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Os estudos e as discussões até o momento nos levam a entender que a migração pendular se caracteriza pelo deslocamento diário para outro município por motivo de trabalho ou estudo, dessa forma articula múlti- plos territórios promovendo interações espaciais. Essas interações para Corrêa “... devem ser vistas como parte integrante da existência (e repro- dução) e do processo de transformação social e não como puros e simples

deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação no espaço” (CORRÊA, 2006, p. 280). Assim, estudar os deslocamentos pendulares não inclui apenas o ato de analisar o “deslocamento diário”, mas todas as relações vividas tanto na cidade de destino, como na de origem, bem como as criadas durante o deslocamento. Esse estudo enfim, permite a compreensão das relações que se estabelecem entre os municípios que fazem parte da metrópole. Desse modo, podemos perceber que tudo está interligado e esse vínculo acaba por criar e recriar novos espaços. Sabe- mos que nenhuma cidade existe totalmente isolada, para Souza (2008, p.50), o que as diferencia “concerne ao tipo de fluxo, e, sobretudo, à inten- sidade dos fluxos, todas as cidades se acham ligadas entre si no interior de uma rede – no interior da rede urbana”. Porém, para o próprio autor:

A rede urbana não é ‘inocente’, no sentido de ser um ‘simples’ conjunto de cidades ligadas entre si por fluxos de pessoas, bens e informações, como se isso fosse coisa de menos importância ou nada tivesse a ver com os mecanismos de exploração e exercício do poder existentes em nossas socieda- des (SOUZA, 2008, p.50).

Segundo Sposito, a divisão territorial do trabalho é fundamen- tal para a compreensão da rede urbana. Essa divisão implica a consi- deração de como a sociedade se apropria da natureza e a transforma – dinâmica que se realiza com a constituição de formas espaciais das cidades e de suas articulações, cujos fluxos são de difícil mensuração (SPOSITO, 2008, p.57). Por isso, o deslocamento pendular laboral tem sido crescente, pois a nova organização capitalista ao buscar soluções para suas crises reorganiza o trabalho e a oferta de serviços, assim este é marcado com precariedade, flexibilidade e desregulamentação, que obriga os trabalhadores e estudantes a se deslocarem segundo as suas necessidades e condições.

Essa necessidade de deslocamentos acontece para Kurz porque “em lugar de um sistema que cubra o mundo todo com trabalho valorizado e oferta de serviços eficazes, vai surgindo um capitalismo insular: no mundo inteiro, a reprodução capitalista se reduz a “ilhas”, ou melhor, “oásis” da produtividade e rentabilidade” (KURZ, 2005, p. 1). Assim as

pessoas trocam de cidade, estado ou país, não por decisões individuais, mas porque existem espaços onde há uma maior valorização do capital, porém essas cidades não estão isoladas. Roberto Lobato Correa con- firma isso ao dizer que:

As interações entre cidades tornaram-se mais complexas e intensas, deixando de ser realiza- das, sobretudo a curta distância e entre um limi- tado número de centros (...) complexos padrões de interações entre centros urbanos emergiram ou ganharam força, definindo uma crescente interde- pendência entre cidades e áreas (CORREA, 2006, p. 283).

Nessa primeira fase de pesquisa bibliográfica e de observação indireta pudemos constatar que o movimento pendular se caracteriza por ser um deslocamento entre o município de residência e outros municípios com uma finalidade específica que é na maior parte dos casos, para trabalho e estudo. Um dos problemas verificados e que estão sendo discutidos na etapa inicial da pesquisa é que muitos Municípios ondem foram implantados os IFRNs não oferecem boas condições de hospedagem, moradia e alimentação nas proximidades dos Campus, fazendo com que muitos servidores e alunos tenham que voltar para as suas residências à noite, passando por dificuldades no que tange à estrutura de transporte que são oferecidos pelas empresas particulares e pelas prefeituras, assim como as péssimas condições das estradas, que não oferecem a segurança necessária para se trafegar de maneira segura. Ao não encontrar emprego e serviços educacionais de melhor

qualidade em seu lugar de origem, docentes, técnicos administrativos, terceirizados e estudantes são atraídos para as cidades de maior dina- mismo, como é o caso de Natal, Parnamirim, Mossoró, Caicó, Currais Novos, Pau dos Ferros entre outras, onde existem interações espa- ciais mais intensas, como é o caso dos serviços ofertados pelos IFRNs. Nas palavras de Roberto Lobato Correa, “estabelece-se uma cres- cente divisão territorial do trabalho que leva a uma necessária articu- lação entre áreas e cidades através de uma rede urbana cada vez mais importante e de crescente articulação” (CORREA, 2006, p. 282). “As interações espaciais, são em graus distintos, influenciadas pela distância: à medida que se verifica o aumento da distância, ampliação dos custos de transferência, de tempo e esforço físico, verifica-se a diminuição da intensidade das interações espaciais” (CORREA, p. 300-301). As infor- mações referentes às relações mantidas pelos servidores, terceirizados e estudantes nas questões de identidade e territorialidade é outro pro- blema que pretendemos investigar nas próximas etapas da pesquisa, pois entendemos que os deslocamentos espaciais da população, seja de curta ou longa distância, são responsáveis por fazer e refazer territórios. Os estudos e as discussões até o momento nos levam a entender que os trabalhadores e estudantes pendulares atuam todos os dias no território de origem e no de destino, construindo relações de todos os tipos. O território não fica imune a essas transformações, pois este é entendido como lugar de relações sociais, de conexões e redes; de vida, para além da produção econômica, como natureza, apropriação, mudanças, mobilidade, identidade e patrimônio cultural; como produto socioespacial e condição para habitar, viver e produzir (SAQUET, 2007, p. 118). O migrante pendular, por migrar apenas por causa do trabalho e estudo, tem dificuldades em conseguir realizar outra atividade na cidade de destino e na de origem tem pouco tempo para fazê-lo. Por passar a maior parte do seu tempo em outra cidade ou se deslocando para ela, pressupõem que os laços mantidos sejam enfraquecidos. Porém, ele

está se movimentando diariamente, não como uma máquina, mas como um ser que age sob o espaço vivido, assim é impossível não expressar essas relações. Um exemplo, é que no próprio meio de transporte que utiliza, ele consegue interagir socialmente, não é um simples ir e vir de todos os dias, mas uma forma que encontrou para expressar sua identidade. Além disso, ele não só utiliza a cidade onde mora como dormitório, mas como um espaço onde tem familiaridade, onde cultiva uma identificação, onde está fixada sua base, o “seu verdadeiro lugar”. Como foi mencionado, as relações econômicas, sociais e culturais produzidas pela população migrante acontecem num território, pro- duzindo novas territorialidades a partir dessas conexões. São essas transformações que também serão investigadas nas próximas eta- pas da nossa pesquisa. Como professor do IFRN há quase três anos, observamos nos Campus de Caicó, Ipanguaçu, Santa Cruz e São Paulo do Potengi a necessidade de se investigar a constituição desses fluxos migratórios, pois percebi que existem inúmeros problemas de ordem estrutural nas áreas já mencionadas de transporte e infraestrutura de hospedagem, alimentação e moradia.

A escassez de trabalhos que investiguem o perfil e os fluxos das migrações pendulares no contexto da expansão dos IFRNs se constitui outro grande problema, haja vista que trabalhos dessa natureza podem contribuir de maneira significativa na elaboração e planejamento de políticas públicas nas áreas demográficas e na reorganização dos inves- timentos públicos e privados em diversas áreas.

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