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Há décadas o Estado brasileiro tem investido na expansão da agricultura irrigada no semiárido. A justificativa para tais investimentos é a de que esse modelo de exploração agrícola constitui uma espécie de panaceia que impulsiona o desenvol- vimento da região. Mesmo com a limitação hídrica regional, diversos perímetros públicos de irrigação foram criados com recursos públicos a partir de 1968, ano da instalação do primeiro desses perímetros, o de Bebedouro, em Petrolina. O sucesso desses empreendimentos com relação à renda e aos empregos gerados, ao número de colonos assentados, às empresas instaladas, entre outras fatores, é muito variado. Existem aqueles perímetros instalados no polo de Petrolina e de Juazeiro que se desenvolveram ao longo das décadas até chegar ao estágio atual, nos quais se realiza uma produção agrícola moderna e rentável voltada para a exportação. De outra forma, existem aqueles que não foram completados e encontram-se parcialmente operantes.

Não obstante essa diversidade de experiências, muitos ainda defendem sem questionamentos que a expansão da área irrigada no semiárido constitui evidente oportunidade de desenvolvimento para o meio rural empobrecido. Essa visão desconsidera o problema hídrico regional e a possibilidade de que a expansão da área irrigada sem um aumento proporcional da disponibilidade hídrica pode pressionar ainda mais os recursos hídricos locais, resultando no aumento de conflitos e na crescente dificuldade de atender às necessidades mais básicas da população regional quanto à água.

Em 2013, foi editada a Lei no 12.787 sobre a Política Nacional de Irrigação. Da leitura dessa, constata-se que a sua redação foi influenciada por essa imagem da irrigação como elemento de redenção desenvolvimentista do semiárido. No decorrer deste capítulo, tentou-se demonstrar os riscos dessa opção. Além disso, por meio de uma análise crítica histórica e presente das políticas públicas de irrigação para a região, foram apresentadas alternativas para a estratégia estatal com referência ao desenvolvimento da agricultura nesse território. Essa não envolve, necessariamente, a criação de novos perímetros de irrigação. Ela poderia, ao contrário, favorecer a conclusão de perímetros inacabados, o investimento em atividades de suporte para aumento da produtividade agrícola, como P&D e Ater, e a incorporação do conceito de segurança alimentar no âmbito da política de irrigação na forma de investimento em pequenas obras (cisternas/barragens subterrâneas) que permitam a um grande número de agricultores dispersos pelo vasto território do semiárido irrigar diminutas áreas em períodos de seca.

Essa estratégia deve incluir também a elaboração e a utilização de mecanismos que promovam um uso mais racional da água na irrigação, com o intuito de estimular os irrigantes regionais a modificarem os métodos de irrigação utilizados,

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Sobre a Agricultura Irrigada no Semiárido: uma análise, histórica e atual, de diferentes opções de política

predominantemente menos eficientes no uso da água. Deve-se reconhecer que a Lei no 12.787/2013 inovou ao incluir em seu texto diversos dispositivos normativos de incentivo para o uso eficiente da água na irrigação. Essa questão é fundamental para a sustentabilidade da atividade no semiárido. Reconhece-se a natureza polêmica desse assunto, principalmente no que tange à cobrança pelo uso desse insumo produtivo.

Em qualquer questão relacionada ao uso da água em uma região com menor disponibilidade desse recurso, espera-se que conflitos e divergência de visões ocorram. O objetivo maior deste capítulo foi contribuir para esse debate, com foco específico na agricultura irrigada. O debate apresentado foi pautado na ideia de que existem diferentes modos de se promover o desenvolvimento da agricultura irrigada no semiárido, cada um com diferentes custos, focalização e resultados esperados. As considerações expostas embasaram-se em apenas um princípio, qual seja, o da autodeterminação da população do semiárido, no sentido de que todos os interessados (e não apenas grandes empresas agrícolas) devem ser ouvidos e seus pleitos considerados na definição de uma política de uso da água, incluindo seu uso na irrigação. Governos estaduais, comitês de bacias hidrográficas, entidades ligadas à agricultura, associações de pequenos agricultores, demais representantes da sociedade civil com alguma relação com a questão do uso da água. O Governo Federal deveria participar desse debate, mas não como autoridade inconteste do processo político, e sim como articulador desse processo.

A experiência, no decorrer do século XX, de elaborar políticas de irrigação

top-down para o semiárido, independentemente do grau de sucesso alcançado,

excluiu muitos atores interessados do processo, incluiu, durante a implementação, um número restrito de beneficiários e, eventualmente, contribuiu para marginalizar algumas comunidades deslocadas. Pode-se aprender com o passado. Desenvolvi- mento e inclusão não são antagônicos.

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CAPÍTULO 2

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO SEMIÁRIDO: