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A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UM DIREITO OU UMA MERCADORIA?

PELO ESTADO BRASILEIRO?

2. A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UM DIREITO OU UMA MERCADORIA?

De acordo com o exposto até aqui, a educação, a partir da CF de 1988, passa a ser um direito social a ser garantido pelo Estado, que reconhece também a im- portância da educação para o desenvolvimento econômico do País (com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1996), o que implica a implementação de políticas educacionais em conformidade com as diretrizes dos organismos inter- nacionais. De acordo com Rosa:

A globalização do capital, desse modo, tornou-se parâmetro para as refor- mas empreendidas na educação superior. Nesse contexto, a educação passou a ser vista como base da competitividade social e econômica, e documentos produzidos por organismos internacionais (Banco Mundial, Organização das Nações Unidas – ONU, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, Banco Internacional do Desenvolvimento – BID, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e outros) elaborados tendo como suporte diagnósticos, análises e propostas direcionadas para a solução de problemas de âmbito educacional e econômico, passaram a influir na con- formação de políticas para a educação no Brasil. (ROSA, 2014, p. 238) Logo, as políticas educacionais globais incidem diretamente na política de educação no Brasil, inclusive no processo de expansão da educação superior. Dessa forma, Amaral afirma que “[...] as políticas da educação não podem ser compreen- didas inteira e exclusivamente a partir da perspectiva nacional. Antes, exige que as situemos em um nível distinto de análise” (AMARAL, 2010, p. 41).

Um dos organismos internacionais que exercem maior influência nesse pro- cesso é o Banco Mundial (BM). No documento “La ensenanza superior: Las lec- ciones derivadas de la experiência” (O ensino superior: As lições derivadas da ex- periências), o BM apresenta quatro estratégias de reforma para que os países em desenvolvimento possam alcançar uma maior eficiência, qualidade e equidade no ensino superior: 1 – incentivar uma maior diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento de instituições privadas; 2 – proporcionar incentivos para que as instituições públicas diversifiquem sua fonte de financiamento; 3 – redefinir a fun- ção do governo no ensino superior; e 4 – adotar políticas que estejam destinadas a outorgar os objetivos de qualidade e equidade (BANCO MUNDIAL, 1994).

É com base nessas orientações, portanto, que se dá a expansão da educação superior brasileira associada ao processo de contrarreforma do Estado a partir da

década de 1990, com a adoção de medidas neoliberais pelo Estado brasileiro. De acordo com Rosa:

Com fundamento neoliberal, as políticas passaram a ser pautadas no ajuste fiscal e no Estado mínimo. O Estado, por essa perspectiva, deixou de assumir o controle do desenvolvimento social e econômico, consolidado através de bens e serviços, passando a atuar como promotor e regulador desse desenvol- vimento, de modo a garantir a ordem interna e a segurança externa. (ROSA, 2014, p. 237)

O Estado mínimo a que a autora se refere afeta profundamente a política de educação superior, uma vez que as políticas sociais são as mais retraídas nesse processo de contrarreforma, tornando-se cada vez mais privatizadas, focalizadas e seletivas. Assim,

[...] a trajetória recente das políticas sociais brasileiras, profundamente co- nectadas à política econômica monetarista e de duro ajuste fiscal, enveredou pelos caminhos da privatização para os que podem pagar, da focalização/se- letividade e políticas pobres para os pobres, e da descentralização, vista como desconcentração e desresponsabilização do Estado, apesar das inovações de 1988 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 184).

Observa-se, dessa forma, que embora a educação, e especificamente a educa- ção superior, tenham sido reconhecidas como direitos sociais, com o processo de contrarreforma do Estado sob o neoliberalismo, as políticas educacionais passam a seguir as tendências quer da focalização, quer da privatização, de modo a atenderem aos interesses do mercado.

Vale ressaltar que o projeto neoliberal tem como pano de fundo um novo estágio do capitalismo. Lima (2012) assinala que nesse novo estágio, o capital trans- forma todas as esferas da vida social em áreas potencialmente produtivas, tendo em vista atender às suas próprias necessidades, entre as quais a autora destaca: “a subordinação da ciência à lógica mercantil”; “a constituição de novos campos de lucratividade”; e “a construção de estratégias de obtenção de consenso em torno do

projeto burguês de sociabilidade em tempos de neoliberalismo reformado” (LIMA, 2012, p. 1).

Seguindo a lógica do capital, a expansão da educação superior transforma este direito social num lucrativo negócio, regulamentado pelo Estado por meio de um aparato político jurídico que legitima a ampliação da participação da iniciativa pri- vada no processo de “democratização” do ensino superior brasileiro, em detrimento do investimento público no setor público.

Vale enfatizar que a referida expansão, como destacam Mancebo, Vale e Mar- tins (2015), ganha impulso e materialidade com a reforma gerencialista do Estado, em 1995, implementada pelo ministro da Reforma do Estado Bresser-Pereira, e que está em curso até os dias atuais. Logo, é o próprio Estado que dá suporte à pri- vatização e mercantilização da educação superior, em vez de efetivá-la como direito de todos os cidadãos, independentemente de consumo das mesmas.

O Censo da Educação Superior de 2015 mostra a evolução do número de matrículas na educação superior no Brasil entre os anos de 2006 a 2015. O que se observa, ao analisar a evolução das matrículas é que realmente houve um aumento das matrículas no ensino superior, contudo a maior parte dessas matrículas se deu em IES privadas que representam 76,0% contra apenas 24,0% nas IES públicas (BRASIL, 2015).

Ressalta-se que o próprio Estado patrocina as IES privadas, por meio de pro- gramas como o Programa Universidade Para Todos (PROUNI)30 e o Programa de

Financiamento Estudantil (FIES)31, que repassam recursos públicos, por meio de

bolsas, às instituições privadas.

Até mesmo dentro das IES públicas, a financeirização e privatização se torna presente. Segundo Lima (2012), no governo Cardoso, é conduzida a contrarrefor-

30 “O Programa Universidade para Todos – Prouni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em institui- ções de ensino superior privadas. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005 oferece, em contrapartida, isenção de tributos àquelas ins- tituições que aderem ao Programa”. Disponível em: < http://prouniportal.mec.gov.br/o-programa>. Acesso em: 03 dez. 2016.

31 “O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa do Ministério da Educação des- tinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas na forma da Lei 10.260/2001. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matricu- lados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação” Disponível em: <http://sisfiesportal.mec.gov.br/?pagina=fies>. Acesso em: 03 dez. 2016.

ma do Estado brasileiro através da qual a educação superior brasileira passa a ser identificada como uma atividade pública não-estatal, podendo, assim, ser um servi- ço prestado por IES públicas e privadas, o que justificaria o financiamento público para instituições privadas e o financiamento privado para instituições públicas.

Nesse contexto, a autora salienta que o projeto neoliberal articula três núcleos básicos na universidade pública: projeto político-pedagógico, financiamento da po- lítica de educação superior; e trabalho docente. Assim,

Em relação ao projeto político-pedagógico, operacionaliza a redução de um número significativo de universidades públicas e/ou de unidades de ensino a “instituições de ensino de graduação” através da quebrada indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em relação ao financiamento da política de educação superior, ocorre o estímulo à privatização interna das instituições públicas e o aumento, tanto da isenção fiscal para os empresários da edu- cação superior, como do número de IES privadas. Em relação ao trabalho docente, evidencia-se sua intensificação, estimulada pelo número de alunos e turmas nas “instituições e/ou unidades de ensino” e pela lógica produtivista e da competição pelas verbas dos órgãos de fomento nas IES e/ou unidades com política de pós-graduação e pesquisa já consolidada (LIMA, 2012, p. 9). Logo, o que se observa na expansão do ensino superior não é a garantia de acesso universal a um direito social, mas sim um processo massivo de mercantiliza- ção da educação, transformando-a num serviço pago/bem de consumo.

Dentre os processos de precarização da educação superior, a análise do traba- lho docente merece especial cuidado, uma vez que a formação e o trabalho docente são afetados profundamente por essas alterações e retrocessos na política de educa- ção superior brasileira.

3. O TRABALHO E A FORMAÇÃO DOCENTE