institutos é proveitosa e consoante à perspectiva da tutela efetiva, tempestiva e adequada e, num passo seguinte, o que se deve fazer para realizar os ajustes necessários.

Assim, não nos parece que seja possível descartar ou tornar irrelevante a investida direcionada ao aperfeiçoamento das técnicas e procedimentos executivos, como sugere Calmon de Passos ao afirmar que, dentre as diversas perspectivas possíveis de análise da crise da atividade jurisdicional, aquela relativa aos procedimentos e às técnicas processuais é ―irrelevante‖ e ―serve de pretexto para o encobrimento‖ da verdadeira crise.103

100

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128-135.

101

ASSIS, 1994, p. 131.

102

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das Decisões e Execução Provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 179-180.

103

Atentos, a partir do alerta de Michele Taruffo, de que se deve observar a capacidade de os instrumentos jurisdicionais assegurarem e promoverem uma tutela eficaz dos direitos não limitada à mera afirmação por parte do juiz,104 resta plenamente possível visualizar as marcas da crise da execução civil, a partir do óculo exclusivo da técnica processual executiva, e tentar a partir disso reduzir a burocracia, a morosidade e a inefetividade processual.

Tomando-se por referência o relatório geral acerca das Ultimas evoluciones en

materia de ejecución forzosa singular (Würzburg, 1983), no Congresso Internacional

de Direito Processual, costuma-se definir que a crise da execução propriamente dita está relacionada aos seguintes fatores: o reajustamento da prestação pecuniária (el

reajuste de la deuda); o emprego dos meios coativos na execução (la coacción en la ejecución); a localização dos bens e valores componentes do patrimônio do devedor

(el descubrimiento del patrimonio del deudor); e a efetividade dos atos de expropriação (la efectividad de las subastas).105

Em tentativa de simplificação e aproximação de tais campos à realidade brasileira, poder-se-ia listar os dois grandes fatores que, em conjunto, representam grandes obstaculizadores da obtenção da tutela de efetiva satisfação: a complexidade/rigor procedimental e a obstaculização à sujeição do patrimônio do executado à expropriação. Ambas se atrelam, aliás, ao problema enfrentado nesta dissertação. O procedimento de execução, como delineado hoje no Código de Processo Civil brasileiro, ainda é dispendioso, demorado e presta-se a manobras procrastinatórias do devedor, notadamente nas execuções relativas a pagamento de quantia, quando exsurge a necessidade, muitas vezes, de se ter que apreender bens do devedor a fim de obter, com a respectiva alienação, numerário suficiente para o pagamento do credor.

Assim, é preciso reconhecer, na esteira de Jack Friedenthal, Mary Kay Kane e Arthur Miller, que o caminho necessário para se chegar à satisfação final é uma longa jornada, necessária para certificar o direito suscitado e, posteriormente, coletar o

104

TARUFFO, 1990, p. 73.

105

TARZIA, Giuseppe. Problemas Atuais da Execução Forçada. In: Revista de Processo, v. 90/1998, p. 6.

prêmio declarado ao vencedor, jornada que se torna ainda mais dura e demorada diante do não cumprimento voluntário pelo devedor, quando condenado.106

No Brasil, tal fisionomia rigorosa, inflexível, morosa (isto é, inefetiva) do processo executivo expropriatório se nota com facilidade a partir da análise de alguns dos problemas mencionados pela doutrina, tomando-se por referência o CPC/2015. São eles:

(i) As limitações das fontes de pesquisa sobre o patrimônio do devedor, como já alertam Barbosa Moreira107e Araken de Assis108 há mais de uma década, bem como a dificuldade de individuar e localizar o patrimônio sujeito à expropriação;109

(ii) A necessidade de requerimento para início do cumprimento de sentença definitivo para pagamento de quantia (arts. 513, §1º e 523, caput, CPC/2015), o que é dispensado pela lei processual no que tange ao cumprimento de sentença relativo a obrigações específicas;

(iii) A necessidade de requerimento de penhora eletrônica de dinheiro (art. 854), muito embora seja este o caminho natural e lógico em consonância à ordem de preferência de bens penhoráveis, à liquidez do dinheiro e à sua capacidade imbatível de satisfação imediata do crédito exequendo;

106 ―A favorable judgement on the merits may prove to be only the first skirmish in what turns out to be

a very long, hard-fought battle to collect the award. The entry of a judgement against a defendant ordinarily is merely declaratory of the fact and amount of liability. Many defendants are reluctant to pay judgements entered against them, and it is the judgement creditor‟s responsibility to commence collection proceedings‖ (FRIEDENTHAL; KANE; MILLER, 1985, p. 708).

107

MOREIRA, 1986, p. 156-157.

108

ASSIS, 2000, p. 49.

