A partir do final dos anos 1960 e começo da década seguinte, algumas organizações privadas passaram a divulgar a noção de agribusiness no Brasil. O maior destaque deve ser dado ao Agribusiness Council e à International Basic Economy Corporation (Ibec), cabendo menções, em menor medida, à Latin
American Agribusiness Development Corporation (LAAD) (JB, 23/05/1970, 13/12/1973).
No final da década de 1970, outras entidades apareceriam na cena pública brasileira agenciado o termo, como a Tate and Lyle Agribusiness Limited (JB, 19/10/1979), especializada em refino de açúcar, e a Multinational Agribusiness System Incorporated, que veio ao país estimular políticas de transferência de tecnologia para as fazendas e os setores a jusante delas (JORNAL DO COMMERCIO, 03/05/1979;; OESP, 19/05/1979).
Pouco tempo após ser criado pela articulação do governo dos EUA com corporações daquele país para atuar no âmbito da “Guerra contra a Fome”, o Agribusiness Council escolheu o Brasil como um dos locais com maior potencial para atuação. De fato, líderes e empresários desse consórcio de corporações do agribusiness fizeram uma série de visitas ao país entre o final da década de 1960 e o começo da seguinte, procurando oportunidades de investimento para as empresas que dele participavam. Diversas reportagens entre 1969 e 1973, em O Globo (22/11/1969, 04/05/1970, 26/03/1973, 18/04/1973), em O Estado de S. Paulo (03/12/1972 e 30/03/1973) e no Jornal do Brasil (26/11/1969, 27/11/1972, 04/12/1972), dentre vários outros periódicos, aludiram à presença desses representantes.
Ancorado na justificação da luta contra a insegurança alimentar e a fome mundiais, o conselho apareceu na esfera pública brasileira propondo um olhar mais sistêmico para o complexo agroalimentar. Não fortuitamente, as primeiras menções relacionadas ao Agribusiness Council no Brasil deram-se justamente no contexto de seu assessoramento no Congresso Latino-americano de Alimentação e Desenvolvimento, evento preparatório para o II Congresso Mundial de Alimentos, realizado pela FAO na Holanda, em junho de 1970. Conforme o Decreto de 19 de novembro de 1969 da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, o objetivo do evento era
[...] examinar as relações entre o desenvolvimento da agricultura, particularmente no setor alimentar e o desenvolvimento socioeconômico dos países da região, focalizando especificamente a importância da livre empresa na solução de problema alimentar dos povos do continente.
Na década de 1970, o conselho foi muito além dos assessoramentos, desenvolvendo uma relação mais próxima com o estado de Minas Gerais (MG), em particular. Esse estado vinha aumentando o oferecimento de crédito às empresas agropecuárias e estimulando investimentos privados na área mineira da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), e o órgão norte-americano inseriu-se como parceiro prioritário nesse processo.
Nessas atuações em MG, a linha de justificação para sua atuação continuava ancorada na narrativa da alimentação. Segundo O Globo (26/03/1973: 5),
O objetivo básico do Agribusiness Council é estimular e incentivar o desenvolvimento de empreendimentos agroindustriais em países em desenvolvimento, com vistas ao encaminhamento de soluções para os problemas de abastecimento mundial de alimentos, através da identificação de oportunidades de investimento para o setor privado americano no exterior.
Nessa direção, o conselho colocava-se como um agente especializado na perspectiva sistêmica do agribusiness:
Nós tentamos relacionar as oportunidades com investidores potenciais. Mais do que isso, quando solicitados, nós assessoramos com prazer governos e agências dos países em desenvolvimento que estão tentando estruturar projetos atrativos de agribusiness. Nós tentamos orientar seus planejadores no sentido de uma abordagem de desenvolvimento integrado para a agricultura (THE
AGRIBUSINESS COUNCIL, 1975: 100).
Segundo o então secretário de Agricultura de MG, Alysson Paolinelli, o conselho ajudou o governo de seu estado a criar um plano de desenvolvimento integrado para a agricultura. Um dos primeiros passos desse plano foi agregar todas as áreas, naquele momento dispersas, que tinham relação com o setor. Segundo Paolinelli, tratava-se de quarenta e dois órgãos que atuavam de modo pouco coordenado, com atritos e duplicidades. Com a inspiração de uma percepção mais sistêmica, houve a possibilidade de implantação de um sistema
de política agrícola mais integrada, concentrando esforços em aspectos como pesquisa e tecnologia (PAOLINELLI, 2017)89.
A relação entre o Agribusiness Council e o governo mineiro foi tão consistente que evoluiu para uma aliança política. Francisco Afonso Noronha, à época secretário de Indústria, Comércio e Turismo desse estado, participou ativamente de um grande evento do conselho na Europa, em 1974, quando estimulou investimentos no processo de industrialização da agricultura mineira (NORONHA, 1975). A entidade, por seu turno, enalteceu a atuação do governo de MG, elogiando-a como exemplo de planejamento e execução de atividades fundamentais para viabilizar investimentos externos no agribusiness (THE AGRIBUSINESS COUNCIL, 1975).
Além de Minas Gerais, governos de outros estados procuraram aproximação com a organização, como os do Espírito Santo e do Rio Grande do Norte (JORNAL DO COMMERCIO, 06/02/1973;; O POTI, 09/09/1973).
Alysson Paolinelli, que havia sido secretário de Agricultura em Minas até 1974, levou a experiência (e as relações) que teve em seu estado para o governo federal ao tornar-se ministro da Agricultura naquele ano. Nos anos de 1975 e 1976, por exemplo, ele esteve nos EUA, onde se encontrou com o secretário de Agricultura, Earl Butz – destacado agenciador do projeto das corporçaões norte-americanas –, esteve em contato com o Agribusiness Council para tratar de investimentos em tecnologia e capital na agricultura brasileira e propôs à John Deere a instalação de fábrica no Brasil (PAOLINELLI apud WELCH, 2014;; DIÁRIO DO PARANÁ, 14/10/1975) 90.
Além disso, Paolinelli aproveitava as viagens aos EUA para estabelecer acordos de formação de quadros técnicos de alto nível, estratégia que foi central para a consolidação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)91.
Já a International Basic Economy Corporation, criada em 1946 por Nelson Rockefeller e seus irmãos, era uma holding que detinha o controle acionário da
89 Alysson Paolinelli, entrevista ao autor em 9 de outubro de 2017.
90 Com efeito, essa indústria de tratores e máquinas começaria a atuar diretamente no Brasil
poucos anos mais tarde, em 1979 (DEERE, 2017).
Agroceres. Tendo Ray Goldberg como external advisor, a Ibec mobilizava a noção de agribusiness com alguma intensidade: o setor em que a empresa de genética vegetal se inseria na holding era chamado de “Agribusiness Division” (CASTRO, 1988;; GOLDBERG, 2017);; nas comunicações internas entre a controladora norte-americana e a Agroceres, costumava-se, também, agenciar a categoria (CASTRO, 1998;; GRYNSZPAN, 2012).
Assumindo posição de maior destaque na Agroceres a partir do final dos anos 1960, Ney Bittencourt de Araújo começou a ouvir e se interessar pela noção no âmbito da relação com a Ibec. Influenciado por esse ambiente, o então diretor-superintendente da Agroceres passou a divulgar a categoria agribusiness no Brasil já no início nos anos 1970 (CASTRO, 1988;; PINAZZA, 1996).
O governo norte-americano foi também promotor da noção de agribusiness no Brasil. Seu Nutrition and Agribusiness Group, do USDA, esteve no país no começo da década de 1970, juntamente com a USAID, assessorando a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) na estratégia dessa entidade de aumentar a produção de alimentos proteicos e promovê-los de forma mais eficiente nos mercados (FSP, 24/10/1972).
Essa movimentação da Abia provavelmente influenciou o primeiro uso da noção de agribusiness por um agente público de alto escalão do governo federal brasileiro. Um dia após o começo do evento da entidade das indústrias de alimentação com o Nutrition and Agribusiness Group, Paulo Yokota, então diretor do Banco Central do Brasil (BCB) encarregado da regulamentação e administração dos créditos concedidos para o setor rural brasileiro, realizou coletiva à imprensa para anunciar o programa “Corredores de Exportação”.
Segundo Yokota, esse programa trazia investimentos japoneses para os complexos rodo-ferroviário-portuários e para a infraestrutura de escoamento da produção, o que acabaria “[...] criando as bases para o desenvolvimento de uma nova atividade no País: a (sic) agrobusiness”92 (OESP, 25/10/1972: 1).
