Uma inflexão na política exterior norte-americana, em meados dos anos 1960, impactou decisivamente o status da noção de agribusiness. Ela ganharia contornos claros na mensagem especial do presidente Lyndon B. Johnson (1963-1969, Partido Democrata) ao Congresso em 10 de fevereiro de 1966. Nela, o mandatário propôs ao parlamento que os Estados Unidos liderassem a “Guerra contra a Fome” (War on Hunger). Segundo ele, muitos dos países “em desenvolvimento” precisariam urgentemente atribuir maior prioridade à melhoria e modernização da produção e distribuição de alimentos e ao aumento da renda de sua população. Consequentemente, ele sinalizou a transferência do foco no
uso internacional de excedentes agrícolas para uma política de apoio à produção interna nos países cujas populações apresentassem alta prevalência de insegurança alimentar e estivessem na órbita de influência norte- americana66.
A explicação para a mudança na política alimentar exterior era, em primeiro lugar, geopolítica, como pode ser percebido por meio da posição do então secretário de agricultura, Orville Freeman. Cálculos do Departamento de Agricultura indicavam que, desde 1961, o consumo mundial de alimentos havia ultrapassado a produção de comida no mundo. A diferença estaria sendo equilibrada por estoques, principalmente dos Estados Unidos. Como não seria possível continuar com essa estratégia por muito mais tempo, passava a ser fundamental que a produção de alimentos em países menos desenvolvidos aumentasse, para que não houvesse maior instabilidade econômica e política em âmbito global, pois “segurança é comida”, escreveu Freeman (1967). Ou seja, a noção de agribusiness passara a ser operada no contexto internacional da Guerra Fria (HOBSBAWN, 1995).
Essa mudança na estratégia do governo foi a chave para que as corporações atuassem com a HBS no sentido de garantir que essas empresas do agribusiness tomassem destaque no novo direcionamento governamental. Segundo Ray Goldberg (1966), a alteração de foco da política norte-americana para a crise alimentar mundial atribuía maior ênfase ao setor privado, abrindo a possiblidade da exportação de uma abordagem integrada a qual reconhecesse que todas as partes do agribusiness – insumos, operações na fazenda, processamento e distribuição, além da infraestrutura de transporte, crédito, armazenamento, comunicação e educação – devessem caminhar juntas.
De acordo com o criador da noção de agribusiness, o avanço da capacidade de produzir e adquirir comida em países com déficits alimentares, como pretendia o presidente dos EUA, dependia da compreensão da estrutura total do sistema de fornecimento de alimentos (GOLDBERG, 1966). A tentativa, pode-se notar, era de aproveitar o momento para fazer o governo adotar a
66 Em 1954, um programa permanente de coordenação e distribuição internacional de
perspectiva do agribusiness, apoiando mais decididamente a atuação exterior das corporações norte-americanas relacionadas a essa composição.
Dois meses após a fala de Johnson sobre a “guerra contra a fome” ao Congresso, a HBS acolheu, no âmbito de seu Moffett Program in Agriculture and Business, uma reunião entre membros de corporações, do governo federal e da academia. No dia 26 de maio de 1966, mais especificamente, estiveram naquela escola de negócios, juntamente a professores da instituição, funcionários de alto escalão do USDA e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), e presidentes, vice-presidentes e outros profissionais em posições de comando de empresas como Monsanto, Archer-Daniels-Midland (ADM), Ralston Purina e Quaker, dentre outras que perfaziam ou a função de prover insumos às fazendas ou a de industrializar e comercializar os produtos originados na agropecuária.
No evento, os participantes reforçaram que a “sofisticação produtiva e de comercialização” das empresas privadas do agribusiness seria indispensável para uma política alimentar de escala mundial, conforme queria o presidente Johnson. Somando a isso, propunham mudanças legislativas que deslocariam o orçamento público das políticas de eliminação de excedentes em proveito de uma promoção sistêmica do agribusiness em países menos desenvolvidos. Nesse sentido, sugeriram que o governo participasse de forma ativa nos empreendimentos nesses países, assumindo a maioria dos riscos iniciais e possibilitando às empresas receberem taxas de administração, além de terem a oportunidade posterior de comprar gradualmente a participação do governo (GOLDBERG, 1966: 82).
Aqui ficava evidente um papel da mobilização da noção de agribusiness pelas corporações dos EUA: disputar recursos públicos com as políticas de garantia de preços de produtos agrícolas, fundamentais à sobrevivência de grande parte dos family farmers. Ou seja, a proposta de menor participação estatal para a política de sustentação de renda, como avançada por Davis (1955), era complementada com a demanda por forte atuação governamental na promoção das iniciativas das grandes empresas no exterior. Não se tratava, como é muito comum em muitos discursos liberais, de diminuir a presença do
Estado na economia, mas de garantir uma seletividade dessa participação de acordo com os interesses das corporações envolvidas.
Ray Goldberg procurou divulgar as “constatações” e demandas do evento na HBS escrevendo o artigo Agribusiness for developing countries na Harvard Business Review (1966). Nesse texto, o economista adaptava o aparato justificatório do agribusiness para a esfera pública internacional, defendendo a importância dele para o combate à desnutrição no mundo, deslocamento prático-discursivo que também ocorreria no Brasil décadas adiante (ABAG, 1993).
Com essa argumentação, Goldberg distanciava-se da narrativa mais liberal de Davis quando do lançamento da palavra na esfera pública, em 1955, para afirmar que a ação contra os problemas alimentares mundiais somente poderia caminhar por meio de parceria entre as companhias do agribusiness e o governo (GOLDBERG, 1966). Era necessário adequar a fala aos novos potenciais de mobilização da categoria agribusiness.