109

Comoglio também considera a individuação dos bens sujeitos à expropriação o ponto agudo da crise de inefetividade da tutela executiva. Confira-se: ―Un problema assai grave [...] riguarda l‟esecuzione per espropriazione e la sua globale ineffettività, con serie ripercussioni sulla concretiza attuativa delle garanzie costituzionali. Il punto di acuta crisi del sistema si riscontra nelle difficoltà – ormai generali – con cui è possibile individuare (o, se si preferisce, localizzare e reperire) i beni da sottoporre ad espropriazione forzata mobiliare‖ (COMOGLIO, 1994, p. 463). No mesmo sentido: ―Ao refinar-se, no Brasil, a busca de bens do devedor, fatalmente muito se contribuirá para que execuções infrutíferas sejam evitadas, bem como para que a própria indicação de bens penhoráveis, pelas partes, possa ser mais precisa e em conformidade com a noção de efetividade processual‖ (MEDEIROS NETO, 2015, p. 12).

(iv) A proteção desproporcional do patrimônio do executado a partir da fixação de rol de bens impenhoráveis (art. 833, CPC/2015), que preterem, em algumas hipóteses, o direito ao crédito em proteção do patrimônio daquele que deve e não paga;

(v) A dificuldade de aferição e combate às fraudes dos devedores (fraude à execução e fraude contra credor), notadamente em decorrência do direcionamento excessivo do ônus de prova ao exequente acerca da ocorrência de fraude e má-fé do terceiro adquirente,110 em descompasso com a necessidade de distribuição de tal ônus a partir da dificuldade/facilidade de cumprir o encargo e de obter a prova (arts. 373, §1º e 792, §2º, CPC/2015);

(vi) As dificuldades relacionadas com o mau funcionamento do mecanismo da alienação forçada dos bens apreendidos na execução, mediante avaliação dos bens penhorados e fixação rígida de valores mínimos de alienação (preço vil) que, muitas vezes, acabam por frustrar a satisfação (ainda que parcial) do direito de crédito do exequente e favorecer ao executado, que permanece devedor inadimplente, mas com patrimônio suscetível de expropriação.

Para além desses problemas, outros atinentes ao prazo de cumprimento voluntário podem ser destacados, e são estes que receberão atenção nesta dissertação, a qual objetiva compreender, como já dito, o porquê de a execução forçada somente se iniciar, em regra, após a concessão de prazo destinado ao cumprimento voluntário pelo devedor da obrigação consubstanciada no título executivo (arts. 523, caput e §3º; 538; 806, caput e §2º; 815 e 816; 822; e 829, todos do CPC/2015).

Nesse contexto, ainda outras incoerências do sistema processual executivo (certamente marcas da desimportância científica e técnica conferida à execução civil), diretamente relacionadas ao prazo de cumprimento voluntário, saltam aos olhos do operador do direito ao se deparar, por exemplo, com:

110

Vale conferir, nesse sentir, a análise proposta por Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo em tese de doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, intitulada ―A Relevância do Elemento Subjetivo na Fraude de Execução‖, na qual o autor apura que, nos mais de 130 julgados do C. STJ analisados – todos com atribuição da prova da má-fé pelo credor –, em menos de 8% reconheceu-se a fraude à execução. Confira-se: AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. A Relevância do elemento subjetivo na fraude de execução. Orientador: Walter Piva Rodrigues, São Paulo: 2010 (Tese de Doutorado – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo), p. 220 et seq.

(a) a diversidade de regime jurídico do prazo para o cumprimento voluntário no limiar do cumprimento de sentença e do processo de execução para pagamento de quantia (arts. 523 e 829, CPC/2015), sendo fixado o prazo de três dias para pagamento em execuções lastreadas em títulos extrajudiciais e de quinze dias para pagamento em cumprimentos de sentença de pagar;

(b) a diversidade de regime jurídico na fixação de honorários advocatícios em caso de inadimplemento no prazo concedido ao executado para tanto no cumprimento de sentença e no processo de execução para pagamento de quantia (arts. 523, §1º e 827, §1º, CPC/2015), na medida em que o executado que cumpre a obrigação de pagar no prazo a ele conferido é condenado em 5% de honorários sucumbenciais na execução autônoma, mas se vê livre de honorários se o fizer no cumprimento de sentença, módulo este que também exige do exequente requerimento dotado de certa complexidade (art. 524, CPC/2015);

(c) O fato de o Código de Processo Civil ora determinar a fixação de prazo judicial, ora legal, ora de acordo com o que previsto no título executivo, para o cumprimento voluntário em execução de obrigações específicas (arts. 806 e 815);

Elencados, portanto, alguns dos muitos problemas que ainda afetam os processos executivos e os impedem de se nivelar aos anseios de uma tutela executiva efetiva, o desafio que se impõe certamente é abandonar atitudes contemplativas, em busca de fundamentos para a construção de um sistema normativo cada vez mais aperfeiçoado.111

Cumpre-nos, assim, tomados por este espírito, compreender os problemas relativos ao prazo de cumprimento voluntário, a partir da análise de sua fisionomia na relação processual executiva e da função a ele atribuída, pelo legislador, no processo executivo, procurando solucioná-los, em sendo isso possível.

111

GRECO, 2005, p. 9. Também é esta a lição de José Carlos Barbosa Moreira, que defende a necessidade de que o discurso do jurista não se limite a reconhecer e apontar problemas no plano