Como havia acontecido nos Estados Unidos entre o final da década de 1960 e começo da seguinte, a legitimação da noção de agronegócio e dos agentes que a mobilizavam pelo Poder Executivo foi fundamental para o avanço da valorização dessa perspectiva por agentes situados em outros campos, como a academia, a imprensa e o Poder Legislativo.
A produção das universidades reagiu acentuadamente em 1999 ao momento de maior legitimação do agronegócio pelo governo brasileiro (gráfico 12).
Gráfico 12: Produção científica (livros, artigos, conferências, resenhas, teses e dissertações) utilizando a noção de agribusiness, agrobusiness, agronegócios ou
agronegócio (1986-1999).
Fonte: Dedalus. Outubro de 2016 a Abril de 2017 (elaboração do autor).
O avanço, nas universidades, das mobilizações de perspectivas sistêmicas inspiradas pela noção de agribusiness não havia ficado atrelado ao Pensa. Inspirada nas graduações dos Estados Unidos baseadas nessa noção, mas também na abordagem da economia alimentar francesa, de autores como Malassis, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) lançou, em 1993, o curso de graduação em Engenharia de Produção Agroindustrial. Anunciada como a única do tipo no Brasil, a graduação era dividida nos módulos manufatura de insumos, produção agropecuária, processamento, distribuição e comercialização (FSP, 08/02/1993, 31/01/1995). Na própria UFSCar se conformaria, em 1994, um núcleo de pesquisa sobre o agribusiness, o Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais (Gepai) (BATALHA, 2017)146 147.
146 Mario Batalha, professor da UFSCar especializado em agronegócio, entrevista ao autor
em 19 de outubro de 2017.
147 Existiam, ainda, áreas de engenharia de alimentos que conduziam pesquisa sobre as
funções que se relacionavam com a agricultura, a exemplo das universidades federais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (ZYLBERSZTAJN, 1999).
0 20 40 60 80 100 120 140 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Se existia a abordagem do agribusiness, tanto no âmbito da administração da USP (com enfoque nos trabalhos da HBS) quanto naquele da engenharia de produção, a exemplo da UFSCar (com base nos trabalhos da economia agroalimentar francesa), havia sido criada uma segunda vertente acadêmica influenciada pela noção. Ela era centrada em cursos de agronomia e economia agrícola. Nesses cursos, agribusiness tinha outro sentido, indicando, principalmente, o alargamento das funções do profissional a trabalhar nesse ramo (NEVES, 2017;; MARQUES, 2017)148.
Foi nessa direção que a noção adentrou com mais força na Esalq. Com efeito, essa escola implantou, em 1994, uma área de Concentração em Economia e Administração Agroindustrial. Nesse ano, o professor da instituição, Pedro Valentim Marques, e produtor rural e pós-graduando, Luiz Caffagni, descreveram no Estado de S. Paulo as mudanças curriculares em curso, que colocavam a agronomia em relação com a economia e a administração: “Para atender às necessidades do agribusiness, tornou-se necessária a presença de um engenheiro agrônomo que alie forte conhecimento de mercado à sólida formação técnica de produção” (OESP, 23/11/94: G2). Entre as disciplinas relacionadas a esse novo perfil, os pesquisadores destacaram estatística e computação, administração e planejamento, marketing, comércio internacional, análise financeira e demonstrativos de resultados econômicos, e administração de cooperativas (OESP, 23/11/94).
Em 1998, a Esalq criou o curso de graduação em Economia Agroindustrial149, ocasião na qual a Folha o anunciou com a manchete
“Agrobusiness vira curso na Esalq/USP”. De acordo com um dos idealizadores desse bacharelado, professor Carlos Bacha, o curso teria sido criado por conta da falta de profissionais especializados em “agrobusiness”. Disse ele que
Estamos formando um profissional preparado para lidar com áreas como importação e exportação, planejamento operacional, mercados de commodities, entre outras. A demanda do mercado para esses profissionais será maior do que a oferta (FSP, 22/09/1998: 12-13).
148 Evaristo Marzabal Neves, ex-diretor da Esalq, resposta ao autor em 26 de maio de 2017;;
Pedro Valentim Marques, professor da Esalq, entrevista ao autor em 29 de maio de 2017.
Na segunda metade da década de 1990, as escolas privadas passariam a oferecer formações de agribusiness no âmbito dessa segunda vertente, com destaque para a Fundação Getúlio Vargas (FSP, 02/03/1997).
Ao mesmo tempo que nas universidades, ocorria grande salto de reconhecimento da categoria agronegócio na imprensa. Isso significava que, além do forte aumento de mobilizações do termo nas reportagens e colunas dos principais jornais do país, haveria editoriais dedicando-se a elogiar o “agronegócio” (gráfico 13). Na verdade, o que se começava a fazer com mais assertividade na imprensa era vangloriar o agronegócio como composição econômica, tendo como sua dimensão imaginada as estatísticas relacionadas à sua noção. Essa ação gerava, contudo, vantagens para os líderes da concertação do agronegócio, que seriam os agentes posicionados estrategicamente para influenciar o governo na direção que lhes conviesse melhor.
Gráfico 13: Páginas de O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo mencionando
agribusiness, agrobusiness, agronegócios ou agronegócio (1986-1999).
