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“O seu olhar agora O seu nasceu O seu olhar me olha O Seu olhar é seu O seu olhar seu olhar melhora

Melhora o meu”

(Antunes, Arnaldo. O seu olhar)

Resultado do processo formativo, indissociável da experiência profissional e cidadã, o aprofundamento próprio às questões das PIC na AB no município de Jundiaí/SP, contribui como a corporificação do marco referencial de mais um campo na Saúde que pode gerar transformações inovadoras para o processo saúde- doença-cuidado. Esse avanço pode ser entendido como a expressão de um movimento que se identifica com novos modos de aprender e praticar a saúde, uma vez que as PIC se caracterizam pela interdisciplinaridade e por linguagens singulares, próprias, que se contrapõem a visão altamente tecnológica de saúde, imperativa na sociedade de mercado (21).

Norteando esta dissertação partimos da percepção de que a existência do SUS, no país vasto e populoso que é o Brasil, depende do esforço de cada brasileiro e brasileira, sendo gerenciado por gestores (municipais, estaduais e federais) e, cotidianamente, desenvolve-se através das rotinas dos profissionais de saúde nas US e comunidades.

Entendemos que o Sistema está em construção e que necessita da cooperação entre as partes interessadas (a sociedade) em todos os municípios brasileiros, afinal “Sou o SUS: faz em mim teu lar, me reconstrua”. Para auxiliar esse processo contínuo de desenvolvimentos do SUS foram criadas Políticas Públicas, uma delas a PNPIC, a fim de nortear o processo de implantação e implementação do Sistema Único.

A PNPIC se trata de uma política que compreende o processo de cuidado-saúde-doença a partir de conhecimentos e saberes tradicionais e populares, tidos ainda como marginais ao SUS, mesmo assumindo um papel integrativo e

complementar frente aos modelos assistenciais existentes e contribuindo para as diretrizes e princípios do SUS.

Ao longo das análises verificamos que em 13 anos de criação da PNPIC, especificamente no campo da gestão em saúde das PIC nos municípios, existe pouca produção científica, configurando-se um campo de estudo a ser explorado. Entretanto os dados do MS, e de algumas pesquisas sobre o tema, indicam subregistro das PIC individuais e coletivas que ocorrem nas municipalidades investigadas, entre algumas capitais de Estados e regiões metropolitanas, detectando-se desconhecimento por parte de profissionais de saúde e dos gestores municipais.

Jundiaí, “Terra gentil e altruísta”, é considerado como município referência em desenvolvimento no aglomerado urbano ao qual pertence e se organiza no plano estratégico do SUS, quanto ao modelo de assistência, num formato híbrido, envolvendo suas US entre os diferentes modelos de assistência: EACS, USF e UBS. Embora o impacto da carga de financiamento público próprio do município, em saúde, seja em torno de 76%, no campo das PIC pode-se dizer que tem uma participação incipiente.

A presente pesquisa estruturou-se a partir do cenário atual do SUS no Brasil, especificamente no contexto da PNPIC no município de Jundiaí. O ponto de conexão entre as gerentes girou em torno da especificidade de atuação no campo da gestão em saúde in loco, gerando expectativa na compreensão do conhecimento das PIC e seu uso e oferta nos Serviços, tendo em vista os canais de informações disponíveis para elas no município.

As análises dos documentos oficiais de gestão em saúde do município, sobre as PIC, demonstraram que já tiveram momentos de maior evidência. No entanto, por hora, se encontram no anonimato. Não se sabe ao certo os reais motivos que levaram o atual Relatório e a Ata da Conferência Municipal a desconsiderarem as PIC, o que causa estranheza, uma vez que em 2011 constavam em tais documentos. Ainda que presente nos documentos oficiais, não foi citada nenhuma proposta de criação de uma política municipal em PIC, fato que poderia contribuir para um maior debate na cidade.

De fato, fica evidente que os munícipes, os profissionais, os conselheiros e os gestores presentes na última Conferência de Saúde permitiram a exclusão da pauta das PIC, desfavorecendo-as frente ao plano orçamentário municipal em saúde. Tal ocorrência desvaloriza as PIC no município no âmbito orçamentário e em visibilidade, lembrando que a PNPIC não tem financiamento específico e que Jundiaí arca com a maior parte do orçamento da Saúde com recursos próprios. Portanto, do ponto de vista da gestão, os debates sobre as PIC precisam ser retomados até que avancem para uma discussão mais ampla a fim de elaborar um plano de ação municipal.

Também foram consideradas, nesta pesquisa, outras formas por onde as PIC podem ser exercidas dentro do município. Assim, pesquisou-se por notícias veiculadas no portal eletrônico da prefeitura de Jundiaí a fim de compreender o funcionamento da produção textual sobre o tema. Percebeu-se que a representatividade do tema ao longo da última década é bastante reduzida e os conteúdos, limitados. Entendendo que os gestores, como mandatários da comunicação municipal, influenciaram pouco na visibilidade das PIC, aproveitando muito pouco desse espaço midiático.

No que diz respeito ao perfil das gerentes houve predominância do gênero feminino, com formação acadêmica em Enfermagem e considerável tempo total de atuação na AB, igual ou maior que 13 anos, coincidentemente o mesmo tempo de existência da PNPIC. Ficou evidente que o serviço e o gerenciamento nas US alcançam necessidades formais de atualização e reciclagem da formação acadêmica, fato ressaltado pela predominância da atuação de acordo com o modelo hegemônico em saúde nos serviços ofertados nas Unidades pesquisadas.

Um ponto bem reflexivo foi notar a prevalência de profissionais de saúde de nível superior atuando com as PIC, demonstrando certa hegemonia de status profissional neste campo.

Jundiaí possui um sistema próprio para controle e faturamento dos procedimentos em saúde e seus relatórios, no campo das PIC, demonstraram alto subfaturamento - algumas delas não foram sequer encontradas, à exceção da acupuntura -, considerando que das seis US investigadas cinco delas relataram

possuir as PIC: acupuntura, aromaterapia, auriculoterapia, dança circular, fitoterapia,

lian gong, meditação, plantas medicinais, shantala e yoga.

Notou-se, a partir das falas das gerentes, que as PIC encontradas acontecem de forma isolada e, muito, por interesse dos próprios profissionais, que também realizam sua gestão; fato que pode levar ao cancelamento da prática quando da ausência do profissional, demonstrando, em parte, a autonomia e exercício profissional e a necessidade de gestão e planejamento para as PIC no município.

Na busca dos sentidos atribuídos às PIC a partir dos resultados das entrevistas, as categorias formadas foram mesmo demonstrando insegurança conceitual, foi unânime o sentimento de que o uso e a oferta das PIC se tratam de um cuidado muito mais próximo das pessoas, de aspectos humanizado e desmedicalizante, bem como chama a atenção para a escassa literatura voltada a gestão em saúde as PIC.

No campo do conhecimento das PIC e sua relação com o gerenciamento das US ficou evidente a dificuldade cotidiana, expressa no acúmulo de tarefas; ou seja, a divisão da jornada gira em torno das consultas e procedimentos de enfermagem e de gerenciar a US. Para as entrevistadas, essa dupla jornada dificulta mais o gerenciamento do que a assistência.

O sentido atribuído pelas gerentes às PIC parece percorrer uma representação de insegurança em conceituar e denominar; ao mesmo tempo, elas prospetam positividade no trato com o processo saúde-doença-cuidado, mesmo assim, tendendo à noção de que são os gestores centrais e os próprios profissionais de saúde os maiores interessados e executores das PIC. Nesta representação, as gerentes se projetam num universo paralelo, ou seja, não sendo contrárias e nem conduzindo o gerenciamento, se colocando à margem do processo de gestão das PIC em suas Unidades.

Como profissional da rede de saúde de Jundiaí, reconhecido por parte dos colegas como aquele que vem se dedicando aos estudos sobre as PIC, e atuante na condução de grupos e práticas nas US, tendo a ter uma visão prospectiva para o campo das PIC no município.

Percebo no cotidiano do trabalho a vontade dos profissionais de saúde e gestores centrais/locais de dialogarem com a Socio-Lógica das PIC, mas, ao mesmo tempo, parece pairar no Universo algumas inquietações que estão guardadas e escondidas, à espera da afirmação do campo hegemônico, muito bem definido como a biomedicina.

Até o presente momento, considerando os documentos oficiais, notícias no portal e as entrevistas, sugere-se para o contexto das PIC no município investimento a formação de profissionais de saúde, tanto referente às modalidades das PIC existentes na PNPIC; quanto a debater as práticas invisíveis em todo território nacional, especificando-se na terra jundiaiense, até mesmo, entoar as típicas PIC brasileiras.

À vista disso, reflexionar e operacionalizar sobre a proposta do Plano de Implantação baseado no Manual do MS; valorizando a existência das PIC na perspectiva saúde-doença-cuidado operando como uma prática de saúde diferente de valores, de interesses e de poderes particulares e ancestrais que contribuem na humanização do serviço em saúde. Além do mais, oportunizar espaços de trocas de saberes entre os diferentes atores em saúde, baseando-se na proposta freireana do Círculos de Cultura.

Finalmente, como desdobramento e continuidade deste mestrado foi planejado, organizado e realizado o Fórum das Práticas Integrativas e Complementares no SUS em Jundiaí/SP, que ocorreu em março de 2020, para subsidiar e aprimorar a implantação e a implementação das PIC nas US jundiaienses, uma vez que a pesquisa revelou que caminham em direção à incerteza dos profissionais de gestão quanto à conceituação, denominação, “uso e oferta” das PIC.