92 “Agribusiness” seria por vezes substituído por “agrobusiness” no Brasil (mais
frequentemente na imprensa que nas universidades). “Agrobusiness” tinha surgido nos Estados Unidos como variação gráfica da noção original, sem diferença de sentido. Seu uso, que parece ter começado com um artigo de Lester R. Brown, diretor do Departamento de
O agora ex-diretor do Banco Central explica que, à época, o governo federal planejava adequar a infraestrutura de transportes ao novo cenário produtivo:
Ocorrendo o aumento da produção de cereais como milho e soja, havia que se tratar de sua colocação competitiva no mercado internacional. Para tanto criamos com a colaboração japonesa o chamado projeto “Corredores de Exportação”. Até então, o grosso da exportação brasileira de produtos agrícolas como o café era feito em sacarias. Foram criados silos no meio rural, providenciados vagões graneleiros, moegas para recebimento rápido de cereais, correias transportadoras para carregar os navios. Ao mesmo tempo, havia necessidade de abastecimento de insumos agrícolas como sementes selecionadas, calcários, fertilizantes, defensivos, que em parte serviam como cargas de retorno, criando uma série de atividades que poderiam ser denominadas “agrobusiness” (YOKOTA, 2016)93.
De acordo com o então presidente Emílio Garrastazu Médici (ditadura militar, 1969-1974), o programa compreendia uma série de ações integradas, indo das fazendas às exportações. Em especial, Médici destacou a modernização da infraestrutura dos portos, com a melhoria da logística de transporte de commodities até o carregamento dos navios. Ele reforçou, ainda, assim como indica Yokota, que essa nova infraestrutura auxiliaria na importação de insumos, tais como fertilizantes (MÉDICI, 1973).
Além do governo daquele país, algumas universidades norte-americanas foram importantes para “exportar” a noção ao Brasil. A HBS, especialmente, também teve efeito direto sobre Ney Bittencourt de Araújo. Convidado por Ray Goldberg, que o conhecia da holding dos irmãos Rockefeller, o empresário brasileiro começou a frequentar o seminário de agribusiness em Boston em 1976, tornando-se, definitivamente, um entusiasta e propagador da noção (GOLDBERG, 2017a). Como se mostrará no capítulo 3, Bittencourt de Araújo e seu grupo de assessores na Agroceres tiveram destaque no aumento das mobilizações do termo no Brasil, no desenvolvimento de um projeto a ele conectado e na montagem do primeiro núcleo da concertação política do agronegócio.
Agricultura, na Foreign Affairs, em 1968, não ganharia, entretanto, muito destaque na esfera pública norte-americana (BROWN, 1968;; HOLLIS, 2017).
Cabe ter em consideração, ainda, que o ambiente de contatos do HAS propiciou a Bittencourt de Araújo atuar em duas direções fundamentais: diversificar a atuação da empresa que dirigia – dado que, com a entrada de corporações como a Cargill no mercado brasileiro de sementes, em meados da década de 1960, a competição havia ganhado em intensidade – e avançar no esforço de retomada do controle acionário da Agroceres, o que ocorreu, definitivamente, em 1981, com apoio do governo brasileiro (CASTRO, 1988)94.
Por meio do seminário de 1976, a Agroceres firmara uma joint-venture com a Pig Improvement Company, focada em porcos, passando, por um lado, a trabalhar no Brasil no ramo de genética animal;; por outro, como o acordo se dava de forma independente da Ibec, ele foi um dos passos importantes para a referida retomada (CASTRO, 1988)95.
Outro exemplo de influência de universidade dos EUA na divulgação da concepção de agribusiness no Brasil foi o de Marco Aurélio de Alcântara. Colunista do Diário de Pernambuco (DP), além de fazendeiro, Alcântara passou a ser um propagador da noção após uma delegação de empresários no Nordeste entrar em contato com pesquisadores da área de açúcar de universidades como a Louisiana State University. Entre 1969 e 1978, Alcântara usou a categoria com frequência em sua coluna do DP em que tratava do desenvolvimento rural no Nordeste, ora aludindo à importância dos avanços técnicos a montante, como sementes selecionadas e fertilizantes;; por vezes, tratando de culturas agropecuárias promissoras para a região;; e, em outras oportunidades, mencionando as funções a jusante, em especial a agroindústria. Em grande medida por conta de Alcântara, o DP agenciou a noção em 43 ocasiões no período assinalado (HEMEROTECA DIGITAL DA BIBLIOTECA NACIONAL, 2017).
94 Criada em 1945 pelo pai de Ney Bittencourt de Araújo, Antônio Secundino de São José,
juntamente a outras quatro pessoas, a Agroceres tinha transferido, ainda na década de 1940, seu controle acionário para a Ibec (AGROCERES, 2015).
95 Anos depois dessa joint-venture, Bittencourt de Araújo aproximou-se, ainda no HAS, da
Ross Breeders, empresa do ramo de frangos (ZYLBERSZTAJN et al, 1995), e de Tony de
Boon, que viria na década de 1990 a fundar, no Brasil, o Rabobank, especializado em serviços financeiros para o agribusiness (WEDEKIN, 2017).
2.3 Multiplicidade de sentidos de agribusiness: visões críticas e