político-econômico. Em artigo na Folha no final de 1992, ele insistiu que a
[...] sociedade brasileira precisa se conscientizar de que está no
agribusiness – da cadeia de alimentos e fibras – nossa alternativa
de crescimento sustentado, nossa principal alavanca de integração competitiva com a economia internacional e nosso grande instrumento de distribuição de renda (FSP, 15/12/1992: 2).
O presidente da Agroceres reforçou, na ocasião, alguns pilares do espírito do agribusiness, aludindo à sua participação no PIB, ao falar de crescimento, e à sua contribuição para a balança comercial, ao mencionar a integração internacional competitiva (FSP, 15/12/1992).
Foi nesse contexto que a ideia de criação de uma entidade agrupando diversas representações da agropecuária e dos setores a ela conectados, já aventada desde, pelo menos, o começo da década de 1990, finalmente tomou corpo.
3.4 Considerações finais ao capítulo
No início deste capítulo, mostrou-se que, entre a segunda metade da década de 1980 e começo dos anos 1990, o contexto econômico e político para a agropecuária, e, por extensão, às indústrias de máquinas e insumos agrícolas, era problemático, principalmente por conta da falência do mecanismo de financiamento de crédito rural subsidiado pelo governo (pela população, melhor dizendo).
Respondendo a esse desafio, a Agroceres agiu desenhando um projeto político-econômico para o agribusiness que tinha como fundamentos tanto a noção original criada na Harvard Business School em 1955 quanto narrativas que a acompanhavam.
Houve relevante aceitação desse projeto entre o empresariado, na imprensa e na academia, o que era evidenciado, dentre outras razões, pelo aumento da proeminência da noção de agribusiness na esfera pública. O governo, contudo,
endereçado principal do projeto, não havia acompanhado esse movimento. Foi nesse ambiente que a ideia de criação da Abag ganhou materialidade.
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Capítulo 4 – Institucionalização do projeto: a concertação
Os planos de criação de uma entidade representativa do agribusiness no Brasil tiveram sua origem no início da década de 1990. Nessa época, a atuação da FAAB vinha perdendo intensidade após a vitória contra a reforma agrária na Assembleia Constituinte, seu principal elemento aglutinador (GOMES DA SILVA, 1989;; PAOLINELLI, 2017). Gradativamente, as entidades que haviam liderado essa movimentação patronal, OCB, SRB e CNA, passavam a distanciar-se entre si (RODRIGUES, 2017). Além disso, as frágeis conexões políticas construídas na Frente Ampla com representantes das funções a montante e a jusante da agropecuária ficavam ainda mais precárias, assumindo, por vezes, caráter mais conflitivo, em função de disputas distributivas que eram agudizadas pelo quase desmoronamento da política agrícola.
Pode-se entender esse processo pelo recurso à imagem de um pêndulo que havia partido da (1) fragmentação advinda tanto da constituição dos CAIs e de suas entidades representativas quanto do enfraquecimento da CNA para (2) uma atuação política relativamente concentrada no âmbito da FAAB e, finalmente, para (3) uma nova fragmentação da atuação política quanto aos assuntos que diziam respeito ao conjunto de agentes das cadeias produtivas ligadas à agropecuária.
Esse movimento ocorria em ambiente de crescente abertura comercial, que, por sua vez, exigia uma rearticulação do patronato rural. Presidente da OCB, Roberto Rodrigues liderou a reação a esse cenário (MENDONÇA, 2011)121. Em uma comemoração de aniversário da Sociedade Nacional da
Agricultura (SNA)122 no começo de 1990, Rodrigues anunciou que a OCB, a
CNA, a SRB e a própria SNA, que compunham a enfraquecida FAAB, iriam criar o “Instituto Superior de Estudos Agrícolas” (JB, 17/01/1990: 14).
