CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as estratégias utilizadas pelo POMMAR para definir sua atuação na área temática do enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, procurou-se, ao longo deste trabalho, angariar elementos teóricos e empíricos que pudessem levar a uma resposta à pergunta de partida que havia sido formulada da seguinte maneira: “De

que forma as estratégicas de participação utilizadas pelo POMMAR/USAID tiveram impacto no seu envolvimento nas políticas públicas específicas para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil?”.

Pretendeu-se, com esta pesquisa, testar os pressupostos considerados, a saber:

a) As agências da cooperação internacional para o desenvolvimento adaptam-se ao contexto local dos países em que atuam e efetivamente articulam-se com as OCSs para além do financiamento que outorgam. Assim o fazem para garantir a legitimação social de suas atividades, necessária para a sustentação do seu envolvimento com as ações governamentais e o processo de formulação de políticas públicas no âmbito nacional.

b) As diferentes estratégias de participação (de natureza técnica, política e financeira) utilizadas de forma articulada pelo POMMAR, entre 1994 e 2004, tiveram impacto no seu envolvimento direto nas políticas públicas específicas na área da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

Podemos admitir que as respostas efetivas que uma organização dá ao ambiente social ao longo do tempo é o resultado de um conjunto de estratégias que se refletem também

no reconhecimento público de que goza a organização, baseado nos valores identificados como positivos pelos integrantes do ambiente social e político. Como conseqüência do maior ou menor êxito dessas estratégias, está o elemento indicativo de maior ou menor legitimidade social da organização, influenciada pela natureza e a qualidade das suas relações públicas e mesmo a sua imagem, resultado da forma como se projeta no ambiente.

[...] a legitimidade nasce na existência de um sistema normativo que justifica a sua razão de ser, sendo assim uma categoria de entendimento jurídica; a legitimação, pelo seu lado, é uma categoria, sobretudo com carga sociológica e tem a sua base na aceitação indiscutida do beneficiário da legitimação pela comunidade social organizada. [...] É verdade que a reforço da legitimação se pode conseguir de muitas formas e seguramente que, para as instituições, a legitimação é muito mais importante do que a legitimidade (ou as Monarquias nunca teriam sido aceitas com naturalidade durante séculos, com base numa legitimidade meramente ritual e sagrada); e é verdade também que a legitimidade não é em si mesma base bastante para a legitimação, como a crise dos sistemas políticos democráticos demonstra (JÚDICE; CORREIA, 2004).

Por intermédio da matriz referencial construída neste trabalho constatou-se que as três dimensões das estratégias de participação influenciaram na aceitação, no reconhecimento e na legitimidade institucional adquirida pelo POMMAR. Essa legitimidade pôde ser aferida pela sua participação nas políticas públicas, que apontou para o seu reconhecimento como ator legítimo na construção, co-execução e controle social de ações relacionadas à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil e pelo elevado nível de aceitação e reconhecimento dos atores sociais envolvidos no processo, conforme demonstrado na análise empírica das suas estratégias no capítulo anterior.

De acordo com Cavalcante (2002), uma organização internacional que deseja atuar em um outro país enfrenta, superados os aspectos de viabilidade econômico-financeira e legal, o desafio de superar também diferenças culturais existentes, de se inserir e se adaptar aos contextos políticos locais e de construir com a população local uma relação socio-afetiva; esses desafios, quando superados conjuntamente, podem gerar um padrão adequado à concretização da empreitada definida pela agência internacional.

Envolve, indiscriminadamente, todos os integrantes do ambiente social, formuladores que são de seus próprios conceitos e opiniões, susceptíveis que são de integrar, a qualquer momento, um movimento de aceitação ou de rejeição dessa ou daquela organização, motivados tanto por fenômenos incomensuráveis (tais como empatia ou ideologia) quanto pelos impactos objetivos que uma organização pode causar, deliberadamente ou não, numa população, comunidade, no seu espaço natural, patrimônio e nos seus valores (CAVALCANTE, 2002).

Na medida em que a organização responde às demandas e expectativas do ambiente social a partir valores compartilhados e construídos coletivamente, dá passos importantes para a construção e consolidação de sua aceitação institucional. Por outro lado, na medida em que as organizações se omitem ou dão respostas frustrantes, a reputação e a imagem também sofrem os reflexos desses procedimentos, o que não foi o caso do POMMAR na execução de nenhuma das três dimensões estratégicas da sua atuação. O POMMAR foi percebido por seu posicionamento ativo, participativo e coerente pelos diferentes atores envolvidos no campo analisado.

