4.1 Abag: criação e justificação 154
4.1.1 Lobby 161
conselheiros em manter o termo da HBS na grafia original, evitando-se tentativas de traduções (JORNAL DO COMMERCIO, 07/05/1993). Essa foi a principal razão pela qual, na maior parte da década de 1990, o termo “agribusiness” dominou a esfera pública brasileira. “Agronegócio”, embora já utilizado no Brasil desde os anos 1960, somente ganhou destaque quando o projeto de agribusiness teve sua aceitação pela cúpula do governo federal, o que será discutido no capítulo seguinte.
4.1.1 Lobby
A Abag, emprestando para si o prestígio (BOURDIEU, 1991) de seus líderes e das empresas que a compunham, passou rapidamente a atuar com destaque na esfera pública. Ainda em 1993, a entidade realizou um seminário sobre aumento da produção de alimentos e promoveu encontro para discutir os problemas de transporte para as safras. Segundo Bittencourt de Araújo, a ineficiência em infraestrutura seria a principal responsável pelas dificuldades de competitividade dos produtos agrícolas (JB, 12/04/1993;; OG, 20/06/1993;; OESP, 01/09/1993).
A entidade também criticou o volume de recursos para o crédito. Ela estava acompanhada, nessa reivindicação, pelo Sindicato da Indústria de Fertilizantes de São Paulo e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais para afirmar que, além disso, a burocracia na liberação do crédito rural estaria retardando o plantio das safras (OESP, 24/08/1994).
No primeiro semestre de 1994, a Abag participou de um processo de avaliação da Secretaria de Agricultura de São Paulo, no momento chefiada por Roberto Rodrigues. Um dos diagnósticos ao final do processo foi que haveria desintegração das áreas dentro da secretaria, sendo um modelo mais sistêmico a melhor solução (ESP 04/05/1994). Havia, ademais, um olhar estratégico da entidade com relação às possibilidades das exportações, em especial relacionado ao potencial futuro da China na demanda por commodities (OESP, 01/01/1994).
Ainda em 1994, a organização presidida por Bittencourt de Araújo criou uma estratégia de apresentação direta de propostas aos candidatos à presidência da República que se tornaria o elemento fundamental de sua atuação nas décadas seguintes: o envio de documento com pleitos da concertação aos postulantes a esse cargo. Em “Um panorama do agribusiness no Brasil - Documento para os candidatos à Presidência da República” (ABAG, 1994), percebe-se, de início, o pleito de que a concertação política de agribusiness fosse inserida no planejamento estratégico do governo federal. Na administração pública, propunha-se que o Ministério da Agricultura estivesse em maior diálogo com outros ministérios que tinham envolvimento com as pautas que relacionavam, transversalmente, agricultura, serviços e indústria.
Em seguida, a entidade propunha o revigoramento da política agrícola, com solicitações de mais recursos para custeio e comercialização das safras, melhorias nas taxas de juros e aumento das possiblidades de financiamento privado, além de avanços nas políticas de preços mínimos, de informações de safras, de pesquisa e de seguro agrícola. Outro destaque era a ênfase a uma política de exportações, que tinha como proposições fundamentais a desvalorização da moeda e a extinção de tributos para itens exportados (ABAG, 1994).
No documento, a Abag sinalizava, embora sem muita ênfase, apoio à política de reforma agrária (ABAG, 1994), repetindo posição já externada no ano anterior (ABAG, 1993), o que operava uma clivagem com a posição predominante nas organizações nacionais do patronato rural, como havia ficado evidente com a atuação da FAAB nos debates da Assembleia Constituinte. No começo da Abag, o patronato rural, historicamente contrário aos anseios por redistribuição das terras (BRUNO, 2015), não detinha hegemonia – quando comparada àquela adquirida no âmbito da FAAB – sobre as decisões estratégicas da entidade, que, como se apresentou, era de natureza intersetorial. Além disso, seu presidente, Ney Bittencourt de Araújo, considerava a reforma como socialmente importante, sendo uma das razões dessa consideração a possibilidade de ela aliviar tensões no campo (XAVIER, 1996). Um terceiro fator é que as ações do Movimento dos Sem Terra ainda não haviam ganhado maior ímpeto e publicidade, o que começaria a acontecer a
partir de 1995 (DATALUTA, 2015;; POMPEIA, 2009a). Finalmente, é possível que a proximidade com acadêmicos progressistas nos primeiros anos da entidade tenha influenciado esse posicionamento (ABAG, 1993, 1994)129.
Ademais, sugeria-se no documento (ABAG, 1994) uma política agrícola específica para os produtores não patronais. Havia no documento, ainda, propostas sociais para o campo, com incentivo à universalização da habitação e da educação rurais. Tanto a posição sobre a reforma agrária quanto propostas sociais dessa ordem sairiam do leque das posições da Abag no futuro (ABAG, 2003, 2010).
Pode-se notar, também, uma convergência forte entre os interesses dos atores da agropecuária e daqueles das indústrias a montante, e algum elemento conflitivo entre a agropecuária e os representantes das funções a jusante (ABAG, 1994). Isso porque, por um lado, enfatizava-se a necessidade de mudanças normativas no que tange às sementes e aos agrotóxicos, e solicitava- se a isenção de impostos para a aquisição de máquinas agrícolas;; por outro, pedia-se apoio para a construção de armazéns nas fazendas, além da montagem de frigoríficos públicos (estes ajudariam a garantir preços melhores para a venda de animais;; aqueles, para a comercialização das safras).
O fato de os segmentos de insumos e máquinas dependerem da renda crescente da agropecuária (pois, em caso contrário, a demanda por seus produtos potencialmente decresce) e de os produtores patronais contarem com a tecnologia para aumentar sua produtividade cria sinergias para o entendimento político entre esses dois subconjuntos do agribusiness, embora suas relações sofram também com conflitos distributivos. Esses conflitos são, contudo, mais complicados na relação entre a agropecuária e as indústrias e serviços a jusante, não tão dependentes da boa remuneração dos produtores rurais. Muito ao contrário, quanto menos se paga, mais lucro se pode obter130.
Esse quadro ajuda a explicar o porquê de, no âmbito da Abag, as indústrias de alimentação e as redes de supermercados terem, na maioria dos
129 O documento aos candidatos à Presidência da República (ABAG, 1994) tinha sido
redigido por Ana Célia Castro.
130 Isso não significa, contudo, que os segmentos a jusante não dependam de oferta em
casos, estado afastadas. Anos após a fundação da entidade, começariam a predominar na representação das funções a jusante as grandes esmagadoras de oleaginosas, os fabricantes de suco de laranja e as usinas de açúcar e álcool (ABAG, 2003). As empresas dessas áreas, por sinal bastante concentradas, são em grande medida detentoras de amplas plantações, tendo, consequentemente, interesses diretos na política agrícola, além de relações bem soldadas com as indústrias de máquinas e insumos agrícolas.
A conexão entre os agentes “antes” e “dentro da porteira” ganharia um grande impulso com a criação de uma feira dinâmica, gerando um dispositivo tanto econômico – de divulgação e venda de tecnologia – quanto político, como se mostrará abaixo.
4.2 Agrishow
Com efeito, a aproximação entre representações patronais da agropecuária e segmentos a montante dela acabou gerando a Agrishow. Criada em 1994, essa feira foi consolidando-se, com o tempo, como um grande espaço de contato entre indústrias de máquinas e insumos e os produtores rurais inseridos nas cadeias produtivas.
A inspiração para a Agrishow vinha da Expo Dinâmica 92, feira amparada pela SRB e pela Sociedade Rural do Paraná, e organizada por Brasílio de Araújo Neto, ex-secretário de Agricultura do estado do Paraná, em uma fazenda de sua propriedade próxima a Londrina. Idealizada no Farm Progress Show, dos Estados Unidos, a Expo Dinâmica apresentava plantações de soja e algodão que permitiam a empresas privadas e públicas de fertilizantes e sementes – a exemplo da Agroceres, da Bayer e da Embrapa – demonstrarem ao vivo as aplicações e os resultados de seus produtos. Planejada como itinerante, a Expo Dinâmica teve sua segunda edição em Uberaba, em 1993 (OESP, 20/03/1992;; AGROANALYSIS, maio de 2013).
Motivado pela iniciativa da feira dinâmica montada por Araújo Neto, Roberto Rodrigues, que no momento era Secretário de Agricultura do estado de São Paulo, firmou convênio com a Abag para montar a feira em uma área pública do município de Ribeirão Preto. Para isso, houve o patrocínio do Banco