Seu diagnóstico era que faltava uma base acadêmica mais robusta que provesse seus líderes com fundamentos sólidos – como argumentos tecnicamente embasados e estatísticas – que dessem sustentação a um
121 Para mais detalhes sobre a história de vida de Roberto Rodrigues, ver Grynszpan (2016). 122 Entidade patronal da agropecuária criada em 1897 no Rio de Janeiro. Sobre a SNA, ver
trabalho político de unificação, em torno de objetivos compartilhados, dos agentes de segmentos ligados à agropecuária e daqueles a ela relacionados. Ao lado do centro de estudos, planejava-se dar origem a uma trading que abrisse oportunidades nas exportações (JB, 17/01/1990). Com base nessa proposta, seria criada, ainda em 1990, a Exportadora e Importadora de Cooperativas S.A. (EXIMCOOP), que passou a intermediar as exportações de algumas de algumas das principais cooperativas agrícolas brasileiras (GRYNSZPAN, 2016).
Nesse contexto, a noção de agribusiness passaria a ser mais relevante para Rodrigues. Bittencourt de Araújo, então presidente tanto da Agroceres quanto da Associação Brasileira de Milho e Sorgo (1986-1988), tinha se aproximado da FAAB ao final da Constituinte (RODRIGUES, 2017a)123. O
diálogo entre Rodrigues e Bittencourt de Araújo evoluíra a partir de então, com destaque para a contribuição da OCB à publicação do livro “Complexo Agroindustrial: o ‘agribusiness’ brasileiro”, apresentado anteriormente.
Começara a ficar evidente que o plano político-econômico sendo proposto pela Agroceres poderia oferecer uma base conceitual sólida e adequada para a reorganização, em bases mais bem consolidadas, dos atores do patronato rural e de segmentos a montante e a jusante da agropecuária, e, além disso, para a reinserção política de Rodrigues, que estava para deixar a presidência da OCB, o que ocorreu em março de 1991 (OESP, 05/03/1991, 27/03/1991).
Após mencionar várias propostas diferentes, Rodrigues finalmente anunciou, em fevereiro de 1991, dois meses após o Encontro Internacional de Agribusiness, com a presença de Goldberg, o planejamento que viria a tornar-se realidade: estava sendo preparada a primeira “associação nacional de agribusiness”, que agregaria produtores de máquinas, insumos, armazéns, produtores rurais, dentre outros atores (FSP, 12/02/1991: 2).
123 A Agroceres chegou a ceder Ivan Wedekin para ajudar nos trabalhos da FAAB na
4.1 Abag: criação e justificação
A decisão definitiva de criar uma entidade de agribusiness foi tomada na fazenda de Rodrigues, no interior de São Paulo, com a presença do grupo da Agroceres (RODRIGUES, 2017a;; WEDEKIN, 2017). No dia 10 de março de 1993, era fundada oficialmente a Abag (ABAG, 2013), procurando concatenar empresas da agropecuária e algumas daquelas situadas a montante e a jusante dela. Diferentemente da FAAB, que era um agrupamento informal, foi decidido que a nova organização teria sede, orçamento e estatuto (RODRIGUES, 2017a).
A criação da Abag representou o surgimento da concertação política do agribusiness no Brasil. Como elaborado na introdução, a concertação consiste em uma composição intersetorial de caráter político entre representações da agricultura e de segmentos da indústria e de serviços conectados a ela que, alicerçada na categoria agribusiness/agronegócio, atua de forma multilateral, coordenada, institucionalizada e sistemática. Seu objetivo central é a ação voltada a convencer a opinião pública a valorizá-la e pressionar o Estado a inseri-la como elemento estratégico no planejamento governamental. Dadas essas características fundamentais, a concertação é um fenômeno sui generis que representa mais do que a soma de suas partes.
Por sua liderança na elaboração e promoção do projeto político- econômico do agribusiness, Ney Bittencourt de Araújo foi escolhido presidente da Abag. Em seu Conselho Administrativo, a entidade contava com representantes de empresas e entidades de agrotóxicos (Monsanto), de fertilizantes, de sementes, da agropecuária, de alimentos (com destaque para a Nestlé, a Sadia e a Abiove), de várias cooperativas agrícolas, de uma rede de supermercados (Sendas), de uma empresa de comércio e exportação (Quintella), de bolsas, de bancos, da Embrapa, do jornal O Estado de São Paulo e de acadêmicos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1993)124. No gráfico 6, pode-se
124 A Abag continha, em seu início, participação tanto de empresas quanto de entidades.
Com o tempo, como se verá nesta tese, ela passou a ser, fundamentalmente, uma entidade formada por empresas, o que implicou a diminuição de seu potencial de representação no âmbito da concertação ao longo dos anos 2000 e 2010.