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Há, no senso comum e na literatura acadêmica, uma confusão entre os termos feira, mercado, feira livre e mercado público esses elementos são muitas vezes tidos como sinônimos sem, de fato, o serem. Portanto, faremos distinção entre eles.

O termo mercado pode conotar dois significados: um abstrato e imaterial; e outro concreto e material (MOTT, 1975).

O mercado enquanto abstração designa os princípios da realiza- ção de troca como a lei da oferta e da procura. Este sentido é mais uti- lizado pelos economistas, sendo denominado de market principle. O mercado enquanto materialidade sugere uma praça de mercado onde vendedores e compradores se reúnem com a finalidade principal de trocar bens e mercadorias. Este sentido é mais utilizado pelos antro-

pólogos, sendo alcunhado de market place (no inglês) e marché (no francês). Assim, as feiras, as feiras livres e os mercados públicos são praças de mercado, ou simplesmente mercados, que são regidos pelo princípio de mercado. Mercado torna-se, portanto, uma denominação genérica para feiras, feiras livres e mercados públicos. Talvez venha daí a confusão existente entre esses termos.

Existem três tipos de praça de mercado (market place ou mar-

ché) de acordo com a temporalidade de cada um: mercados diários,

mercados periódicos (periodic market, na língua inglesa) e mercados especiais (fair no inglês ou foire no francês) (BROMLEY, 1980; FER- RETTI, 2000).

Os mercados diários, como designa a própria denominação, ocor- rem diariamente, são os mercados fixos, por exemplo, os mercados públicos. Os mercados periódicos, denominação mais utilizada entre os geógrafos, ocorrem em um único dia fixo da semana, como as feiras livres. E os mercados especiais, também periódicos, são aqueles que ocorrem anualmente, como as feiras agrícolas, industriais, artísticas, educacionais, científicas, tecnológicas e informacionais. Assim, pode- mos distinguir uma feira qualquer das feiras livres e dos mercados públicos.

Por fim, iremos à etimologia da palavra, do latim, para distin- guirmos as feiras livres e os mercados públicos, que são as mais fre- quentemente utilizadas como sinônimos (DANTAS, 2007). A feira livre provém da palavra feria que significa “dia de festa”. O mercado público origina-se do termo mercatus.

Portanto, consideraremos como mercado qualquer praça de mercado (market place ou marché) regido pelo princípio de mercado (market principle). Utilizaremos o termo feira para designar um mer- cado periódico anual, ou seja, as feiras de negócios (fair ou foire). Con- ceituaremos mercado público como uma praça de mercado (market

e coberto, organizado pelo Estado (instância municipal). E definire- mos a feira livre como um mercado periódico (periodic market) bra- sileiro, que ocorre semanalmente, em um local aberto, organizado também pelo Estado (a partir do poder local da Prefeitura Municipal).

3 A GEOGRAFIA HISTÓRICA DAS FEIRAS LIVRES

Os mercados (market places) surgiram entre 3000 e 2000 antes de Cristo (a.C.). Esses eram realizados no interior dos templos. Em 2000 a.C. tem-se as primeiras evidências da existência de feiras (fairs) como ponto de encontro entre as rotas de comerciantes, como os encontra- dos na Mesopotâmia (cidades de Ur e da Babilônia), no Egito Faraônico, na China Clássica, na Grécia Antiga e na Roma Antiga, além de cida- des como Pompeia, Óstia e Tingard (DANTAS, 2007; SANTOS, 2012). Ainda na Antiguidade, a primeira referência da existência de mercado depois de Cristo está registrada na Bíblia, livro sagrado dos cristãos, mais precisamente no Novo Testamento, quando é mencio- nado o comércio de bois, ovelhas, pombas e a presença de cambistas no Templo de Jerusalém (SANTOS, 2012).

As feiras livres (periodic markets), tais como conhecemos hoje, enquanto mercados periódicos, surgiram no período da Revolução Comercial ou do Renascimento na Europa, entre os séculos XI e XIII, na transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna. As feiras eram realizadas ao ar livre, nos pontos de encontros das rotas comerciais (DANTAS, 2007; SANTOS, 2012).

O registro da feira livre mais antiga realizada em Portugal data de 1125. Até o final do século XV existiam 95 feiras livres periódicas no Reino português (MOTT, 1975). Essa tradição da realização de feiras periódicas foi trazida pelos colonizadores portugueses para o Brasil.

Fora da Europa, antes da Expansão Marítima e Comercial do colo- nialismo europeu, existiam mercados (market places) e feiras (fairs)

nos países da África: Marrocos, região do Magreb, África do Norte e sertão da Angola. Também havia mercados e feiras nos países do Oriente e do Extremo Oriente: Arábia, Síria, Índia, China, Indonésia. Ou seja, os mercados e as feiras eram hábitos culturais desde o Saara até a Mongólia (MOTT, 1975; DANTAS, 2007).

