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4.3 As Missões Jesuíticas Guaranis

7. São Miguel Arcanjo

Fundada pelo padre jesuíta Cristóvão de Mendonza em 1632, teve que migrar de lo- calidade no segundo ciclo missioneiro, transpassando também o rio Uruguai no ano de 1687, chegando a abrigar 6.675 índios no ano de 1745, a maior população de um povoa- do deste ciclo (NASCIMENTO e OLIVEIRA et al. 2008; SIMON, 2017). São Miguel foi um importante centro artístico da região, produzindo instrumentos musicais e obras sacras de excelência. Logo as sete reduções da banda Oriental do rio Uruguai se tornaram as mais ricas de todas as 30 povoações.

FIGURA 5. Nikon D7100 - DX 18mm, 1/1600 s, f/3.5, ISO 320, sem flash. Fonte: Silva, 2018.

A primeira fotografia retrata a catedral de São Miguel sob um ângulo inferior (Figura 5), expressando a monumental estrutura construída entre os anos de 1735 e 1745 pelos índios guaranis. A obra foi idealizada pelo padre jesuíta e arquiteto italiano Juan Bautista Prímoli, um dos artistas mais aclamados do período missioneiro na região platina, ins- pirado no estilo Barroco do século XVIII. Com a catedral, o sítio arqueológico detém os vestígios melhor conservados das Missões em território brasileiro.

FIGURA 6. Nikon D610 - FX 24mm, 30 s, f/4, ISO 1250, sem flash. Fonte: Silva, 2018.

Todas as reduções se localizam em planaltos, porém, a cidade de São Miguel das Missões está localizada em uma altitude de 305 metros registrando uma das mais es- petaculares visões da região noroeste do Rio Grande do Sul, podendo perceber um sis- tema completo de estrelas durante o Espetáculo de Som e Luz que ocorre diariamente no sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo (Figura 6). Esta fotografia retrata a jornada utópica da redução e o infinito vazio de sua celeste cobertura, conjurando uma sintonia tonal que ilumina a cidade em todas as suas noites.

8. São João Batista

O único registro histórico sobre o processo de escolha do local para construir uma redução, data de 1697 quando o padre jesuíta Anton Sepp von Rechegg (vulgo Antô- nio Sepp), narra em suas cartas o processo de concepção de São João Batista. Com ele, migram de São Miguel Arcanjo 750 famílias que se estabeleceram no sexto povoado missioneiro do Rio Grande do Sul (RECHEGG, 1980). O padre Sepp, exímio artista, com já vasta experiência por entre os povos missioneiros, transforma esta cidade em sua pupi- la, concretizando o almejado sonho de se produzir ferro e aço nas Missões.

FIGURA 7. Nikon D7100 - DX 50mm, 1/500 s, f/8, ISO 100, sem flash. Fonte: Silva, 2018.

Descobriu o padre Sepp que a rocha cognominada “Itacuru” pelos indígenas, ex- posta a altas temperaturas, se conseguiria extrair ferro e aço, transformando São João Batista no polo siderúrgico precursor no sul da América. A primeira fotografia ilustra o processo de fundição representado pelo monumento construindo em homenagem a Antônio Sepp sob autoria do engenheiro e artista Valentim Petrus Emmerich Stephan Von Adamovich de 1959, localizado no sítio arqueológico de São João Batista (Figura 7).

FIGURA 8. Nikon D7100 - DX 300mm, 1/200 s, f13, ISO 160, sem flash. Fonte: Silva, 2018.

A segunda fotografia retrata no silêncio da planície, um Quero-Quero que repousa sobre uma rocha da antiga redução no interior do município de Entre-Ijuís, até perceber a estranha criatura que se aproxima rastejando. Não era uma serpente e sim um fotó- grafo audacioso, que durante 20 minutos capturou dezenas de movimentos e olhares curiosos. Ao fundo encontram-se os vestígios arqueológicos da redução, que contava com obras-primas como o relógio ornado na torre da igreja igualada ao existente na cidade alemã de Munique neste período (HARNISCH, 1980). Hoje diversos seres vivem tranquilamente pela cidade deserta de vidas indígenas.

9. Reflexões

O olhar fotográfico busca retratar o belo por meio das palavras ocultas pela imagem, capturando as vozes no silêncio da fotografia, que informam, e até emocionam aqueles que observam os resultados obtidos. Para efetuar o ato, deve-se realizar processos de preparo práticos e teóricos objetivando enfrentar os possíveis nuances históricos ou am- bientais que se apresentam sob as lentes fotográficas.

