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POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ABORDAGENS, EXPERIÊNCIAS E DILEMAS CONTEMPORÂNEOS

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Academic year: 2021

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ABORDAGENS,

EXPERIÊNCIAS E DILEMAS

CONTEMPORÂNEOS

(2)

Conselho Editorial Dra. Janaína Rigo Santin Dr. Edison Alencar Casagranda

Dr. Sérgio Fernandes Aquino Dra. Cecília Maria Pinto Pires Dra. Ironita Policarpo Machado

Dra. Gizele Zanotto Dr. Victor Machado Reis

Dr. Wilson Engelmann

Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira Dr. Eduardo Borba Neves

Editora Deviant LTDA Rua Clementina Rossi, 585. Erechim-RS / CEP: 99704-094

(3)

(orgs.)

POLÍTICAS EDUCACIONAIS:

ABORDAGENS, EXPERIÊNCIAS E

DILEMAS CONTEMPORÂNEOS

Editora Deviant 2019

(4)

Produção Editorial

Editora Deviant LTDA Todos os Direitos Reservados

ISBN

978-85-7796-246-4

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

P769 Políticas educacionais: abordagens, experiências e dilemas

contemporâneos / Rodrigo Manoel Dias da Silva,

César Riboli (orgs.) – Frederico Westphalen: URI;

Ere-chim: Deviant, 2019.

ISBN: 978-85-7796-246-4

1. Políticas educacionais 2. Educação. 3. Direito. I. Silva,

Rodrigo Manoel Dias da. II. Riboli, César. III. Título.

CDU 37.014:34

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APRESENTAÇÃO  7 Rodrigo Manoel Dias da Silva César Riboli

I

DILEMAS DAS POLÍTICAS BRASILEIRAS DE ESCOLARIZAÇÃO NO INÍCIO DO SÉCULO XXI:

DEMOCRATIZAÇÃO, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL  13 Roberto Rafael Dias da Silva Rodrigo Manoel Dias da Silva

II

CONDICIONANTES DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: CONDIÇÕES DE

ESCOLARIZAÇÃO E INTERSETORIALIDADE EM DEBATE  35 Luana Costa Almeida

III

ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE DO CENTRO DE APOIO ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE

PROTEÇÃO À EDUCAÇÃO DO PARANÁ  59

Adriana Aparecida Dragone Silveira Lusiane Ferreira Gonçalves

IV

PARA ALÉM DOS MUROS DA UNIVERSIDADE: A

CONTRARREFORMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E SEUS

IMPACTOS NO TRABALHO E FORMAÇÃO DOCENTE  79

Flávia Gonçalves da Silva Francisca Rejane Bezerra Andrade Mônica Duarte Cavaignac

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Cesar Riboli

VI

REFLEXÕES SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE

MATRÍCULA NA PRÉ-ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO

NO MUNICÍPIO DE FARROUPILHA/RS  117

Denise Madeira de Castro e Silva Maria Luiza Rodrigues Flores

VII

O MOVIMENTO ESTUDANTIL DE OCUPAÇÕES E O

DIREITO À EDUCAÇÃO  139

Scarlett Giovana Borges

VIII

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA LEITURA: O PROGRAMA NACIONAL DA BIBLIOTECA ESCOLAR (PNBE) E OS

DESAFIOS À FORMAÇÃO DE LEITORES   153

Luana Teixeira Porto Ana Paula Teixeira Porto

IX

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE NO BRASIL: DOS PRIMEIROS MOVIMENTOS À

CONJUNTURA ATUAL  171

Sandra Lilian Silveira Grohe Sabrina Dinorá Santos do Amaral

X

EDUCAÇÃO PERMANENTE E PROBLEMATIZAÇÃO DE PRÁTICAS PROFISSIONAIS SINGULARES  189 Luiza Helena Dalpiaz

XI

CULTURA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ABORDAGENS ETNOGRÁFICAS COMO POSSIBILIDADE DE PESQUISA  207 Taiana Valencio da Silva Fabiana Gazzotti Mayboroda Leandro Forell

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APRESENTAÇÃO

Rodrigo Manoel Dias da Silva César Riboli

O contexto das políticas e das relações democráticas no Brasil tem nos exigido um esforço permanente em rediscutir as concepções e as práticas que conformam as políticas educacionais, bem como exige-nos a leitura inquieta das ferramentas teóricas e conceituais através das quais definimos nossos temas e objetos investiga-tivos em tais situações. Com quais termos definimos as políticas educacionais que investigamos? Quais indícios nos oferecem elementos para defini-las como demo-cráticas? Como identificarmos suas múltiplas interfaces com a cidadania e com a experiência dos cidadãos e das cidadãs? Quais desafios perfazem sua construção e seus processos de implementação?

Assumirmos tais indagações, e tantas outras que têm ocupado as pesquisas produzidas em/sobre Políticas Educacionais, requer a desnaturalização de suas ex-pressões e, de certo modo, uma “des-ontologização” de sua vigência. Não há uma essência de políticas educacionais a ser apreendida de modo universal. Antes, faz-se necessário compreendê-las como construção sociocultural e política, a ser confron-tada permanentemente a práticas e experiências de atores sociais nelas engajados, sob as condições do tempo presente. Tal entendimento nos interpela a orientarmos nossos estudos desde outras abordagens teóricas e metodológicas, a fim de anali-sarmos suas atuais expressões, suas novas composições temáticas e, sobretudo, os dilemas políticos, socioculturais e econômicos que as constituem.

A presente coletânea posiciona-se nesse horizonte de problematizações, pois visa incorporar artigos que discutam tais nuances e preocupem-se em contribuir com os estudos em/sobre Políticas Educacionais no Brasil. Contempla leituras e dinâmicas de pensamento diversas e interessantes, realizadas em grupos de pesquisa situados em diversas instituições de ensino superior espalhadas pelo país. Faz-se,

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pois, marcada pelo enfrentamento de problemáticas fundamentais às referidas polí-ticas, cujas dimensões e contornos evidenciam a pluralidade de atores e de disputas que, na atualidade, configuram as discussões sobre o direito à educação.

Inicialmente, Roberto Rafael Dias da Silva e Rodrigo Manoel Dias da Silva apresentam o capítulo “Dilemas das políticas brasileiras de escolarização no início do século XXI: democratização, cidadania e justiça social”. Neste, problematizam os modos pelos quais as políticas de escolarização são construídas no Brasil e pro-duzem um diagnóstico sobre as relações entre escolarização, cidadania e justiça so-cial, enquanto elementos que têm reorganizado a agenda das políticas educacionais na atualidade. Segundo os autores, a democratização do acesso à escola pública é um dos desafios históricos da escolarização pública, bem como produz e explicita tensionamentos socioculturais e econômicos ao enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais.

No segundo capítulo, intitulado “Condicionantes da organização do traba-lho pedagógico: condições de escolarização e intersetorialidade em debate”, Luana Costa Almeida objetiva debater as condições de escolarização necessárias aos es-tudantes para que a escola desenvolva adequadamente seu trabalho, a partir de dis-cussões acerca do lugar da escola e seus limites na efetivação do direito a uma edu-cação de qualidade socialmente referenciada. O argumento da autora alcança ainda a relevância da intersetorialidade para promoção dos direitos sociais. Desta forma, reúne elementos para discutir os dilemas que perfazem a construção da organização do trabalho pedagógico e dos processos de efetivação de uma ação que potencialize o desenvolvimento dos estudantes, bem como refletir sobre as múltiplas interfaces para a construção da cidadania e do direito à educação.

Na sequência, em “Atuação do Ministério Público na grantia do direito à edu-cação: uma análise do Centro de Apoio às promotorias de justiça de proteção à educação no Paraná”, Adriana Aparecida Dragone Silveira e Lusiane Ferreira Gon-çalves objetivam mapear e analisar as ações desenvolvidas pelo Centro Operacional às Promotorias de Justiçada Criança e do Adolescente e Educação (CAOPCAE) – Área de Educação, do MP do Paraná, com vistas à garantia do direito à educação básica. A partir de pesquisa de cunho qualitativo, as autoras analisam significativo material empírico produzido a partir de entrevistas com Promotores de Justiça e

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outros agentes públicos, análise de documentos fornecidos pelo Centro de apoio, informações disponíveis nas páginas eletrônicas oficiais dos MP’s Estaduais, além de levantamento bibliográfico.

Flávia Gonçalves da Silva, Francisca Rejane Bezerra Andrade e Mônica Duarte Cavaignac são as autoras do quarto capítulo. “Para além dos muros da Universidade: a contrarreforma da educação superior e seus impactos no trabalho e na formação docente” é um artigo que versa sobre a educação superior na sociedade brasileira, apreendendo seus avanços e limites como política pública e seus impactos sociais. Há, em seu entendimento, um movimento de contrarreforma da educação superior no Brasil, marcada pela expansão da educação como mercadoria, a qual possui implicações diretas tanto na formação profissional dos educandos e profes-sores, como nas condições de trabalho docentes.

A seguir, César Riboli, no capítulo “A judicialização do direito à educação na infância”, discorre sobre a efetivação do direito ao ensino na infância e o cres-cente direcionamento ao Poder Judiciário, mediante a judicialização de demandas individualizadas. Enfatiza as consequências da efetivação parcial do direito, pois suas conflitividades transcendem a atuação da Administração Pública, bem como argumenta acerca da importância de estudos e pesquisas sobre a jurisprudência dos Tribunais para compreender a judicialização do direito à educação infantil.

O sexto capítulo, de autoria de Denise Madeira de Castro e Silva e Maria Lui-za Rodrigues Flores, oferece-nos, como enunciado em seu título, reflexões sobre a obrigatoriedade da matrícula na pré-escola a partir de um estudo de caso realizado no município de Farroupilha, no Estado do Rio Grande do Sul. Após contextuali-zar a obrigatoriedade escolar nos marcos legais e históricos, analisam a evolução das matrículas no município gaúcho acima citado na série histórica 2010-2015 (após a edição da EC 59/09). Também se fez objeto reflexivo do capítulo o atendimento à Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), considerando dados estatísticos sobre a educação infantil no Estado.

Após, no capítulo “O movimento estudantil de ocupações e o direito à edu-cação”, Scarlett Giovana Borges apresenta o referido movimento estudantil e seus enfrentamentos às políticas neoliberais vigentes desde a década de 1990. Busca contextualizar o movimento e a trajetória histórica da construção do direito à

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edu-cação, ao mesmo tempo em que examina as motivações para a ação política dos estudantes. Conforme a autora, o o Movimento Estudantil de Ocupações dialoga com as diretrizes do direito à educação no que diz respeito à obrigatoriedade esco-lar e em relação aos parâmetros de qualidade na oferta do ensino público.

O oitavo capítulo, “Políticas públicas para a leitura: o Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE) e os desafios da formação de leitores”, redigido por Luana Teixeira Porto e Ana Paula Teixeira Porto discorre sobre a política de lei-tura implantada pelo PNBE e os empecilhos para a efetivação de resultados mais favoráveis em leitura por meio do Programa, considerando, como um dos atores fundamentais para a implantação de qualquer projeto sobre leitura nos espaços es-colares, o professor. Consideram, analiticamente, as questões políticas, estruturais, financeiras que dificultam a implementação das políticas públicas de incentivo à leitura no Brasil e discutem as ações desse Programa quanto aos resultados mensu-rados em avaliações de larga escala para o ensino fundamental e quanto à formação de leitores.

No texto a seguir, Sandra Lilian Silveira Grohe e Sabrina Dinorá Santos do Amaral contribuem com essa coletânea ao discutirem as políticas brasileiras de educação para a sustentabilidade, a partir de um exame de seus deslocamentos his-tóricos, desde seus primeiros movimentos até a atualidade. Examinam o conceito de sustentabilidade e sua construção desde conferências internacionais e suas cor-respondências aos debates políticos e educacional.

No décimo capítulo, intitulado “Educação permanente e problematizações de práticas profissionais singulares”, Luiza Helena Dalpiaz apresenta alguns ele-mentos sócio-históricos e conceituais que se constituem em indícios da construção social da noção de educação permanente, com ênfase em suas particularidades e contradições. Não obstante, de forma sucinta, argumenta sobre as referências epis-temológicas e metodológicas com as quais têm trabalhado o conceito de educação permanente, sobretudo para a formação de operadores locais de diferentes políticas sociais (assistência social, educação básica, educação superior, saúde coletiva e se-gurança pública).

Por fim, Taiana Valêncio da Silva, Fabiana Gazzotti Mayboroda e Leandro Forell trazem uma reflexão metodológica. No texto “Cultura e políticas

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educacio-nais: abordagens etnográficas como possibilidades de pesquisa”, os autores enten-dem que a etnografia contribui para a elucidação de outras definições de políticas educacionais, menos obscurecidas por expressões que se cristalizam em suas aná-lises, como Estado ou Políticas Educacionais (em maiúsculo). A partir do exame de como se dão as relações e interações constituídas no cotidiano escolar, pode--se pensar sobre tais políticas. Desta forma, pesquisadores da área podem buscar compreender os significados atribuídos pelos sujeitos por meio dessas políticas e o reflexo das mesmas dentro do contexto escolar.

Para além das discussões presentes na coletânea, fundamentadas em estudos individuais ou em reuniões sistemáticas em grupos de pesquisa, o volume procura encontrar novas formas de interrogar e analisar as políticas educacionais em nosso tempo. O vocabulário analítico que temos empregado nesses campos, mesmo que consideremos seus matizes diferenciados, parece-nos cada vez mais insuficiente para descrevermos as configurações e os delineamentos dessas políticas. Termos como cidadania, democratização, democracia, direitos, participação, justiça social, dentre outros, são utilizados de maneira indiscriminada tornando-se autoexplicati-vos. No entanto, como temos reiterado, tais expressões não falam por si, tampouco existe uma definição de políticas educacionais a priori de suas práticas e dos atores sociais que as mobilizam. É tempo de examinarmos mais cuidadosamente nossas ferramentas intelectuais, uma vez que as mesmas palavras em frases muito simila-res podem enquadrar nosso pensamento em posturas neoconservadoras que apro-fundam clivagens ou desigualdades, mas também podem contribuir em propósitos intelectuais emancipatórios e críticos. Ainda que, para finalizar, também devamos manter um vigilante ponto de interrogação após as palavras emancipação e crítica social.

Agradecemos a todos os autores e autoras que, com seriedade, rigor e compro-misso intelectual, aceitaram contribuir nesse projeto editorial.

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DILEMAS DAS POLÍTICAS

BRASILEIRAS DE ESCOLARIZAÇÃO

NO INÍCIO DO SÉCULO XXI:

DEMOCRATIZAÇÃO, CIDADANIA

E JUSTIÇA SOCIAL

1

Roberto Rafael Dias da Silva2

Rodrigo Manoel Dias da Silva3

Superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem alguns sujeitos de participarem, em condições de paridade

com os demais, como parceiros integrais da interação social (Nancy Fraser).

1 Trata-se de versão revista e modificada do artigo “Dilemmas of Brazilian schooling policies in the early 21st century: democratization, citizenship and social justice”, publicado na revista Acta Scientia-rum.Education (v. 37, n. 2), em 2015.

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Si-nos. Doutor em Educação. E-mail: robertods@unisiSi-nos.br

3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Si-nos. Doutor em Ciências Sociais. E-mail: rodrigods@unisiSi-nos.br

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INTRODUÇÃO

Pensar os processos de escolarização requer situá-los nos contextos históricos e socioculturais de produção de suas políticas, uma vez que, com maior ou menor intensidade, a escolarização é permeável às condições sociais do tempo onde é re-alizada. Tal permeabilidade indica que fenômenos transcorridos na sociedade irra-diam-se e interferem nas dinâmicas escolares, assim como a escolarização modifica estruturas e dinâmicas interacionais na sociedade. Diante de tal percepção, consta-ta-se a inviabilidade de percebermos a escolarização em si mesma, mas entrecru-zada com múltiplas mediações derivadas de registros sociais, econômicos, políticos, culturais ou pedagógicos (SILVA; SILVA, 2012).

Daí decorre duas consequências analíticas, as quais serão melhor delineadas na sequência desta elaboração, mas que precisam ser anunciadas nesta abertura. Pri-meiramente, analisar a escolarização implica compreender uma densa trama de sen-tidos, valores e racionalidades que se explicitam na forma cotidiana de um “trabalho sobre os outros” (DUBET, 2006). A natureza política da escolarização evidencia-se ao erigir-se sobre práticas sociais hierarquizadas e hierarquizantes, além de eivadas por dispositivos de seleção e relações de poder. Uma segunda consequência diz res-peito à relação porosa que a escolarização estabelece em relação à sociedade. Pensar a escolarização é pensar sobre as relações sociais que se dão em um determinado tempo, um determinado espaço e mobilizam determinados atores sociais. Em ter-mos disciplinares, a escolarização é, per si, um objeto de estudo sociológico.

Nosso olhar, nesta elaboração, inscreve-se sobre o âmbito das políticas de es-colarização produzidas no Brasil, com o interesse de identificarmos alguns dilemas interpretados enquanto problematizações ou desafios a estas políticas na contem-poraneidade. Para examinarmos esta questão, realizaremos três movimentações analíticas. Na primeira, visamos produzir um diagnóstico sobre as relações entre escolarização, cidadania e justiça social, enquanto elementos que têm reorganizado a agenda das políticas educacionais no início deste século. Na segunda, em um exercício digressivo, optamos por perscrutar a historicidade de tais políticas em nosso país diante do principal desafio educacional das décadas passadas, qual seja:

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a democratização do acesso à escola pública. Por fim, na terceira, examinaremos o advento das políticas de ampliação da jornada escolar/educação integral a fim de mapearmos seus debates sobre democratização, cidadania e justiça social, assim como analisarmos os modos pelos quais estas produções, sendo produtos de tensio-namentos socioculturais e econômicos, interpelam a escolarização pelos desafios do enfrentamento das desigualdades sociais.

1. ESCOLARIZAÇÃO, CIDADANIA E JUSTIÇA

SOCIAL: UM DIAGNÓSTICO SOCIOLÓGICO

Quando nos propomos a realizar um exame crítico das políticas públicas na contemporaneidade, as análises desenvolvidas nos conduzem a um conjunto de deslocamentos importantes. Poderiam ser destacadas as modificações nos sistemas produtivos com a emergência de modelos pós-fordistas (BAUMAN, 2000), a reor-ganização dos sistemas capitalistas delineada pelas possibilidades de uma sociedade do conhecimento (SENNETT, 2008), o declínio das formas institucionais (DU-BET, 2006; 2007), ou mesmo a centralidade de novos arranjos sociais na ciência, na cultura ou na cidadania (LATOUR, 2000). Entretanto, para compor o presente diagnóstico, enfatizaremos os deslocamentos produzidos em nosso tempo acerca dos sentidos da justiça social, em geral vinculados aos cenários da globalização e a consequente “proeminência da cultura sobre a política” (FRASER, 2002, p. 8). Para além de verificarmos a ampliação dos debates acerca das questões da identidade e da diferença, em suas diferentes nuances, a atualidade nos desafia a pensar sobre as questões da justiça social.

Ao estudar as novas dinâmicas societais produzidas desde a segunda metade do século XX, a filósofa Nancy Fraser defende que a politização da cultura con-duziu à fabricação de uma nova gramática em torno das questões da identidade e da diferença, eclodindo o que Fraser denomina como “lutas pelo reconhecimento” (FRASER, 2002, p. 8). Sob esse campo argumentativo, “a reivindicação de reco-nhecimento é a força impulsionadora de muitos conflitos sociais, desde batalhas sobre o multiculturalismo a lutas sobre as relações sociais de sexo e a sexualidade,

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desde campanhas pela soberania nacional e autonomia subnacional a esforços para construir organizações políticas transnacionais” (FRASER, 2002, p. 8). Em sua he-terogeneidade, tais lutas são mobilizadas desde uma gramática coletiva delineada pelas lógicas de uma política de estatuto.

Seguindo as reflexões de Fraser, podemos localizar que paradoxalmente à emergência das políticas de estatuto, vê-se um declínio das políticas de classe. Em outras palavras, se ao longo do último século as estratégias de contestação política eram organizadas através da busca pela igualdade econômica; hodiernamente, pri-mam por outras formas de reivindicação política. Segundo a filósofa, as formas de justiça social estavam sendo deslocadas da redistribuição para o reconhecimento, e ambas as lógicas tendem a disputar espaços na interpretação das sociedades demo-cráticas.

Em um estudo posterior (FRASER, 2009), a filósofa delineia uma perspec-tiva metapolítica para a questão e sugere que a justiça requer que todos os sujeitos possam participar em igualdade na vida social. Isso implica que, conforme evi-denciamos na epígrafe desse estudo, “superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem alguns sujeitos de participarem, em condições de paridade com os demais, como parceiros integrais da interação social” (FRASER, 2009, p. 17). Na acepção de Fraser, a contemporaneidade, ao deslocar--se do enquadramento keynesiano, demanda formas permanentes de representação que incorporem a dimensão do político.

Em geral, então, uma teoria da justiça adequada ao nosso tempo deve ser tridimensional. Abarcando não somente a redistribuição e o reconhecimento, mas também a representação, ela deve permitir-nos entender a questão do enquadramento como uma questão de justiça. Incorporando as dimensões econômica, cultural e política, ela deve nos capacitar a identificar as injustiças do mau enquadramento e avaliar possíveis reparações. Acima de tudo, ele deve nos permitir colocar e responder a questão política central de nossa época: como podemos integrar lutas contra a má distribuição, o falso reco-nhecimento e a falsa representação dentro de um enquadramento pós-Wes-tfaliano? (FRASER, 2009, p. 26).

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Rapidamente podemos indicar que inúmeros prismas analíticos têm se pro-posto a problematizar a questão da justiça social em suas interfaces com as políticas de escolarização. A partir dos debates entre o reconhecimento e a redistribuição (FRASER, 2002; 2009), acima evidenciados, pelos menos três grandes conjuntos argumentativos podem ser referidos nesse momento, a saber: a) os debates acerca da

justiça cognitiva, propostos por Boaventura de Sousa Santos (2007); b) a questão da justiça curricular, nos termos de Connell (1997); e c) as possibilidades de

constru-ção de uma escola justa, esboçada nos estudos do sociólogo François Dubet (2008). Trataremos de cada uma das abordagens a seguir.

Um dos conceitos emergentes dessa configuração analítica é o de justiça cog-nitiva, produzido a partir dos estudos de Boaventura de Sousa Santos (2007). De acordo com o sociólogo português, ao examinar recentemente as questões do co-lonialismo e da interculturalidade, as análises sociais contemporâneas necessitam considerar a dimensão parcial do conhecimento científico, visando estabelecer diá-logos com os conhecimentos não-científicos. Segundo Santos, a mobilização desse diálogo conduz a composição de uma “ecologia dos saberes” (2007, p. 132), na qual, pela complexidade do mundo em que vivemos, diferentes saberes são necessários para sua compreensão. Ao mesmo tempo, o sociólogo pondera que se faz funda-mental uma superação das concepções colonizadoras e instrumentais do conheci-mento, favorecendo a emergência de uma “justiça cognitiva”.

Nessa direção, as lutas por justiça cognitiva são tão relevantes (e tão di-fíceis) quanto as que se dão no âmbito da justiça social (SANTOS, 2007). Tal relevância que teria encaminhado o pensador a cotejar seus estudos às questões do pós-colonialismo. Em suas palavras, “o avanço de uma epistemologia de co-nhecimento-emancipação depende do avanço das lutas sociais contra a opressão, a discriminação e a exclusão social” (SANTOS, 2007, p. 133). A justiça cognitiva implicaria, então, o reconhecimento dos saberes produzidos pelos contextos e pelas epistemologias não-dominantes.

As propostas epistemológicas que tenho vindo a fazer nos últimos vinte anos não apontam apenas para novos tipos de conhecimento; apontam, também, para novos modos de produção de conhecimento. Defino-os, em geral, como

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epistemologias do Sul, entendendo por Sul a metáfora do sofrimento hu-mano, sistematicamente causado pelo capitalismo (SANTOS, 2007, p. 133). As pistas destacadas pela abordagem construída por Boaventura Santos, em especial pela noção de justiça cognitiva, remetem-nos a problematizar a outras perspectivas de entendimento de justiça fabricadas nas sociedades contemporâne-as. No campo especificamente das políticas de escolarização, os debates assumem uma significativa multiplicidade de abordagens. Seguindo as problematizações de Connell (1997), podemos considerar que, mesmo sendo fundamentais, as políti-cas educativas alicerçadas nas concepções de justiça distributiva demandam um conceito complementar - a justiça curricular. As políticas produzidas desde os anos de 1970, sobretudo no contexto estadunidense, mobilizavam estratégias de educa-ção compensatória que intencionavam, ao dirigirem-se aos grupos desfavorecidos, constituírem-se como uma ruptura com o ciclo da pobreza e a eliminação de suas heranças (CONNELL, 1997). De acordo com o autor, as hipóteses da educação compensatória estavam ancoradas em posicionamentos equivocados, a saber: o en-tendimento de que as desigualdades escolares eram uma questão referente às mino-rias, sob a perspectiva de que “os pobres são culturalmente diferentes da maioria” (p. 35); ou ainda que as reformas educativas seriam um problema de natureza técnica.

Diferenciando-se dos sociólogos da reprodução, Connell (1997, p. 40) argu-mentava que “a educação não é o espelho das desigualdades econômicas ou cul-turais”, uma vez que as instituições escolares também produzem suas próprias desigualdades. Ao legitimar determinadas desigualdades, “os sistemas educativos fomentam constantemente a crença que as pessoas favorecidas na distribuição dos bens sociais merecem essas vantagens” (CONNELL, 1997, p. 41). Assim sendo, as instituições escolares oferecem tratamentos diferenciados aos seus estudantes, fabricando identidades sociais que desacreditam determinados sujeitos em detri-mento de outros.

Acerca dos princípios acima esboçados, Connell estrutura seu conceito de “justiça curricular”. O conceito é constituído a partir de um modelo operativo, evi-denciado em três princípios: “os interesses dos menos favorecidos”, “participação e escolarização comuns” e “a produção histórica da igualdade”. Sob sua

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argumen-tação, a noção de justiça curricular implica em garantir aos mais pobres o acesso a uma escolarização comum, que lhes permita compartilhar conhecimentos que historicamente lhes foram negados. Entretanto, na composição dessa analítica, da-remos um passo adiante para examinar essa questão através da abordagem teórica de François Dubet (2008), acerca da justiça escolar.

Segundo Dubet, as sociedades modernas foram construídas sobre dois tipos de afirmação societal, os quais evidenciam as “tensões essenciais da modernidade nas sociedades que são ao mesmo tempo democráticas e capitalistas” (2003, p. 24). O primeiro tipo de afirmação societal corresponde à igualdade democrática, pro-duzida nos contextos de reorganização dos Estados nacionais e, através de disputas e mediações sociais, incorporada pelas visões clássicas de cidadania e de direitos. Os indivíduos passam a tornar-se iguais perante a Lei e o Estado, com o relato da redução das “desigualdades empíricas” de nascimento, de raça ou de tradição. Na busca pelo triunfo da igualdade, para acompanharmos a consagrada expressão tocquevilleana, “as desigualdades jurídicas entre os grupos são substituídas por de-sigualdades referentes à atividade e ao sucesso dos atores; o que não significa que elas sejam menores, mas que elas sejam abertas já que são produzidas por indivíduos fundamentalmente iguais” (DUBET, 2003, p. 24).

Nesta interpretação do mundo moderno, as desigualdades provenientes das relações de mérito parecem desigualdades justas. As reivindicações contemporâ-neas por igualdade de oportunidades advogam por semelhante entendimento das desigualdades. Por outro lado, no segundo tipo societal, importa considerar as desi-gualdades próprias de uma formação social capitalista, na qual as desidesi-gualdades de classe se tornaram elementos estruturais para a interpretação das sociedades capi-talistas. Além da elaboração de um léxico marxista, tais análises compuseram mais do que a denúncia da exploração e das relações de dominação, mas circunscreveram as desigualdades no cerne das Ciências Sociais e, em particular, da Sociologia. A sociedade, para diversas elaborações teóricas, deveria ser explicada pelas dinâmicas e processos que configuravam as disputas entre atores e classes sociais num contex-to de desigual acesso a recursos e formas de produção. Tal ambiguidade moderna, entre igualdade democrática e desigualdades capitalistas, ajuda-nos a cartografar

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mutações inerentes às instituições sociais formadas ou reorganizadas na ordem so-cial posterior ao Iluminismo. Uma destas instituições é a escola.

Diante deste cenário, Dubet passa a indagar-se sobre as possibilidades de cons-trução de uma escola justa, problematizando um dos tensionamentos centrais aos processos escolarizados, qual seja: a incompatibilidade entre a igualdade de opor-tunidades escolares (de democratização do acesso, por exemplo) e a desigualdade de seus méritos. O que atualiza e dá centralidade às novas configurações da justiça escolar. As políticas e práticas de escolarização acabam por assumir o mérito como elemento naturalizado de organização e regulação de seus fazeres, tanto quanto na mensuração dos resultados escolares. Atribuindo centralidade à igualdade de pon-tos de partida e de consequentes oportunidades, os princípios de justiça que operam na escola fixam na produção social desta justiça nas oportunidades futuras, uma vez que tal igualdade equipara a “competição escolar”. Este modelo de justiça escolar confere legitimidade moral às desigualdades escolares (DUBET, 2005; 2008).

Em que pese a crescente universalização do acesso à escolarização, a desigual-dade das oportunidesigual-dades escolares decorre, em alguma medida, das desigualdesigual-dades sociais e culturais de fora da escola, o que não isenta a escola de produzir seus pró-prios dispositivos. Isso evidencia um paradoxo central aos fazeres escolares:

Tanto mais a escola é animada pelo princípio da igualdade de oportunidades, mais ela afirma que os indivíduos são livres e iguais, e mais ela se afunda numa contradição, pois ela é encarregada de classificar todos os alunos man-tendo sua igualdade e sua dignidade fundamentais (DUBET, 2008, p. 390). As elaborações de Santos, Connel e Dubet, embora distintas entre si, ajudam--nos a identificar que as relações entre justiça social e justiça escolar favorecem a elaboração de um diagnóstico crítico sobre as políticas de escolarização na contem-poraneidade. Tais sinalizações empíricas organizam um campo de problematiza-ções à educação contemporânea, particularmente em contextos de recrudescimento dos interesses políticos pela democratização educacional e de reconstrução dos fun-damentos das relações entre cidadania e educação escolar, o que parece ser o caso do Brasil, como veremos na seção a seguir.

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2. A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR BRASILEIRA

Ao longo do século XX, após um conjunto de mudanças sociais, a escolariza-ção no Brasil ingressou em um processo de democratizaescolariza-ção. O processo de demo-cratização assinalou “a progressiva extensão das oportunidades de acesso à escola, em todos os níveis do ensino, para setores cada vez mais amplos da coletividade” (BEISIEGEL, 2007, p. 468). Sob essas condições, adquiriu consistência no país dois movimentos complementares. O primeiro, conforme Beisiegel (2007), vincu-la-se ao crescimento nos números de matrículas escolares, em especial nos cursos primários e de alfabetização de adultos. O segundo, ainda conforme o autor, con-siste “na gradual eliminação dos antigos diferentes tipos de ensino de nível médio, destinados a diferentes tipos de clientela, e sua substituição por um modelo único de escola” (BEISIEGEL, 2007, p. 469). A amplitude dessas mudanças se expressa no crescimento da população brasileira que teve acesso ao ensino primário que, segundo Romanelli (1978), saltou de 3,4% em 1920, para 14,7% em 1970.

A escolarização de nível médio também apresentava crescimento no número de matriculados no período. Ainda segundo Romanelli (1978), no ano de 1920 somente 0,36% da população acessava a esse nível de ensino, enquanto que em 1970 essa população correspondia a 5,28%. Ainda que os dados apontados indi-quem uma democratização nos processos de escolarização da população brasileira, tal avanço não teve um desenvolvimento homogêneo.

Inicialmente é preciso notar que o avanço da escolaridade não teve desenvol-vimento homogêneo em todo o país. As informações globais até aqui regis-tradas escondem agudas desigualdades no atendimento. Enquanto em algu-mas regiões o sistema de ensino parece finalmente aproximar-se da realização do antigo ideal pedagógico de uma escola comum universalizada, em outras áreas, nos Estados mais pobres e, de modo geral, nas zonas rurais ou então em alguns setores da periferia dos centros urbanos, também em geral povoados com maciços contingentes migratórios de áreas rurais, a rede de escolas ainda está longe de absorver a totalidade dos habitantes ‘escolarizáveis’, mesmo na primeira série da escola comum (BEISIEGEL, 2007, p. 489).

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Na mesma direção do diagnóstico produzido por Beisegel, encontramos al-guns textos da metade do século XX que indicavam esses limites das políticas de escolarização colocadas em curso no Brasil. Um texto de Anísio Teixeira, publicado em 1953, assinalava algumas condições para “a reconstrução educacional brasilei-ra”. Segundo o referido professor, na época diretor do INEP, diante das mudanças culturais, políticas e tecnológicas do século XX a expansão da instituição escolar emergia como o grande desafio da sociedade brasileira naquele período. A escola apresentava-se como “uma instituição obrigatória e necessária, sem a qual não sub-sistirão as condições de vida social, ordenada e tranquila” (TEIXEIRA, 1953, p. 6). Nessa abordagem, a escola brasileira precisava ingressar em um processo de intensa democratização, de forma que garantisse a reconstrução educacional do país, atra-vés do qual “com a aplicação do desenvolvimento científico dos nossos dias pode vir a mostrar-se tão rica e própria à civilização, quanto os melhores trechos temperados do globo” (TEIXEIRA, 1953, p. 8). O diagnóstico de Teixeira assinala os desafios para a escolarização com vista ao progresso da nação e a produção da civilidade de sua população.

Por outro lado, o sociólogo Florestan Fernandes assinalava a necessidade de ampliação das condições de acesso à escolarização no Brasil. Em um livro publicado no ano de 1960, o sociólogo argumentava que “os problemas educacionais brasilei-ros só poderão ser resolvidos através da mudança social organizada” (FERNAN-DES, 1960, p.195), o que implicava no entendimento de que a escola brasileira não atendia às demandas sociais.

Os problemas educacionais brasileiros, vistos de uma perspectiva macrosso-ciológica, apresentam-se, em grande parte, como produtos de nossa incapa-cidade de ajustar as instituições educacionais às diferentes funções psicocul-turais e socioeconômicas que elas devem preencher e de criar um sistema educacional suficientemente diferenciado e plástico para corresponder, orde-nadamente, à variedade, ao volume e ao rápido incremento das necessidades escolares do país como um todo (FERNANDES, 1960, p. 193).

A leitura elaborada por Fernandes nos conduz a um diagnóstico em que a escola brasileira estava distanciada das condições de vida e dos interesses sociais da

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população. Em sua perspectiva, “as instituições escolares não se ajustam, nem estru-tural nem funcionalmente, às exigências específicas da porção da sociedade total a que se destinam” (FERNANDES, 1960, p. 198). Nessa abordagem, uma das ques-tões a serem problematizadas no processo de democratização, era a superação das “funções estáticas da educação sistemática”, visto que não bastava apenas ampliar o acesso da população à escola, mas se fazia indispensável uma reflexão sobre o cará-ter social da instituição escolar. Mesmo que as elaborações de Teixeira e Fernandes não estejam teoricamente articuladas, neste momento interessa-nos reconhecer os diferentes modos através dos quais a escolarização era demandada pela sociedade brasileira, desde a metade do século XX.

Paradoxalmente, faz-se possível constatar que se multiplicam as críticas aos modos de composição pedagógica da escola moderna, denunciando intensamente as diferentes perspectivas das injustiças escolares. A agenda intelectual da demo-cratização dos processos escolares no Brasil do século XX materializava o interesse na ruptura com modelos políticos que reproduziam a educação como privilégio (TEIXEIRA, 1977), matizados pela reconstrução das políticas educacionais, pelo engendramento de dispositivos jurídicos que garantissem a ideia de direito à edu-cação e pelos importantes manifestos de educadores e intelectuais por uma nova educação no país (HILSDORF, 2011). Embora consistente, esta agenda de demo-cratização assumia uma prerrogativa de inserção dos atores nos processos escolares, sem modificar-lhes a forma e o conteúdo, tratava-se de uma inclusão orientada por condições (quantitativas) de ingresso no sistema educacional. Era oportuno, e isso resta indubitável, que todos tivessem o direito de acesso e frequentassem as escolas públicas brasileiras, o que, de certo modo, foi a grande demanda/luta social dos atores sociais quanto à educação.

Hoje, este debate tem seus contornos redefinidos. Pois, diante da iminência do pleno atendimento populacional pelos setores educacionais (ao menos no ensino fundamental), no contexto histórico de transição ao século XXI, novos dilemas pa-recem interpelar as políticas de escolarização brasileiras. As demandas por inclusão escolar, por democratização do acesso ou mesmo de abertura política nas formas de gestão escolar são exemplares de um contexto que privilegia a construção de uma nova escolarização pública. Neste debate, um dos eixos prioritários de discussão,

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fortalecido nas políticas de governo da última década, são as políticas de ampliação da jornada escolar.

3. DILEMAS DA ESCOLARIZAÇÃO

BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DA

AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR

Acerca dos dilemas que perfazem a democratização da escolarização brasileira, na última década percebemos uma intensificação dos investimentos nas políticas de ampliação da jornada escolar. Propostas de governo, reflexões acadêmicas ou ações públicas, advindas de distintos campos teóricos, têm assinalado que a aprendiza-gem dos estudantes brasileiros em um turno único de quatro horas é insuficiente, sendo necessário um investimento político e pedagógico em formas escolares em tempo integral (gadotti, 2009; CAVALIERE; MAURÍCIO, 2010). Essa perspec-tiva tem se materializado em diferentes textos políticos de nosso tempo, dentre os quais se destaca o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024, ainda em tramitação) que dispõe a meta de 50% das escolas brasileiras com oferta em tempo integral, ou ainda as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica que evidenciam a relevância social da referida forma de organização do trabalho escolar.

As políticas de ampliação da jornada escolar, no Brasil, têm sido desenvolvidas com foco no combate às desigualdades educacionais (CAVALIERE; MAURICIO, 2010). Sob essa intenção, as iniciativas governamentais mobilizadas ao longo do sé-culo XX partem do pressuposto de que a ampliação do tempo de permanência nas instituições educacionais corresponde a uma melhoria nos desempenhos escolares dos estudantes. Tal intencionalidade política pode ser lida desde as experiências de Anísio Teixeira - nas Escolas Parque na década de 1950 - e de Darcy Ribeiro - nos CIEP’s dos anos de 1980 - até os programas educacionais de nosso tempo. A expe-riência de Anísio Teixeira, por exemplo, ao posicionar a educação como um direito reconhecia a escola como um campo de experiências democráticas. Posteriormente, Ribeiro, ao dirigir-se aos estudantes das camadas pobres do Rio de Janeiro, pro-punha “uma escola de horário integral, para reforçar as situações de aprendizagem

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e evitar que a criança brasileira de baixa renda sofresse com a falta de assistência familiar ou pudesse ter sua infância suprimida ao assumir, em casa, funções de adul-tos” (CAVALIERE; MAURICIO, 2010, p. 7).

Com essa agenda, a ampliação da jornada escolar é valorizada por contrapor--se a precariedade de nossos sistemas educacionais. O investimento na educação pública em nosso país é uma estratégia fabricada no final do século XX, quando emergem um conjunto de reconfigurações sociais. A busca pela redução das desi-gualdades educacionais, hodiernamente, conduz a uma intensificação de novos pro-gramas governamentais com foco na ampliação da jornada escolar. São inúmeras as racionalidades políticas utilizadas para justificar a relevância de tais práticas no Brasil, as quais examinaremos a partir desse momento.

Dentre os programas de educação em tempo integral emergentes nos últimos anos, o Mais Educação adquiriu maior visibilidade, ao mesmo tempo em que con-centrou os maiores investimentos4. O referido programa foi criado no ano de 2007,

através de Portaria Interministerial, objetivando a formação integral de crianças e jovens das escolas públicas brasileiras. É organizado a partir de oficinas ministradas no contraturno escolar, distribuídas curricularmente em determinados macrocam-pos. Diferencia-se de outras políticas através de ações intersetoriais, envolvendo a comunidade na seleção das oficinas e também na ampliação dos espaços de apren-dizagem - incluindo instituições sociais, espaços públicos e diversas manifestações culturais. Segundo Gadotti (2009), o Mais Educação incorpora os princípios das cidades educadoras, considerando as comunidades como espaços educativos.

Entretanto, ao acompanharmos empiricamente algumas ações no processo de implementação desse programa, diagnosticamos em sua documentação pedagógica três dilemas políticos que perfazem sua pauta democratizadora, a saber: a equidade

como princípio, a proteção como meta e a intersetorialidade como política. A

mobilização desses elementos, tal como apresentaremos a seguir, ainda que dis-postos em uma pauta progressivista, favorece a emergência de lógicas divergentes

4 Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Educação, o Mais Educação atendeu no ano de 2013 a seis milhões de estudantes das escolas públicas brasileiras. Em 2017 (Resolução FNDE 17/2017), o governo federal redefiniu a concepção e a estrutura do programa reapresentado como “Novo Mais Educação”. Nesse novo contexto, o programa passou a priorizar o acompanhamento pedagógico em Matemática e Língua Portuguesa.

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para a estruturação das políticas no início do século XXI, sobretudo no que tange a democratização, a cidadania e a justiça social.

A Equidade Como Princípio

A gramática da equidade emerge, hodiernamente, de forma muito significa-tiva no processo de composição das políticas de escolarização. Com o advento das condições sociais produzidas a partir do neoliberalismo, desde os anos de 1990 no contexto brasileiro, os debates sobre uma sociedade igualitária são secundarizados, favorecendo a consolidação de entendimentos desde uma ordem mais individua-lizante. Neste sentido, uma das noções mais recorrentes é a equidade, posicionada como a possibilidade de respeitar o direito de cada um. A busca pela equivalência de condições entre indivíduos diferentes, visando torná-las mais justas às demandas específicas, advém etimologicamente do termo latino ‘equitas’. De forma específica, a equidade emerge como uma promessa de políticas adequadas às reais necessida-des dos indivíduos e das coletividanecessida-des.

As políticas de educação integral no Brasil, em sua matriz democratizadora, assinalam em seus documentos orientadores a urgência de garantia do direito edu-cacional aos brasileiros, através da mobilização da equidade como um princípio. Esse pressuposto localiza-se tanto na afirmativa de um resgate da “dívida educacio-nal” de nosso país, quanto na abordagem que assinala a centralidade das diferenças e o combate das desigualdades. Os fragmentos abaixo compõem um primeiro campo de visibilidades para essa questão.

A escola integral, de tempo integral, visa, acima de tudo, resgatar os princípios republicanos de equidade, tanto na oferta do direito público e subjetivo do cidadão quanto na prestação dos serviços dos educadores – agentes públicos –, com os quais o Estado Brasileiro possui imensa dívida a ser honrada para o bem comum da nação. Esse débito histórico se concentra, sobretudo, na valo-rização e no reconhecimento da profissão, na perspectiva de tornar a carreira atrativa aos jovens, em melhorar as condições de saúde e trabalho, enfim, em evidenciar a importância social dos educadores (BRASIL, 2009, p. 39).

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Esses sujeitos da/em aprendizagem estão em processo permanente de cons-tituição de uma educação criativa e participativa na garantia e afirmação de seus direitos e de sua cidadania, voltada para a reflexão crítica e autônoma do mundo vivido e percebido e que promova processos cognitivos vinculados às experiências particulares e universais como valorização da diferença e supera-ção das desigualdades (BRASIL, 2009, p. 46).

Os excertos acima evidenciam alguns delineamentos acerca do entendimen-to da equidade como um princípio. Ao situar-se em uma matriz individualizante, favorece com que a escolarização seja posicionada como uma dívida histórica para com a população brasileira, mas sua intervenção ocorrerá em cada indivíduo, poten-cializando suas ações individuais no mundo.

No que tange especificamente ao Programa Mais Educação, notamos que esse princípio materializa-se na proposta de constituição de uma comunidade de aprendizagem. Na possibilidade de efetivação de uma política de intervenção (pe-dagógica e cultural) que valorize os encontros entre saberes de diferentes matizes, promova a legitimação de projetos formativos alternativos; mas, principalmente, que estimule a formação de aprendizes em diferentes espaços sociais.

Para que a escola funcione como uma comunidade de aprendizagem, consti-tuída pela reunião de diferentes atores e saberes sociais, que constrói um pro-jeto educativo e cultural próprio e como ponto de encontro e de legitimação de saberes oriundos de diferentes contextos, é necessário o estabelecimento de políticas socioculturais. Além de reconhecer as diferenças, é preciso pro-mover a igualdade e estimular os ambientes de trocas (BRASIL, 2009, p. 31). Desde as reformas educacionais da década de 1980, a equidade tem sido as-sumida como um princípio de justiça social, com ênfase em uma representação de vida social fundamentado na lógica das oportunidades. Nas atuais políticas de am-pliação da jornada escolar no Brasil, onde a concepção de cidadania a todo tempo parece ser manipulada e renegociada, podemos notar que equidade é tomada como equivalência de pontos de partida, ou igualdade de oportunidades (DUBET, 2008; 2011). Assim, por um lado, o princípio da equidade amplia o espectro das políticas de escolarização, mediante a incorporação de atores antes ausentes nos discursos

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oficiais das políticas e em seus respectivos programas governamentais (caso dos ne-gros, das mulheres dos indígenas, etc.); por outro lado, essa argumentação política não minimiza os diversos registros de desigualdade atinentes a estas coletividades, nem as posições desfavoráveis que tais sujeitos ocupam na estrutura da sociedade. Isto é, num confronto entre modelos e representações de justiça social e escolar, o princípio da equidade legitima a igualdade de oportunidades enquanto racionalida-de política dos processos racionalida-de escolarização no Brasil, mesmo quando os documentos oficiais reiteram a promoção da igualdade social (BRASIL, 2009).

A Proteção Como Meta

O segundo dilema que visualizamos nas políticas examinadas remete à prote-ção social como uma meta. A composiprote-ção de um campo de intervenprote-ção pedagógica que realiza a opção por atender indivíduos em situação de vulnerabilidade social, ainda que seja uma relevante aposta na formação cidadã, denota uma ampliação das funções sociais das instituições escolares. Diferentes pautas referentes aos riscos sociais, aos perigos urbanos, aos cenários de criminalidade e violência ou ainda de pedagogias de proteção tendem a constituir novas prioridades para escolarização de nosso tempo. A documentação orientadora no Programa Mais Educação sugere que a efetivação de uma escola democrática faz-se viável pela ação indissociável entre cuidar e educar. Abaixo trazemos mais alguns excertos que permitem uma problematização mais específica sobre a proteção como meta.

Essa multiplicidade de funções que se atribui à escola hoje representa, de fato, um grande desafio – essa instituição se vê como educadora, mas também como “protetora” e isso tem provocado debates acerca não só de sua espe-cificidade, mas também acerca dos novos atores sociais que buscam apoiá--la no exercício dessas novas funções e dos movimentos e organizações que igualmente buscam a companhia dessa instituição escolar para constituí-la e, talvez, ressignificá-la (BRASIL, 2009, p. 17).

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Nesse duplo desafio – educação/proteção – no contexto de uma “Educação Integral em Tempo Integral”, ampliam-se as possibilidades de atendimento, cabendo à escola assumir uma abrangência que, para uns, a desfigura e, para outros, a consolida como um espaço realmente democrático. Nesse sentido, a escola pública passa a incorporar um conjunto de responsabilidades que não eram vistas como tipicamente escolares, mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho pedagógico (BRASIL, 2009, p. 17).

Metodologicamente, as políticas de ampliação da jornada escolar em curso no país têm privilegiado uma abordagem integrada e interdisciplinar que, segundo o marco documental, oportunizam uma formação ampliada dos estudantes. Espaços como o esporte, a cultura, a saúde e a assistência social são tomados como aportes centrais nas novas políticas. Em geral, justifica-se essa opção pela impossibilidade da escola ‘fazer mais do mesmo’.

A formulação de uma proposta de Educação Integral está implicada na oferta dos serviços públicos requeridos para atenção integral, conjugada à proteção social, o que pressupõe políticas integradas (intersetoriais, transversalizadas) que considerem, além da educação, outras demandas dos sujeitos, articuladas entre os campos da educação, do desenvolvimento social, da saúde, do espor-te, da inclusão digital e da cultura (BRASIL, 2009, p. 28).

Do ponto de vista da formação para a cidadania, a proteção como uma meta sugere uma ampliação dos campos de intervenção da escola pública brasileira. Co-loca-se em ação um entendimento político que estabelece uma correspondência entre atenção integral e proteção social. Acompanhando o pensamento de Libâneo (2012), faz-se necessário considerarmos que a lógica da proteção social é inerente às políticas sociais contemporâneas, sobretudo por sua pertinência sociopolítica, porém, ao mesmo tempo, aprofunda um dualismo perverso atinente às próprias formas escolares. Segundo o mesmo autor, há a ocorrência de um agravamento nas contradições entre dois modelos concorrentes: de um lado, a escola dos ricos e suas ênfases na competitividade, nas tecnologias e na aprendizagem; de outro, a escola dos pobres e a ênfase no acolhimento social, na convivência e na proteção social. Portanto, “a escola que sobrou para os pobres, caracterizada por suas missões

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assis-tencial e acolhedora (incluídas na expressão educação inclusiva) transforma-se em uma caricatura de inclusão social” (LIBÂNEO, 2012, p. 23).

A Intersetorialidade Como Política

Por fim, além de indicar a equidade como um princípio e a proteção como uma meta, ainda observamos um terceiro dilema na implementação das políticas de ampliação da jornada escolar no contexto examinado. A intersetorialidade como uma política, ao estruturar novas ações de governo no âmbito da escola brasileira, altera os modos de operação dos agentes públicos, visto que, segundo o documen-to orientador do Mais Educação, “dois conceidocumen-tos podem contribuir para o enten-dimento da atual proposta de Educação Integral: intersetorialidade e governança (BRASIL, 1999, p. 43).

A articulação entre Educação, Assistência Social, Cultura e Esporte, dentre outras políticas públicas, poderá se constituir como uma importante inter-venção para a proteção social, preinter-venção a situações de violação de direitos da criança e do adolescente, e, também, para melhoria do desempenho escolar e da permanência na escola, principalmente em territórios mais vulneráveis (BRASIL, 2009, p. 25).

A governança, articulada com a noção de intersetorialidade, como é possível visualizar no excerto abaixo, privilegia ampliar a esfera de atuação do Estado. Da mesma forma, quando situado nas políticas de educação integral, promove intensa aproximação entre os estabelecimentos de ensino e os diferentes setores da gestão pública.

Promover essa aproximação entre as diversas arenas da vida cotidiana sig-nifica, por sua vez, articular diversos setores das políticas públicas, fazendo uso dos diversos equipamentos sociais. Neste sentido, o Projeto de Educação Integral, ora proposto, dá concretude ao princípio da transversalidade das políticas públicas, que deveria estar incorporado às concepções curriculares da Educação Básica. É necessário promover maior articulação entre as ativi-dades desenvolvidas no campo da educação formal, pelos estabelecimentos de

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ensino e órgãos de gestão – e os demais setores – saúde, cultura, esporte, lazer, justiça, assistência social, entre outros (BRASIL, 2009, p. 45).

A intersetorialidade fundamenta a necessidade política de atuação em rede nas políticas sociais. A ação numa rede intersetorial visa potencializar as interven-ções públicas em contextos sociais, principalmente em zonas de grande densidade populacional em situação de vulnerabilidade. Se no discurso da equidade a escola se torna uma comunidade, na programática da intersetorialidade a escola se torna um território. Este “território educativo” passa a ser uma racionalidade política para identificar e monitorar indivíduos e coletividades que demandam intervenções es-tatais na área social, mas também uma cartografia precisa para ações interdiscipli-nares de Estado. No plano dos objetivos políticos e sociais, as intervenções em rede almejariam maior eficiência e efetividade nas intervenções estatais.

Para o debate acerca da Educação Integral, do ponto de vista das ações preco-nizadas pelo Ministério da Educação, a intersetorialidade impõe-se como ne-cessidade e tarefa, que se devem ao reconhecimento da desarticulação institu-cional e da pulverização na oferta das políticas sociais, mas também ao passo seguinte desse reconhecimento, para articular os componentes materiais e ideais que qualifiquem essas políticas. Por isso, é preciso ressaltar a interseto-rialidade como característica de uma nova geração de políticas públicas que orientam a formulação de uma proposta de Educação Integral (BRASIL, 2009, p. 43).

Na agenda das políticas educacionais em democratização, a intersetorialidade também pode ser interpretada como uma resposta à fragilização dos dispositivos modernos de institucionalização da educação estatal. A intersetorialidade contem-pla diversos atores estatais e entes governamentais na gestão das propostas educa-tivas, entretanto isso não garante a participação democrática dos participantes das comunidades escolares e da sociedade civil.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme argumentamos ao longo do desenvolvimento deste estudo teóri-co, as relações entre escolarização, cidadania e justiça social apresentam-se como aspectos fundamentais para a reorganização da agenda das políticas educacionais brasileiras na contemporaneidade. Partindo de uma breve revisão, empreendemos um diagnóstico sociológico no qual dimensionamos diferentes concepções de jus-tiça que perfazem os atuais debates educacionais. A partir da discussão filosófica desenvolvida por Fraser (2002; 2009), reconhecemos a relevância teórica e política de revisitarmos a temática da justiça social. Em um segundo momento, atribuindo centralidade ao contexto brasileiro, descrevemos as condições de democratização da escola pública no país na segunda metade do século XX.

Por fim, ao escolhermos as políticas de ampliação da jornada escolar enquanto exemplar analítico, indicamos três dilemas que perfazem a democratização das for-mas escolares no Brasil. A equidade como um princípio, a proteção como meta e a intersetorialidade como política caracterizam os processos de ampliação da oferta escolar no país, ao mesmo tempo em que regulam a constituição pública educa-cional. Tais dilemas, em ação articulada, permitem o desenvolvimento de lógicas divergentes para a composição das políticas de escolarização de nosso tempo.

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CONDICIONANTES DA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO: CONDIÇÕES

DE ESCOLARIZAÇÃO E

INTERSETORIALIDADE EM DEBATE

Luana Costa Almeida5

INTRODUÇÃO

O papel da escola e sua competência é algo bastante polêmico dentro das dis-cussões educacionais, isso porque embora haja a defesa de seu lugar como principal instituição voltada ao ensino-aprendizagem de conteúdos curriculares e, por isso, ocupada do desenvolvimento cognitivo dos alunos, não se pode negar sua atuação dentro do desenvolvimento físico, emocional, crítico, estético, ético, político e social das crianças e adolescentes, principalmente porque são estas dimensões relaciona-das que possibilitam seu desenvolvimento global numa perspectiva de formação humana ampliada.

5 Doutora em Educação. Professora do Mestrado em Educação na Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS). E-mail: luanaca@gmail.com.

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A educação faz parte de um conjunto de outros direitos sociais, os quais têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas e da possibilidade da efe-tivação de uma vida mais digna a todos. No Brasil, o direito à educação só foi reconhecido na Constituição Federal de 19886, pois antes disso o Estado não era

obrigado formalmente a garantir educação a todos os brasileiros, sendo o ensino público tratado como ação de assistência aos que não poderiam pagar pelos serviços educacionais. Durante a Constituinte de 1988, após embates e debates, houve mu-dança no entendimento das responsabilidades do Estado em promover a educação e passou a ser parte de suas atribuições, expresso no artigo 205, que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

Na perspectiva da garantia do direito à educação, discutir e refletir sobre o pa-pel da escola e as formas de efetivação de seu trabalho em articulação com a oferta de outros direitos sociais, como saúde, alimentação, moradia, lazer, segurança, assis-tência, dentre outros, é pensar em como esta instituição vem se constituindo histo-ricamente e quais condições são necessárias e potencializam a efetivação desse di-reito. Isso porque tanto não é possível imaginar um isolamento que permita ao estu-dante se desenvolver apropriadamente na escola sem ter outros âmbitos de sua vida adequadamente supridos, quanto não se pode pensar em um aluno ora estudante, ora paciente, ora filho, ora criança. Entendendo a educação como multidimensional, é na totalidade do sujeito que se dá seu desenvolvimento, sendo que a escola não pode, e não tem como função, prover tudo o que as crianças e jovens precisam, havendo a necessidade da garantia dos direitos em diferentes âmbitos para que estas possam se desenvolver adequadamente também na instituição escolar.

Nesse contexto, o que se pretende no presente capítulo é debater as condições de escolarização necessárias aos estudantes para que a escola desenvolva adequa-damente seu trabalho, discutindo o lugar da escola e seu limite na efetivação do direito a uma educação de qualidade socialmente referenciada (ALMEIDA; BE-TINI, 2016), assim como a potencialidade da composição de uma rede de apoio

6 Além da Constituição Federal, de 1988, as principais leis que atualmente regulamentam e comple-mentam a efetivação legal do direito à Educação são o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996.

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idealmente baseada na intersetorialidade para promoção dos direitos sociais. Pro-cura-se refletir, assim, sobre os dilemas que perfazem a construção da organização do trabalho pedagógico e dos processos de efetivação de uma ação que potencialize o desenvolvimento dos estudantes, refletindo sobre as múltiplas interfaces para a construção da cidadania e, dentro dela, do direito à educação.

Fruto das discussões promovidas por pesquisa dedicada à compreensão da relação entre o desempenho e o entorno social de escolas municipais da cidade de Campinas-SP (ALMEIDA, 2014), trazemos para debate dados relacionados à percepção dos sujeitos de escolas localizadas em diferentes zonas de vulnerabilidade social sobre como os serviços disponibilizados no entorno social da escola, governa-mentais e não governagoverna-mentais, se articulam e potencializam o trabalho desenvolvi-do pela instituição escolar.

Os dados analisados foram coletados junto a quatro escolas municipais da cidade de Campinas/SP cujo critério de eleição foi o de contraste, tomando como base a localização socioespacial em zonas de vulnerabilidade social e o desempenho, alto ou baixo, em relação à média da rede pesquisada, a partir do valor agregado calculado no projeto GERES7. O primeiro par foi formado por escolas

localiza-das em zonas de vulnerabilidade social diferentes, mas com o mesmo desempenho escolar (Escola 1 em zona de vulnerabilidade social relativa baixa e Escola 2 em zona de vulnerabilidade social absoluta, ambas com alto desempenho) e o segundo formado por escolas localizadas em mesma zona de vulnerabilidade social, mas com desempenhos diferentes (Escola 3 com alto desempenho e Escola 4 com baixo desempenho, ambas em zona de vulnerabilidade social absoluta).

Produto de uma coleta qualitativa de dados com duração de aproximadamente 18 meses, a metodologia de pesquisa assumida no trabalho contou com observa-ção em campo, entrevistas semiestruturadas com 150 sujeitos (gestores, professores,

7 Basicamente, o valor agregado medido pelo GERES é o produto da comparação do desempenho dos mesmos alunos (painel de 2005) em exames equalizados e subsequentes, a fim de verificar quanto estes avançaram no período entre as medições. O desenho metodológico da pesquisa se preocupou em fazer uma medida de entrada de forma a controlar a proficiência destes alunos ao chegarem nas esco-las, possibilitando a comparação desta medida com as posteriores, cujo produto é o que foi agregado no período de escolarização considerado, ou seja, o valor agregado pela escola (STOCO; ALMEIDA, 2011).Em seu estudo, Ferrão (2012) faz distinção entre modelos estatísticos para se calcular o valor agregado (nomeado por ela como valor acrescentado), discutindo que, para melhor calcular a eficácia da escola, faz-se necessário “isolar” seu efeito calculando também e “isolando” o efeito dos fatores externos.

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funcionários, pais/responsáveis, estudantes e líderes comunitários), grupos focais (um em cada escola) e dois bancos de dados provenientes de duas pesquisas: o Projeto Geres, polo Campinas, desenvolvido pelo Laboratório de Observação e Es-tudos Descritivos (LOED/UNICAMP) (FRANCO; BROOKE; ALVES, 2008); e o Projeto Vulnerabilidade Social nas regiões metropolitanas de Campinas e San-tos, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de População (NEPO/UNICAMP) (CUNHA et al., 2006).

A opção metodológica se justifica por sua potencialidade no levantamento de informações sobre aspectos da realidade, compreendendo a dinâmica da escola e sua organização, captando informações de sua estrutura e funcionamento e também da relação interpessoal entre os diferentes segmentos e deles em relação ao entorno social da instituição, o qual abarca, dentre outros, a rede de serviços existente na região.

1. PENSANDO FACETAS DAS DESIGUALDADES

SOCIAIS E ESCOLARES A PARTIR DAS

CONDIÇÕES DE ESCOLARIZAÇÃO: A

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

E SUA INTERRELAÇÃO COM O TRABALHO

DESENVOLVIDO EM OUTROS SETORES

Pensar na organização do trabalho pedagógico numa perspectiva crítica é con-siderar aspectos que vão além do que corriqueiramente se pensa como tarefa da es-cola. Além das atividades voltadas ao desenvolvimento cognitivo, consubstanciadas nos chamados conteúdos curriculares, faz-se necessário pensar no desenvolvimento amplo do estudante em suas diferentes dimensões (física, estética, cultural, emo-cional, cognitiva etc.) de forma a se garantir uma formação humana ampliada. Ou seja, ainda que defendamos que a escola deva se ocupar dos conteúdos curriculares, assumimos seu importante papel na formação das várias dimensões do humano.

Referências

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