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1.2 O Museu das Missões:

4. Considerações Finais

O Museu das Missões é resultado de um dos processos patrimoniais que respondiam a um paradigma de Estado calcado no nacionalismo e em valores relativos aos cânones artísticos. O Museu das Missões foi a obra símbolo do processo de nacionalização e de instituição do patrimônio nacional. A obra física do Museu traz em si a carga represen- tativa dos preceitos do Modernismo, baluarte das ações protetivas e dos valores artísti- cos que nortearam as ações do SPHAN. Seguindo o paradigma político do período do Estado Novo, o SPHAN atuou na proteção dos remanescentes missioneiros, voltando-se somente ao período colonial, trazendo para si a função verticalizada de decisão sobre como produzir uma leitura do passado e de modelo de gestão do sítio e dos bens tom- bados.

Assim, a intervenção federal, na localidade, se sobrepôs a outros sentidos, usos e sig- nificados que haviam sido dados aos bens culturais do período jesuítico-guarani. So- mam-se, ainda, no decorrer das intervenções de proteção do patrimônio, outras ações que contribuíram para o rompimento de relações de sociabilidade e de ressignificações estabelecidas com os bens culturais do período jesuítico-guarani. Não por acaso, as in- tervenções que mais afetaram as relações da comunidade miguelina com o patrimônio advieram de processos patrimoniais ocorridos em contextos políticos de viés autoritário, no Estado Novo, no momento do tombamento nacional e da ditadura civil-militar, quan- do da candidatura de São Miguel para a lista da UNESCO.

Todavia, se o tombamento e as obras realizadas pelo Governo Federal deram visibili- dade à história das Missões e tornaram o lugar conhecido dentro e fora do Rio Grande do Sul, esse processo também obliterou relações anteriores, oficiais e não-oficiais, em nível regional, da população e dos poderes públicos com a localidade. Nessas oito décadas de história do Museu das Missões, torna-se relevante discutir e contextualizar os modelos de intervenção realizados sobre o patrimônio na localidade, recuperando esses signifi- cados anteriores, cumprindo, assim, com seu papel de aproximar a comunidade local do patrimônio, buscando com isso a compreensão e o entendimento das pessoas sobre essa trajetória e sobre as mudanças nas concepções patrimoniais dessas últimas déca- das. O patrimônio, em São Miguel das Missões, não é somente o suporte da identidade regional. Os processos patrimoniais, empregados ao longo de quase um século, são para os miguelinos componentes diretos da formação de uma memória coletiva.

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Entrevistas/depoimentos

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Verena Becker Rogowski. Depoimento realizado via correio eletrônico. 28 de abril de 2016.

Pedro da Silva Maia. Entrevista concedida ao autor. São Miguel das Missões. 27 de abril de 2017.

Emílio Corrêa dos Santos. Entrevista concedida ao autor. 13 de fevereiro de 2015. São Miguel das Missões – RS.

Documentos primários

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Carta de Rodrigo M. F. de Andrade para Augusto Meyer. 25 de outubro de 1937. Arquivos Pessoais de Escritores Brasileiros. Fundo Augusto Meyer. FCRB.

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Ofício nº 823 de 11 de julho de 1962 SPHAN. Do Diretor do SPHAN para o Prefeito de Municipal de Santo Ângelo. Seção de Turismo. Arquivo Histórico Municipal Augusto César Pereira dos Santos (AHMACPS) Santo Ângelo.

Ofício nº 586 de 16 de outubro 1962 Ministério da Educação e Cultura. Do

Representante do Ministro no Estado da Guanabara para o Prefeito Municipal de Santo Ângelo. Seção de Turismo. AHMACPS.

Telegrama de Mário C. de Bem Osório a Getúlio Vargas apelando para que se impeça o Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de levar imagens do santuário São Miguel para o Rio de Janeiro. Em anexo, carta do diretor do Patrimônio Histórico a Lourival Fontes esclarecendo a questão. Porto Alegre. GV c 1952.11.18/2. 5fl. CPDOC/FGV.

Sessão 2 -

Modos de fazer