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EDUCAÇÃO PERMANENTE: UMA NOÇÃO EM ELABORAÇÃO

PROFISSIONAIS SINGULARES Luiza Helena Dalpiaz

1. EDUCAÇÃO PERMANENTE: UMA NOÇÃO EM ELABORAÇÃO

A expressão “educação permanente” surge como uma política internacional em documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em relação ao contexto sócio-histórico, a noção aparece como uma resposta a problemas e a desafios então emergentes do contexto do pós-guerra. Em termos conceituais, desde o início, a expressão se entrelaça com duas outras noções aproximadas: a educação de adultos e a educação ao longo da vida.

Em 1949, em Elsinore (Dinamarca), a Unesco realizou a I Conferência In- ternacional de Educação de Adultos. “Após a devastação e horror da guerra, a edu- cação de adultos foi vista como meio para consolidar a paz e estabelecer uma nova harmonia entre as nações e uma base para alargar o entendimento entre os povos até recentemente em guerra” (IRELAND, 2014, p.32). Na II Conferência (1960, Montreal, Canadá), no discurso final do presidente da organização destaca-se “a necessidade de reconhecer a educação como um processo que continua ao longo da vida, que é, ao mesmo tempo, o direito de todos e de responsabilidade da humani- dade” (IRELAND, 2014, p.36-37).

Na XIX Conferência Geral da Unesco (1976, Nairóbi, Quênia) entre as re- comendações para desenvolver a educação de adultos, a educação permanente foi in- dicada como perspectiva a ser adotada, sendo então definida nos seguintes termos: “um projeto global que conduz tanto a reestruturar o sistema educativo existente, como a desenvolver todas as possibilidades de formação fora do sistema educativo”; nessa perspectiva, “o homem é o agente de sua própria educação, por meio da inte- ração permanente de suas ações e sua reflexão” (UNESCO, 1976, p.2).

Nos anos 1960-1970, a educação permanente foi associada a uma visão crítica baseada tanto no conceito de cidadania quanto na perspectiva freiriana da educação como prática da liberdade (OSÓRIO, 2005). Nos anos 1980, a educação perma- nente é condenada ao silencio face à crise do Estado de bem-estar, ao surgimento de novos movimentos sociais e a crítica à visão universalista (OSÓRIO, 2005).

A partir dos anos 1990, a sociedade da informação (ou cognitiva, ou de redes), as transformações e a crise do mundo do trabalho, assim como a globalização pro- vocaram o surgimento de novas necessidades e demandas. Essas levaram a reemer- gência da educação permanente no cenário político, pois “o saber se assume como principal produtor de riqueza e bem-estar” (OSÓRIO, 2005, p.64). Conforme esse autor, desse contexto decorre três tendências da educação permanente, vinculadas às perspectivas de três organismos multilaterais.

Para o Banco Mundial, o conhecimento deve estar a serviço do desenvolvi- mento, ou seja, “situa a reforma da educação como a dedução natural da reforma econômica neoliberal” (OSÓRIO, 2005, p.48). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabelece que a educação permanente “está associada a motivações econômicas (instrumento de alta capacitação), mas também exige políticas ativas de emprego, coesão social, redistribuição da formação ao longo do ciclo vital, como necessidade de todas as pessoas” (OSÓRIO, 2005, p.48).

No final do último quarto do século XX, em relatório para a Unesco sobre educação para o século XXI, uma comissão internacional posicionou-se sobre a insustentabilidade dos múltiplos efeitos de um desenvolvimento econômico a qual- quer preço e interrogou as condições para a humanidade aprender a “con-viver” na “aldeia global”. A comissão propôs uma concepção de educação ao longo de toda vida baseada em quatro pilares, ou seja, em quatro formas distintas de aprendizagens: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser” (DELORS, 1998, p.89-90). Nessa ótica, trata-se de articular trabalho, aprendiza- gem e cidadania ativa (DELORS, 1998).

Em síntese, entendo que o termo educação permanente não é unívoco, logo não

há como ser reduzido a uma interpretação monorreferencial. Esse termo está associado a visões de mundo, distintas e opostas, emergentes de diferentes contextos sócio-his-

tóricos: conservadora e reformista do pós-guerra, libertária e comunitária dos anos 1960-1970, individualista e competitiva desse início de século XXI.

Apesar das aparentes linearidade e dissociação, minhas experiências me levam a constatar, em dispositivos formativos de educação permanente, certa concomitân- cia dessas visões de mundo, que se reatualizam e, de certa forma, instauram em ato

uma tensão paradigmática que caracteriza a complexidade do trabalho educativo. Tal simultaneidade sinaliza, também, para exigências de trabalho conceitual a de- senvolver, na sequência de investigações em andamento.

Outro problema que me parece se evidenciar em elementos acima brevemente expostos, é o atravessamento da noção de educação ao longo da vida, de uma certa forma associada a cada uma das visões de mundo em pauta. Dada a recorrência des- sa noção, nos cenários considerados, tenho tendência a pensar a educação ao longo da vida como um dos fundamentos da educação permanente.

Para Colin e Le Grand (2008)72, a ideia de educação ao longo da vida está

associada ao conceito de homem inacabado de Lapassade (1963, p.244): “o homem é ‘totalização em andamento’ sem jamais ser totalidade acabada”. Nessa perspectiva, segundo Ardoino (1971), a educação permanente tem como finalidades: saber-ser, saber-tornar-se, saber e saber-fazer, aprendizagem da democracia, conquista de um ser melhor. Para esse autor (1977, p.13), as finalidades da educação são contradi- tórias e paradoxais, pois se trata, ao mesmo tempo, de reproduzir uma “tradição estabelecida” e construir a “possibilidade de um vir a ser diferente”.

Segundo Paiva (1985), a institucionalização do tema da educação permanente no vocabulário pedagógico brasileiro ocorreu nos anos 1960, por meio de publicações traduzidas para nosso idioma do francês Pierre Furter, na época perito da Unesco no Brasil.

No contexto instituído pela Constituição Federal de 1988, a educação per- manente emerge como política pública, inicialmente no campo da saúde, em 2003 (CECCIM, 2005). Nesse contexto, o termo é então entendido como “aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organiza- ções e ao trabalho. A educação permanente se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais” (BRASIL, 2009, p.20).

No campo da saúde, foi formulada uma distinção entre educação permanente e educação continuada. Segundo Davini (2009), a educação continuada reproduz elementos do modelo instituído da educação escolar: foco na transmissão de co- nhecimentos pré-concebidos, dissociados da solução de problemas empíricos; dis-

positivos formativos, em geral, caracterizados por ações pontuais e descontínuas. Outro aspecto que destaco é a frequente certificação.

No campo da assistência social, política semelhante à da saúde foi implantada em 2013, tendo em vista “buscar não apenas desenvolver habilidades específicas, mas problematizar os pressupostos e os contextos dos processos de trabalho e das práticas profissionais [...] para a construção de soluções compartilhadas, visando às mudanças necessárias” (BRASIL, 2013, p.32).

Essas duas políticas de educação permanente convergem para uma mesma hipótese: a problematização do processo de trabalho e das práticas profissionais estabelece, potencialmente, um caminho para trabalhadores realizarem aprendiza- gens significativas. Tais aprendizagens visam a construir soluções compartilhadas, entre diferentes atores sociais, face às necessidades das populações e às exigências de transformação da realidade, em diferentes planos concomitantes.

Na mesma ótica das políticas acima referidas, trabalho com uma perspectiva para a educação permanente que está enraizada no fundamento filosófico do inaca- bamento do homem. Essa perspectiva se materializa por meio de um método para a problematização de práticas profissionais, cujos fundamentos e características apresento a seguir. O meu objetivo com o método é compreender como instaurar condições para questionar situações profissionais singulares instituídas e, ao mesmo tempo, provocar modificações em atos e discursos, de sujeitos e de organizações, implicados na operacionalização de práticas e de políticas educativas.

2. MÉTODO PARA PROBLEMATIZAÇÃO DE