Ademais percebe-se um empenho do POMMAR em se adaptar ao contexto local, procedendo de maneira compatível com o sistema de crenças vigente, na participação e envolvimento com a causa. Essa postura possibilitou a construção de vínculos sócio-afetivos, ressaltando elementos identitários comuns entre a organização e o ambiente social, na construção de objetivos convergentes baseados em valores e crenças percebidos como compartilhados. Esse fator, sem dúvida, influenciou a percepção pública positiva que se tem do POMMAR no Brasil.

O POMMAR adquiriu relevância para seus integrantes e para a sociedade, ou seja, criou laços de identidade. Esse processo de aceitação e legitimação das organizações perante a sociedade à qual pertencem é algo construído socialmente e, portanto, relacional, que extrapola em muito a questão financeira. Trata-se de um processo gradual de construção que necessariamente implica outros tipos de participação. Sendo assim, as estratégias de participação utilizadas pelo POMMAR, fundamentadas na busca da adaptação ao contexto local e do envolvimento efetivo nas ações dos movimentos sociais, para além da participação financeira, foi um fator crítico para a sua legitimação ou, de acordo com Suchman (1995)

apud Barbosa (2005, p.142), para aumentar a percepção de que essa organização é desejável

dentro do sistema social.

Cada tipo de política pressupõe, de acordo com Lowi (1972), uma arena de poder diferente; uma rede diferente de atores; uma diferente estrutura decisional; um contexto institucional diferente, ou seja, um novo cenário se transforma a cada mudança de governo. Um fator importante para a comprovação da solidez do processo de legitimação do POMMAR e da sua relevância no sistema social pode ser percebido pela continuidade do processo de articulação entre o POMMAR e o governo brasileiro, que resultou no memorando

de entendimento, inicialmente articulado no fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e concluído de maneira natural, sem interrupções e descontinuidades, já sob o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O processo de participação do POMMAR esteve estrategicamente alinhado com os desígnios das OSCs, fato comprovado empiricamente pela análise dos discursos e dos resultados de sua atuação. Neste caso, pôde-se comprovar o primeiro pressuposto desta dissertação.

A presente dissertação também foi desenvolvida com vistas a confirmar se as diferentes estratégias de participação (técnica, política e financeira) utilizadas de forma articulada pelo POMMAR, entre 1994 e 2004, tiveram impacto no seu envolvimento direto nas políticas públicas específicas na área da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Este foi o segundo pressuposto desta pesquisa.

É fato que, muitas vezes, a participação das organizações internacionais para o desenvolvimento é restrita ao apoio de natureza financeira, não incorporando outras dimensões da ajuda. Grande parte destas agências financiadoras limita-se, após a aprovação do projeto, ao contato apenas para o repasse do valor solicitado e à avaliação final do projeto, na prestação de contas e apresentação do relatório final. Foi necessário, neste trabalho, desconstruir a idéia da participação das organizações internacionais associadas apenas à dimensão financeira, e inserir também a dimensão técnica e política nesta análise. Contrapondo-se a esta concepção, partimos do pressuposto de que o êxito do programa POMMAR ocorreu por incorporar outras dimensões, como a técnica e a política, de forma articulada ao apoio financeiro que ele prestou no decorrer dos 10 anos de sua atuação.

Ao analisarmos as estratégias de participação utilizadas pelo POMMAR, encontramos a perspectiva da inter-relação e interdependência entre as três dimensões propostas neste trabalho. Ao tratar de cada dimensão, separadamente, foi possível perceber que todas as dimensões apresentam significativas zonas de interseção e complementaridade, ou seja, além de inter-relacionadas, as estratégias de participação são interdependentes, dependendo umas das outras para a consecução do resultado final pretendido pelo POMMAR/USAID. Tal interdependência é fundamental para o entendimento do sucesso das estratégias utilizadas pelo POMMAR.

Por exemplo, ao tratarmos da dimensão técnica da participação do POMMAR, percebemos o quanto a dimensão financeira foi fundamental para a viabilização do acúmulo de experiência e reforço da capacidade técnica e, por outro lado o quanto a capacidade técnica deu sustentação à consolidação da participação política. As estratégias das dimensões técnica e política muitas vezes foram viabilizadas porque havia o recurso financeiro, dando sustentabilidade às ações.

Cada dimensão possui, obviamente, por si só, as suas particularidades. Com o objetivo de sintetizar informações que possibilitem o aprofundamento da compreensão de como cada dimensão foi operacionalizada, bem como seus impactos diretos e os entraves relacionados ao seu desenvolvimento, foram construídos os quadros abaixo: