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Políticas de desenvolvimento territorial no polo

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO SEMIÁRIDO: UMA AVALIAÇÃO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO POLO

4 O CASO DO POLO PETROLINA-JUAZEIRO

4.1 Políticas de desenvolvimento territorial no polo

Alvo de uma série de políticas públicas, o polo vem apresentando transformações importantes, embora, há pouco mais de quatro décadas, este território apresentava-se como mais um dentre as diversas zonas de miséria situadas no sertão nordestino. Como afirmam Coelho e Mellet (1995), até meados do século passado, soava impossível antever o futuro da região como um grande polo de produção agrícola do país. Afinal, ao longo de séculos, o sertão era tido como um lugar inóspito, assolado pelas secas e onde parecia não haver solução.

Segundo Oliveira et al. (1991), a região não contava com um afluxo de capital que permitisse uma ampliação da atividade de produção local, era desprovida de infraestrutura de transporte que ensejasse transferência de excedentes produtivos

18. Rides são arranjos institucionais interfederativos que têm por objetivo articular as ações administrativas da União, dos estados e dos municípios para a promoção de projetos que visem à dinamização econômica e ao desenvolvimento em escala regional (Brasil, 2015). Atualmente, está sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional (MI) e inserida no contexto da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). A Ride do polo Petrolina-Juazeiro foi instituída pela Lei Complementar no 113, de 19 de setembro de 2001 (Brasil, 2001), regulamentada pelo Decreto

no 4.366, de 9 setembro de 2002 (Brasil, 2002). Para mais detalhes sobre como funciona uma Ride e o processo de

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e contava com uma população que se distribuía pelas bordas do rio, de forma irregular, vivendo basicamente da atividade de subsistência. O quadro era tão desolador que levou Oliveira et al. (ibidem, p. 20) a afirmarem que:

(...) nada poderia acontecer naquela região do São Francisco que provocasse uma transformação do aparelho produtivo local. [Desse modo, segundo os autores,] As forças de propulsão da economia local teriam que vir, necessariamente, de fora da região (Oliveira et al., 1991, p. 20).

Contudo, tais forças começaram a chegar no decorrer da década de 1950, quando as autoridades públicas federais voltaram a atenção para as potencialidades agrícolas da microrregião, e intensificaram-se a partir de 1959, com a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).19 Daí para frente, o Estado manteve

uma crescente atuação no polo, fazendo com que este gradualmente passasse a ver a agricultura irrigada como a sua principal atividade fomentadora de desenvolvimento. A meta básica das políticas na microrregião era tornar autossustentável o crescimento econômico local, ao inserir uma atividade que possibilitasse a geração de um exce- dente produtivo capaz de dinamizar a sua economia. Com isso, acreditava-se que os indicadores de pobreza da região seriam reduzidos, desestimulando, assim, o fluxo migratório de nordestinos para outras regiões do país (Graziano da Silva, 1989; Cruz, 2013; Albuquerque e Cândido, 2011). De um modo geral, as três principais formas de atuação que nortearam os investimentos públicos no polo foram:

a) investimentos em infraestrutura: apesar de apontada por vários cientistas como área de alto potencial para a produção da agricultura irrigada, as infraestruturas de transporte, energia, comunicação etc. na microrregião eram consideradas insuficientes para a ampliação do excedente local. Nesse sentido, o Estado procurou atuar sobre essa variável construindo, por exemplo, a ponte sobre o rio São Francisco, que une as cidades de Petrolina e de Juazeiro; o aeroporto de Petrolina; a barragem e a usina hidroelétrica de Sobradinho, que viabilizaram energia e irrigação de grandes extensões de terra na região; rodovias federais ligando o polo a todos os centros urbanos do país, dentre outras obras. Portanto, todos esses gastos incentivaram as primeiras mudanças significativas na economia local, viabilizando a implantação dos perímetros públicos no polo. Ademais, resultaram em melhoria na infraestrutura social da região, diminuindo custos aos investimentos privados, bem como em acréscimo na demanda agregada local, acarretando crescimento do setor de comércio e surgimento de inúmeras atividades de serviços;

19. Destaca-se que a Sudene teve auxílio de outras instituições públicas de atuação no semiárido, como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), a Codevasf, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outras. Atuando em conjunto, estas foram responsáveis por produzir a estrutura necessária para que a atividade da irrigação se tornasse realidade no Vale do São Francisco, disponibilizando energia hidrelétrica, recursos financeiros, infraestrutura, desenvolvimento de pesquisas etc.

b) investimentos em irrigação: a implantação de perímetros de irrigação deu-se no polo, pois, embora vários estudos já tivessem comprovado a viabilidade da agri- cultura irrigada,20 até meados de 1960 a área ainda apresentava uma agricultura extremamente tradicional e uma estrutura fundiária concentrada. Portanto, reconhecido o potencial da atividade no Submédio São Francisco e as ótimas perspectivas quanto a seus retornos socioeconômicos, foram construídos, em 1968, o Projeto Bebedouro, em Petrolina, e o Mandacaru, em Juazeiro. Considerados projetos de irrigação de médio/pequeno porte, ambos tinham como objetivo proporcionar informações técnicas e capacitação aos futuros irrigantes. Contudo, após devidamente demonstrada a viabilidade da irrigação naquela região, seguiram-se os perímetros de irrigação de grande porte, com a construção de outros quatro grandes projetos, no decorrer da década de 1980 – os perímetros Nilo Coelho, Maniçoba, Curaçá e Tourão.21 Com essas ações, o Estado procurou enraizar a agricultura irrigada como principal atividade a ser explorada no polo. Como consequência, o Estado não só viabilizou o desenvolvimento da agricultura irrigada na microrregião, como também viabi- lizou ao polo tornar-se um dos principais centros produtores de frutas do país; c) políticas de incentivos ao setor privado: em uma região semiárida como a do

polo – com carências em todas as dimensões sociais –, se, por um lado, a irrigação exige elevados investimentos públicos para tornar a produção agrícola fisicamente possível e economicamente viável, por outro, também exige investimentos do setor privado, igualmente elevados, para fazer com que a região encontre fontes autossustentáveis para seu crescimento. Tendo consciência dessa necessidade, procurou-se atrair o setor privado para o polo, visando melhorar os efeitos das políticas públicas de irrigação na microrregião. Nessa instância, destacam-se os incentivos financeiros e fiscais dados, ainda no início dos anos 1970, e intensificados a partir da década de 1980, com destaque para o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE),22 dentre os vários programas implantados.23

20. Os investimentos em irrigação no Submédio São Francisco foram feitos apenas depois de realizados minuciosos estudos técnicos sobre as condições dos solos e da água da região, conduzidos pela Sudene com o apoio da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), comprovando-se a viabilidade da utilização desses recursos para fins de irrigação (Malavasi e Queiroz, 2003). Além da Sudene e da FAO, outros órgãos federais e governos estaduais e municipais também emprestaram sua colaboração nesses estudos, destacando-se, dentre estes, Dnocs, Codevasf e Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido (CPATSA/Embrapa, hoje Embrapa Semiárido).

21. Nas décadas seguintes, deu-se início ainda ao funcionamento da segunda etapa do perímetro Nilo Coelho, denominado perímetro Maria Tereza, em 1996; além do perímetro Salitre, em Juazeiro, em atividade desde 2009.

22. O Finor buscou priorizar na microrregião a agricultura irrigada, objetivando a produção de alimentos in natura, bem como agroindústrias de produtos alimentares e de matérias-primas, tais como fertilizantes, equipamentos de irrigação, implementos agrícolas, tratores, entre outras. Por sua vez, o FNE buscou priorizar no Vale estratégias como ampliação da área irrigada, indução da agroindústria, introdução na região de inovações tecnológicas e um modelo diferenciado de assistência técnica, priorização das culturas e dos espaços mais vocacionais (Sudene, 1995). A administração de ambos os fundos de benefício fiscal couberam ao BNB (mais detalhes são encontrados em BNB, 2017).

23. Alguns exemplos de programas de atração do setor privado ao polo foram: i) o Programa de Assistência Financeira à Agroindústria e à Indústria de Insumos, Máquinas, Tratores e Implementos Agrícolas (Proterra/Pafai); ii) o Programa de Desenvolvimento da Agroindústria do Nordeste (Pdan), criado pelo BNB e pela Sudene; iii) o Programa de Desenvolvimento Agroindustrial (Prodagri); e iv) o Programa Nacional de Assistência à Agroindústria (Pronagri).

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Examinando mais detalhadamente estes três itens, observa-se que, com base no potencial da região, os investimentos ocorridos no polo seguiram uma lógica bastante coerente com os objetivos traçados. Primeiramente, investiu-se em estradas pavimentadas, conectando a região aos principais mercados do país. Depois em energia elétrica, com a construção de Sobradinho, disponibilizando energia e regularizando a oferta de água para fins de irrigação na região. Somente após estabelecida essa infraestrutura e com os vários estudos de viabilidade técnica e econômica, é que foram constituídos os perímetros de irrigação na região. Por fim, as políticas de incentivos à atração do capital privado tiveram caráter complementar aos investimentos públicos, fazendo com que esta região ampliasse sua capacidade de desenvolvimento.

Em adição, cabe ressaltar que, como apontam Graziano da Silva (1989), Coelho e Mellet (1995), Oliveira et al. (1991), Sampaio e Sampaio (2004) e Albuquerque e Cândido (2011), os perímetros foram concebidos tendo também um propósito inclusivo da agricultura familiar, por meio de assentamentos de pequenos produtores em lotes devidamente habilitados para a produção irrigada, como modo de auxiliar na contenção do êxodo de sertanejos.24

Portanto, analisando toda essa dinâmica, fica nítido que o dinamismo verificado no polo teve impulso atrelado, essencialmente, a fatores exógenos à região, fruto de uma estratégia “de cima para baixo”. Desse modo, assim como em outras políticas públicas implementadas durante o regime militar, em sua atuação no polo, o foco dos investimentos foi a geração de condições físicas locais favoráveis à produção em grande escala da agricultura irrigada, sem que tenha havido uma ampla e democrática participação das comunidades locais nesse processo.25 Por conseguinte, durante muito tempo, a população

do polo viu-se sujeita – e, de certo modo, também amparada – pelas ações do governo central, o que acabou inibindo práticas empreendedoras mais ousadas por parte de produtores e empresários locais frente aos desafios impostos

24. Sobre as oportunidades dadas aos colonos, Graziano da Silva (1989, p. 106) descreveu que, “além do acesso à terra, os projetos públicos de irrigação oferecem aos irrigantes uma assistência quase total, uma vez que proporcionam, além da infraestrutura específica para irrigação, moradia, escola, posto de saúde, assistência técnica e creditícia”. 25. Entretanto, vale salientar que, apesar de sua natureza então autoritária, antes de intervir na região, o Estado brasileiro procurou se legitimar junto ao poder local, visando evitar conflitos que obstruíssem a aplicação das políticas. Como destacam Schejtman e Berdegué (2003), para atuar em uma localidade com essas características, é necessário ao Estado criar vínculos com sua elite, procurando minimizar os entraves internos que possam constituir-se como obstáculos à ação pública. Com isso, o município que mais se beneficiou foi Petrolina, já que lá residia a família Coelho, que representava a principal força política da localidade. Seus componentes usaram do seu prestígio político para canalizar recursos federais para o polo como um todo, mas, principalmente, para seu município. Por exemplo, durante a gestão do então governador pernambucano Nilo Coelho (entre 1966 e 1971), este utilizou de sua influência para pavimentar a ligação entre Petrolina e Recife, abrindo o primeiro escoadouro dos produtos extraídos do Vale do São Francisco, desligando a região da influência econômica da Bahia. Além disso, incentivou a construção dos projetos pioneiros de irrigação no polo, inclusive o que hoje leva o seu nome (Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho). Enfim, ao longo das últimas décadas, o clã vem mantendo, de maneira ininterrupta, influência política no governo federal, por meio de deputados federais, senadores, ministros etc., como Osvaldo Coelho, Nilo Coelho, Clementino Coelho, Fernando Bezerra Coelho, Fernando Coelho Filho, entre outros. Para mais detalhes sobre a influência da família Coelho nas políticas adotadas na microrregião, podem ser consultados Coelho (2007) e Silva (2001).

pelo mercado.26 Contudo, ao longo dos anos 1990, esse panorama também

foi se modificando.

O passo inicial para essa mudança deu-se em fins da década de 1980, quando o governo procurou emancipar os perímetros públicos, implementando um modelo de gestão cujos próprios produtores passaram a ser os responsáveis pela administração de suas áreas comuns.27 A partir desse marco, foi criada uma

nova realidade institucional, fazendo com que os produtores do polo ficassem mais expostos ao livre mercado, forçando-os a se tornarem mais eficientes e participativos diante das políticas implementadas localmente. Nos anos 1990, outros dois importantes eventos contribuíram para a manutenção na mudança de mentalidade dos produtores do polo: i) a intensificação dos processos de abertura comercial e de redução do volume de incentivos diretos à microrregião, fatores estes que deixaram o produtor local bastante vulnerável à concorrência externa; e ii) o enorme esforço empreendido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pelo BNB, pelos distritos de irrigação, pela Codevasf, Pela EMBRAPA, por organizações não governamentais (ONGs) etc., visando conscientizar os produtores do polo de suas responsabilidades referentes ao sucesso (ou insucesso) de seus negócios, bem como dos benefícios proporcionados pelas associações, organizações e cooperativas no processo de competição.28

De um modo geral, esse novo cenário teve reflexos na estrutura produtiva observada no polo, bem como no comportamento e no grau de competitividade dos produtores locais. A partir desses acontecimentos, estes passaram a dar uma maior importância a fatores básicos, tais como a necessidade de tornarem-se mais eficientes, de adequarem-se aos requisitos de qualidade exigidos, de trabalharem de forma cooperativa e, sobretudo, com produtos de maior valor comercial, migrando para a fruticultura, como será detalhado no próximo item.

26. Como apontam Albuquerque e Cândido (2011), o caráter vertical como o poder estatal atuou no polo foi impróprio ao intento de viabilizar o protagonismo dos agricultores, em especial os familiares, afetando negativamente a cultura local quanto às atitudes proativas e empreendedoras e em busca da construção de capital social. Para mais detalhes, ver Albuquerque e Cândido (2011) e Sobel (2006).

27. Esse modelo de gestão, denominado “distrito de irrigação”, foi implementado após técnicos da Codevasf conhecerem experiências de perímetros irrigados no México, nos Estados Unidos, na Espanha e em Israel. Sua mudança teve como motivações principais a necessidade em compatibilizar a administração dos perímetros às restrições financeiras que marcaram o governo federal durante a década de 1980, bem como a presunção de que tal transformação aumentaria a eficiência dos perímetros.

28. Nesse período, surgiu no polo uma série de entidades representativas dos produtores, a exemplo da Cooperativa Agrícola Juazeiro (CAJ-BA), da Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco (Coopexvale), da Cooperativa dos Exportadores de Frutas do Vale do São Francisco (Coopexfruit), da Associação dos Produtores do Vale (Aprovale), da Brazilian Grapes Marketing Board (BGMB), da Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros do Vale do São Francisco (Valexport), da Câmara da Uva (que busca realizar um controle na qualidade da produção da mercadoria voltada ao exterior, vinculada à Valexport), dentre outras.

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