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Conforme argumentamos ao longo do desenvolvimento deste estudo teóri- co, as relações entre escolarização, cidadania e justiça social apresentam-se como aspectos fundamentais para a reorganização da agenda das políticas educacionais brasileiras na contemporaneidade. Partindo de uma breve revisão, empreendemos um diagnóstico sociológico no qual dimensionamos diferentes concepções de jus- tiça que perfazem os atuais debates educacionais. A partir da discussão filosófica desenvolvida por Fraser (2002; 2009), reconhecemos a relevância teórica e política de revisitarmos a temática da justiça social. Em um segundo momento, atribuindo centralidade ao contexto brasileiro, descrevemos as condições de democratização da escola pública no país na segunda metade do século XX.

Por fim, ao escolhermos as políticas de ampliação da jornada escolar enquanto exemplar analítico, indicamos três dilemas que perfazem a democratização das for- mas escolares no Brasil. A equidade como um princípio, a proteção como meta e a intersetorialidade como política caracterizam os processos de ampliação da oferta escolar no país, ao mesmo tempo em que regulam a constituição pública educa- cional. Tais dilemas, em ação articulada, permitem o desenvolvimento de lógicas divergentes para a composição das políticas de escolarização de nosso tempo.

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CONDICIONANTES DA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO: CONDIÇÕES

DE ESCOLARIZAÇÃO E

INTERSETORIALIDADE EM DEBATE

Luana Costa Almeida5

INTRODUÇÃO

O papel da escola e sua competência é algo bastante polêmico dentro das dis- cussões educacionais, isso porque embora haja a defesa de seu lugar como principal instituição voltada ao ensino-aprendizagem de conteúdos curriculares e, por isso, ocupada do desenvolvimento cognitivo dos alunos, não se pode negar sua atuação dentro do desenvolvimento físico, emocional, crítico, estético, ético, político e social das crianças e adolescentes, principalmente porque são estas dimensões relaciona- das que possibilitam seu desenvolvimento global numa perspectiva de formação humana ampliada.

5 Doutora em Educação. Professora do Mestrado em Educação na Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS). E-mail: luanaca@gmail.com.

A educação faz parte de um conjunto de outros direitos sociais, os quais têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas e da possibilidade da efe- tivação de uma vida mais digna a todos. No Brasil, o direito à educação só foi reconhecido na Constituição Federal de 19886, pois antes disso o Estado não era

obrigado formalmente a garantir educação a todos os brasileiros, sendo o ensino público tratado como ação de assistência aos que não poderiam pagar pelos serviços educacionais. Durante a Constituinte de 1988, após embates e debates, houve mu- dança no entendimento das responsabilidades do Estado em promover a educação e passou a ser parte de suas atribuições, expresso no artigo 205, que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

Na perspectiva da garantia do direito à educação, discutir e refletir sobre o pa- pel da escola e as formas de efetivação de seu trabalho em articulação com a oferta de outros direitos sociais, como saúde, alimentação, moradia, lazer, segurança, assis- tência, dentre outros, é pensar em como esta instituição vem se constituindo histo- ricamente e quais condições são necessárias e potencializam a efetivação desse di- reito. Isso porque tanto não é possível imaginar um isolamento que permita ao estu- dante se desenvolver apropriadamente na escola sem ter outros âmbitos de sua vida adequadamente supridos, quanto não se pode pensar em um aluno ora estudante, ora paciente, ora filho, ora criança. Entendendo a educação como multidimensional, é na totalidade do sujeito que se dá seu desenvolvimento, sendo que a escola não pode, e não tem como função, prover tudo o que as crianças e jovens precisam, havendo a necessidade da garantia dos direitos em diferentes âmbitos para que estas possam se desenvolver adequadamente também na instituição escolar.