Toda concepção fotográfica conforme Kossoy (2014, p. 50) é um “testemunho segun- do um filtro cultural”, ao mesmo tempo que “é uma criação a partir de um visível foto- gráfico”. Portanto, “toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho”.

Segundo Burke (2017), para que possa se utilizar de um testemunho advindo de ima- gens, deve-se iniciar o processo estudando os diferentes propósitos dos idealizadores do trabalho imagético. Ainda de acordo com o autor (2017, p. 24) imagens “constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais”.

Destarte, como resultado destes testemunhos, a fotografia auxilia na manutenção da memória de culturas que já não mais mantém em sua totalidade, o estilo de vida, que caracterizou seu grupo social, como os povoados das Missões Jesuíticas Guaranis, objeto deste estudo. A imagem fotográfica se efetiva também como reflexo da vida ambiental que tem significativa importância no contexto histórico destes lugares, forjando junto às edificações a singular paisagem cultural que lá existe.

Permite ainda a fotografia, vislumbrar o esplendor do passado e a reflexão acerca do presente e futuro estado de conservação destes patrimônios de expressivo valor históri- co e cultural, que devem ser protegidos e preservados para que as futuras gerações pos- sam conhece-los, auxiliando assim para que traços identitários de determinados grupos não desapareçam com o passar do tempo.

Deste modo, partiu-se do pressuposto de Nascimento e Oliveira et al. (2008), que não se tem razão examinar objetos sem a ligação com seus feitores, utilizando aqui referên- cias histórias para auxiliar na compreensão das fotografias apresentadas, que auxiliam a instigar a imaginação e a reforçar a memória, que conforme Le Goff (2013, p. 435) é “um elemento essencial” do que se costuma chamar “identidade”.

Os registros visuais fotográficos aqui apresentados, se concretizam como retratos de rastros da história, vestígios do passado e do experimento utópico que funcionou com êxito durante mais de um século e meio na região das Missões, considerado por Harnis- ch (1980, p. 17) “uma das mais raras vitórias do espírito humanitário, manifestação de sur- preendente beleza no mundo moral [...] formará sempre este juízo quem se aprofundar em suas fontes”.

O áureo período de encantamento das Missões Jesuíticas Guaranis, envolto pelas be- lezas naturais e culturais, foi chamado de “florescimento” por Harnisch (1980), quando foram produzidas obras-primas da arquitetura, escultura e artesanato artísticos admi- ráveis, transformando o sul da América em uma utopia cultural que hoje por meio de representações fotográficas, retratando seus remanescentes históricos, apenas fazem com que nossa imaginação viaje.

Concluiu-se que na atmosfera cultural da trajetória histórica das Missões Jesuíticas Guaranis, hoje ilustradas por resquícios arqueológicos em estado de ruína, predominam as formas que dão sentido às artes ali praticadas durante os séculos XVII e XVIII, esboça- das essencialmente na arquitetura, que assumiu peculiaridades ao mesclar o Barroco Europeu com a realidade local, gerando um estilo único e mestiço denominado Barroco Missioneiro que persistiu à ação do tempo e do homem (Costa, 1941).

O olhar fotográfico auxilia na valorização histórica, contribuindo com sua plasticida- de, gerando conteúdo estilístico e aprimorando o caráter expressivo que lhes pode ser conferido ao patrimônio cultural e natureza adjacente presente nestes territórios. Os conteúdos e mídias gerados pela fotografia podem auxiliar na conscientização a respei- to do valor destes patrimônios, fomentando também à atividade turística para o desen- volvimento local.

Ratifica-se, portanto, que o olhar fotográfico auxilia na decodificação de elementos intrínsecos à história, expressados por formas visuais advindas das constantes interpre- tações exercidas pelo fotógrafo ao decidir o que melhor deve ser esboçado por meio de suas conjurações. No caso das Missões Jesuíticas aqui retratadas, pode-se observar que o resultado desta experiência ainda hoje manifesta curiosidades e instiga a incessante busca por desvelamento dos segredos ocultos, podendo a fotografia se estender a ferra- menta de contributo para exploração das belezas artísticas que perduraram ao decorrer dos séculos.

Agradecimentos

As fotografias foram capturadas no Parque Histórico Nacional das Missões com auto- rização do IPHAN/RS.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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