Fonte: Acervos de O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo, 2017 (elaboração do autor). 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Já em 1998, um editorial do Estadão aludira às potencialidades do agronegócio ao anunciar os resultados do Fórum Nacional da Agricultura (OESP, 08/09/1998). No ano de 1999, o mesmo jornal encadeou outros cinco editoriais laudatórios sobre o assunto. Em “O superávit do agronegócio”, por exemplo, afirmava-se que “[...] nenhum setor tem contribuído tanto quanto o agronegócio para a recuperação das contas externas” (OESP, 26/12/1999: A3).
Vinculado formalmente à Abag, o Estadão era o líder entre os meios de comunicação a atuar em acordo com a orientação política do núcleo da concertação. Após o salto nas exportações de commodities ao longo da década de 2000, O Globo e a Folha de S. Paulo adeririam, paulatinamente, à essa linha editorial de louvor ao “agronegócio”.
Na Câmara dos Deputados, pode-se notar que houve um primeiro salto no agenciamento da concepção de agronegócio em 1999 (gráfico 14). Até então, os deputados da bancada ruralista não mobilizavam, com frequência, essa categoria.
Gráfico 14: Discursos no âmbito da Câmara dos Deputados citando agribusiness,
agrobusiness, agronegócios ou agronegócio (1986-1999).
Fonte: Acervo histórico da Câmara dos Deputados, 2017 (elaboração do autor). 0 5 10 15 20 25 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Silas Brasileiro (PMDB-MG), um dos integrantes da frente ruralista na Câmara dos Deputados, fora, antes desse salto em mobilizações da noção no Congresso, um dos poucos parlamentares a aproximar-se de modo mais sistemático dos núcleos da concertação política do agronegócio. Em 1997, Brasileiro representou a frente ruralista no comitê de negociação do FNA (MAPA, 1998).
Na década de 1990, as pautas da bancada ruralista haviam ficado predominantemente marcadas por duas dimensões patrimonialistas: barganhas com o governo para a renegociação de dívidas e defesa obstinada da propriedade rural contra a reforma agrária e outras movimentações que afetavam, especialmente, os latifúndios improdutivos, como o aumento do Imposto Territorial Rural e a atualização dos índices de produtividade (LAMOUNIER, 1994;; VIGNA, 2001;; BRUNO, 2015).
Nesse sentido, essa frente parlamentar aproximara-se mais da UDR e da CNA que da Abag, que, nos seus primeiros anos, trazia propostas menos focadas no patrimonialismo e mais na melhoria qualitativa dos diversos instrumentos de política agrícola, além de uma abordagem intersetorial, que englobava, também, interesses de segmentos a montante e jusante da agropecuária (ABAG, 1993, 1994), temas que, ressalte-se, recebiam tratamento assistemático pela bancada.
5.4.1 Agronegócio: noção traduzida
Neste momento, cabe uma breve explicação sobre o processo de passagem da preponderância, na esfera pública brasileira, dos termos da língua inglesa “agribusiness” e “agrobusiness” para a tradução “agronegócio(s)”.
Como pode ser notado nos gráficos 12, 13 e 14, “agronegócio(s)” somente ultrapassa “agri(o)business” na imprensa em 2000;; na academia, “agronegócio(s)” demorou mais para ser incorporada (1997), mas, uma vez que isso aconteceu, ultrapassou “agri(o)business” já em 1998;; e nos discursos na Câmara dos Deputados, “agronegócio(s)” alcançara predominância em 1997.
O termo “agronegocio” tinha aparecido pela primeira vez em língua espanhola, em meados dos anos 1960, no âmbito da sociologia da Universidad Nacional Autónoma de México, mas era, pelos anos 1990, muito pouco utilizado naquele país (DECIMOQUINTO CONGRESO NACIONAL DE SOCIOLOGÍA, 1964;; REVISTA MEXICANA DE SOCIOLOGÍA, 1965).
No Brasil, a primeira aparição pública de “agronegócio”, ao que tudo indica, ocorreu em matéria da Veja (19/02/1969), “Soja, bom agronegócio”. Era o anúncio do Saci, o refrigerante de soja da Coca-Cola criado no país em 1967. A corporação agia no âmbito da política norte-americana de “Guerra contra a Fome”, dos quais um dos parâmetros centrais era a invenção de alimentos (que, em princípio, deveriam ser) mais nutritivos.
A legitimação da concertação do agronegócio pelo governo federal desempenhou papel importante, nesse sentido, para que a tradução do termo alcançasse maior aceitação. Organizando um seminário para discutir as exportações de commodities em 1997, o Ministério das Relações Exteriores exigiu o uso da tradução agronegócio, contrariamente ao que queriam os empresários, muitos dos quais tinham decidido, quando da criação da Abag, que não se utilizaria tradução para o termo. Bastante crítico ao uso de estrangeirismos, o referido ministério nomeou o evento como “Seminário Agronegócio de Exportação” (JB, 02/11/1997: 16).
Consequentemente, é possível dizer que o processo de tradução da palavra agribusiness na esfera pública brasileira correspondeu à legitimação do agronegócio pelo Poder Executivo Federal. Como mostrado anteriormente, quando FHC e seus ministros começaram a mobilizar essa categoria, eles já o faziam, em grande medida, por meio de sua versão aportuguesada.