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3. INADIMPLEMENTO NO DIREITO CIVIL

3.5. INADIMPLEMENTO E ATO ILÍCITO

Já restou assentado que dos atos ilícitos também nascem relações obrigacionais286 e, portanto, deveres de prestar, restando-nos compreender, aqui, como a figura do inadimplemento se relaciona com o ato ilícito.

O ponto de contato está em que o sujeito que comete ato ilícito torna-se sujeito passivo de uma relação obrigacional, conforme ensina Eduardo Espínola. Assim, aquele que devia obediência apenas a um direito absoluto, geral, torna-se devedor, em relação ao sujeito lesado (credor), do dever de reparação dos danos causados287

Willis Santiago.Responsabilidade patrimonial e fraude à execução. In: Revista de Processo, vol. 65, jan./1992, p. 175).

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Desse modo, não existe responsabilidade se não houver uma dívida, e, da mesma forma, não haverá responsabilidade depois de extinta a obrigação, uma vez que aquela é instrumental/perinorma em relação a esta. É preciso, contudo, entender que afirmar que a responsabilidade patrimonial, enquanto norma secundária e de caráter instrumental, não subsiste se não houver uma dívida não se confunde com situações nas quais é possível verificar a existência de responsabilidade sem débito e vice-versa ou, ainda, quando o responsável se mostra sem patrimônio suficiente para o adimplemento da obrigação. Nesta última hipótese, está-se diante de problema relacionado à efetividade da responsabilidade patrimonial e não à inexistência de dívida. Por sua vez, casos de débito sem responsabilidade e responsabilidade sem débito são plenamente possíveis de ocorrer, não alterando em nada o que foi dito quanto à inexistência de responsabilidade sem que exista uma dívida. Veja-se, por exemplo, uma obrigação natural consistente numa dívida de jogo ou de aposta. A dívida existe, contudo não há responsabilidade, isto é, o patrimônio do devedor não estará sujeito à responsabilidade em caso de inadimplemento (art. 814, do CC/2002). Diferentemente disso, um terceiro garantidor (fiador) é responsável pela dívida assumida no contrato, muito embora não seja ele o devedor; é dizer, ele possui responsabilidade sem ser o titular do débito (RODRIGUES, Manual de Execução Civil, 2016, p. 974-975).

286

Confira-se, por todos, PACIFICI-MAZZONI, vol. II, 1928, p. 606.

287 As palavras do autor são as seguintes: ―Limita-se o art. 159 a declarar que fica obrigado a reparar

– reparação esta que, como delineado em tópico precedente, não é necessariamente uma prestação de pagar quantia.

Carlo Crome diferencia, entre os deveres de reparar, os primários e aqueles acessórios, na medida em que, nestes (tal qual ocorre com o inadimplemento), o dever de reparar (que é um dever de prestar) exsurge da violação do dever de prestar; enquanto, naqueles (tal qual os atos ilícitos), o dever de reparar é um dever de prestar inédito, sem qualquer relação com um dever de prestar anterior, haja vista exsurgir da violação de um direito absoluto.288

É esta também a lição de Massimo Bianca, para quem a indenização não é remédio limitado às hipóteses de inadimplemento obrigacional, mas também atribuído aos casos em que reste verificado ato ilícito.289

Dito isso, a questão está em como afirmar existir inadimplemento em relação aos atos ilícitos se, efetivamente, prestação a ser realizada não há, na medida em que se está diante de direito absoluto? Isto é, se, como delineado em tópicos atrás, inadimplir é não realizar determinada prestação devida com pontualidade,290 como falar em inadimplemento no que tange aos atos ilícitos se prestação alguma havia de se adimplir, mas sim apenas um direito absoluto devia se respeitar?

Em resposta a tal pergunta, Massimo Bianca não tem dúvidas ao afirmar que o inadimplemento concerne à inobservância de uma obrigação em relação a um

imprudência, viole direito de outrem, ou lhe cause prejuízo. Por outras palavras: o autor, doloso ou culposo, dum acto illicito (ou delicto civil) torna-se sujeito passivo da obrigação de indemnizar os prejuízos causados‖ (ESPÍNOLA, 1918, p. 456). Além disso, outro dado aproxima a responsabilidade obrigacional e aquela decorrente dos atos ilícitos, a saber: ―il dato che acomuna le due responsabilità è anzitutto la stessa nozione di responsabilità, quale sanzione per violazione di un dovere giuridico: obbligo specifico nei confronti del creditore, obbligo generico nei confronti dei consociati‖ (BIANCA, vol. V, 1994, p. 547).

288“La prestazione del danno può essere il contenuto primario, oppure soltanto il contenuto accessorio

de un‟obbligazione. La prima cosa avviene nei casi del diritto moderno indicatti nella nota di responsabilità per danno senza colpa, e in specie nei delitti, l‟ultima principalmente nell‟inadempimento dell‟obbligazione. In quest‟ultima ipotesi il risarcimento dal danno può sottentrare in luogo della prestazione originariamente dovuta o può venire accanto a questa” (CROME, 1908, p. 95).

289“Il risarcimento del danno non è un rimedio limitato all‟inadempimento. Esso è piuttosto il rimedio

generale contro l‟illecito, contrattuale ed extracontrattuale” (BIANCA, vol. V, 1994, p.111).

290

Utiliza-se aqui a noção de pontualidade de acordo com as lições de Antunes Varela, Manuel A. Domingues de Andrade e Mario Julio da Costa já destacadas tópicos atrás.

determinado direito e a um determinado credor, afirmando, diante disso, que inadimplemento não se confunde, nem se iguala a ato ilícito.291

A despeito disso, reconhece o autor que o Código Civil italiano prevê, dentre as hipóteses de mora ex re (dies interpellat pro homine), a situação jurídica decorrente da prática de atos ilícitos.292

O cenário acima relatado é semelhante ao que se verifica no Direito pátrio, cujo Código Civil vigente (CCB/2002) prevê, no art. 398, que ―nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou‖. É dizer, a legislação civilista associa à prática do ato ilícito a ocorrência de inadimplemento, conquanto não se pudesse falar, tecnicamente, em inadimplemento neste caso.

Não obstante isso, isto é, ainda que não se trate de inadimplemento, importa-nos que, quanto aos efeitos, inadimplemento e ato ilícito se aproximam, a ponto de Eduardo Espínola afirmar a identidade entre o dever de reparar decorrente dos atos ilícitos e o dever de reparar decorrente de inadimplemento obrigacional.293 Tanto num caso como noutro, a verdade é que exsurge uma relação obrigacional voltada à reparação dos danos causados294 por aquele que praticou o ato ilícito (arts. 189 e 927, CCB/2002) ou o inadimplemento (art. 389, CCB/2002).

Dito isso, tratando-se de ato ilícito, somente é possível falar em inadimplemento no âmbito da relação jurídica obrigacional exsurgida em virtude do cometimento do ato ilícito, e não propriamente do ato ilícito que não se confunde com inadimplemento, apesar de ambos carregarem a pecha da violação em si.

291 ―L‟inadempimento deve escludersi, ancora, com riguardo agli obblighi generici di rispetto altrui. La

violazione di tali obblighi da luogo all‟illecito extracontrattuale, figura che ha in comune con l‟inadeppimento la qualifica della illicettà ma che rispetto ad esso si diferenzia nettamente per la diversità dei presupposti e degli effeti” (BIANCA, vol. V, 1994, p. 4).

292

BIANCA, vol. V, 1994, p. 96.

293

ESPÍNOLA, 1918, p. 456.

294

A doutrina, como se verifica, por todos, em Massimo Bianca, admite a reparação sob a forma específica no que tange aos atos ilícitos. Confira-se: BIANCA, 1994, vol.V, p. 188.