Nesse contexto, o que se pretende no presente capítulo é debater as condições de escolarização necessárias aos estudantes para que a escola desenvolva adequa- damente seu trabalho, discutindo o lugar da escola e seu limite na efetivação do direito a uma educação de qualidade socialmente referenciada (ALMEIDA; BE- TINI, 2016), assim como a potencialidade da composição de uma rede de apoio

6 Além da Constituição Federal, de 1988, as principais leis que atualmente regulamentam e comple- mentam a efetivação legal do direito à Educação são o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996.

idealmente baseada na intersetorialidade para promoção dos direitos sociais. Pro- cura-se refletir, assim, sobre os dilemas que perfazem a construção da organização do trabalho pedagógico e dos processos de efetivação de uma ação que potencialize o desenvolvimento dos estudantes, refletindo sobre as múltiplas interfaces para a construção da cidadania e, dentro dela, do direito à educação.

Fruto das discussões promovidas por pesquisa dedicada à compreensão da relação entre o desempenho e o entorno social de escolas municipais da cidade de Campinas-SP (ALMEIDA, 2014), trazemos para debate dados relacionados à percepção dos sujeitos de escolas localizadas em diferentes zonas de vulnerabilidade social sobre como os serviços disponibilizados no entorno social da escola, governa- mentais e não governamentais, se articulam e potencializam o trabalho desenvolvi- do pela instituição escolar.

Os dados analisados foram coletados junto a quatro escolas municipais da cidade de Campinas/SP cujo critério de eleição foi o de contraste, tomando como base a localização socioespacial em zonas de vulnerabilidade social e o desempenho, alto ou baixo, em relação à média da rede pesquisada, a partir do valor agregado calculado no projeto GERES7. O primeiro par foi formado por escolas localiza-

das em zonas de vulnerabilidade social diferentes, mas com o mesmo desempenho escolar (Escola 1 em zona de vulnerabilidade social relativa baixa e Escola 2 em zona de vulnerabilidade social absoluta, ambas com alto desempenho) e o segundo formado por escolas localizadas em mesma zona de vulnerabilidade social, mas com desempenhos diferentes (Escola 3 com alto desempenho e Escola 4 com baixo desempenho, ambas em zona de vulnerabilidade social absoluta).

Produto de uma coleta qualitativa de dados com duração de aproximadamente 18 meses, a metodologia de pesquisa assumida no trabalho contou com observa- ção em campo, entrevistas semiestruturadas com 150 sujeitos (gestores, professores,

7 Basicamente, o valor agregado medido pelo GERES é o produto da comparação do desempenho dos mesmos alunos (painel de 2005) em exames equalizados e subsequentes, a fim de verificar quanto estes avançaram no período entre as medições. O desenho metodológico da pesquisa se preocupou em fazer uma medida de entrada de forma a controlar a proficiência destes alunos ao chegarem nas esco- las, possibilitando a comparação desta medida com as posteriores, cujo produto é o que foi agregado no período de escolarização considerado, ou seja, o valor agregado pela escola (STOCO; ALMEIDA, 2011).Em seu estudo, Ferrão (2012) faz distinção entre modelos estatísticos para se calcular o valor agregado (nomeado por ela como valor acrescentado), discutindo que, para melhor calcular a eficácia da escola, faz-se necessário “isolar” seu efeito calculando também e “isolando” o efeito dos fatores externos.

funcionários, pais/responsáveis, estudantes e líderes comunitários), grupos focais (um em cada escola) e dois bancos de dados provenientes de duas pesquisas: o Projeto Geres, polo Campinas, desenvolvido pelo Laboratório de Observação e Es- tudos Descritivos (LOED/UNICAMP) (FRANCO; BROOKE; ALVES, 2008); e o Projeto Vulnerabilidade Social nas regiões metropolitanas de Campinas e San- tos, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de População (NEPO/UNICAMP) (CUNHA et al., 2006).

A opção metodológica se justifica por sua potencialidade no levantamento de informações sobre aspectos da realidade, compreendendo a dinâmica da escola e sua organização, captando informações de sua estrutura e funcionamento e também da relação interpessoal entre os diferentes segmentos e deles em relação ao entorno social da instituição, o qual abarca, dentre outros, a rede de serviços existente na região.

1. PENSANDO FACETAS DAS DESIGUALDADES

SOCIAIS E ESCOLARES A PARTIR DAS

CONDIÇÕES DE ESCOLARIZAÇÃO: A