Na América Latina, existiam dois grupos de países: o primeiro dos que já conheciam os mercados e as feiras antes da chegada dos coloni- zadores europeus, por exemplo, os mercados de Tlalteco e Tenochtitlan, cidades astecas do México; e o segundo grupo, formado pelos países onde os mercados e as feiras eram desconhecidos, portanto, inovações, como é o caso do Brasil (MOTT, 1975; SANTOS, 2012).

Antes da colonização, havia apenas esporádicas trocas intertribais no Brasil. A primeira referência sobre feira (fair) no Brasil data do ano de 1548, quando o regimento enviado pelo rei de Portugal, Dom João III, enviado para o Governador Geral do Brasil, determinava a criação de feiras no país. Em 1588, quarenta anos depois, outro documento real enviado ao governador da Bahia ordenava a criação de feiras nas povoações da capitania. Há uma referência de realização de uma feira na capital da colônia, Salvador, no ano de 1587. Oficialmente, o primeiro registro de uma feira, no Brasil, data de 1732, a feira de gado no sítio Capoame, no norte do Recôncavo Baiano. Essa feira deve ter ocorrido durante os séculos XVI e XVII (MOTT, 1975).

Os caminhos do gado foram importantes para a ocupação no ser- tão nordestino, como também para a criação de cidades, vilas e feiras (fairs) de gado, que deram origem às feiras livres (periodic markets), na medida em que estas últimas foram utilizando os mesmos espaços que as primeiras. As feiras de gado, ainda, eram importantes para o Nordeste até meados do século XX. Entre elas destacavam-se Quixadá e Baturité (Ceará), Itabaiana e Campina Grande (Paraíba), Arcoverde e Caruaru (Pernambuco), Feira de Santana (Bahia) (SOUSA, 1946; STRAUCH, 1952; LEITE, 1956; CARDOSO, 1967).

Fora do Nordeste, tem-se o registro apenas da realização de uma feira (fair), a feira de burros ou feira de mulas, que era realizada em Sorocaba, capitania de São Paulo. A primeira feira de burros de Soro- caba deve ter acontecido entre os anos 1750 e 1790, e a última realizada por volta de 1835 (DEFFONTAINES, 1945).

Além das feiras, há registro, no Brasil, da oficialização de quitan- das e mercados públicos (GUIMARÃES, 1969; SANTOS, 2012). As qui- tandas foram oficializadas em 1687, sendo uma espécie de protótipos das feiras livres, um arremedo de feira que foram criadas em várias cidades brasileiras. E os mercados públicos foram institucionalizados a partir de 1858, como mercados em locais cobertos, com barracas per- manentes, em uma tentativa de substituí-los pelas feiras realizadas ao ar livre e de periodicidade semanal, consideradas, já naquele período, como insalubres, inseguras e desordenadas.

Assim, no Nordeste do Brasil, desenvolveu-se dois tipos de feira: a feira mercado e a feira franca (MOTT, 1975). A primeira é a típica feira livre (periodic market) que conhecemos hoje, com periodicidade sema- nal, espacialidade local ou regional, e troca de frutas, legumes, verdu- ras, cereais, carnes e vestuário. A segunda é a feira de negócios (fair) caracterizada pela periodicidade anual, dimensão regional ou nacio- nal, com troca de animais bovinos, equinos, caprinos, ovinos e suínos. Em relação às feiras livres, poderíamos classificá-las de duas for- mas: quanto ao tamanho da cidade onde a feira é realizada e quanto à sub-região onde a cidade localiza-se (ISSLER, 1967).

Quanto ao tamanho da cidade, há as feiras livres realizadas em grandes centros urbanos e há as feiras realizadas em pequenos centros urbanos nos interiores do Estado. Quanto à localização na região, há as feiras livres de zonas típicas e feiras de zonas de transição. As pri- meiras localizam-se totalmente em uma determinada sub-região (Zona da Mata, Agreste, Sertão, Meio Norte) do Nordeste. As segundas loca- lizavam-se nas áreas de transição, com destaque para o Agreste, área

de transição entre o litoral úmido e o sertão seco, onde evidenciam-se as principais feiras livres, de Feira de Santana (BA), Arapiraca (AL), Caruaru (PE) e Campina Grande (PB).

Como observamos até aqui, a realização de feiras livres é uma tradição típica do Nordeste do Brasil. Porém, com o forte processo de migração do Nordeste para outras regiões brasileiras ocorrido a partir de meados do século XX, essa tradição foi se espraiando para outras regiões, principalmente para as capitais da região Sudeste.

Mascarenhas (1992) aborda o lugar da feira livre na cidade capi- talista a partir do estudo de caso do Rio de Janeiro. O referido autor mostra uma grande quantidade de feiras livres na cidade do Rio de Janeiro, com mais de 15 mil feirantes no final do século XX. Além disso, ele demonstra que as feiras livres são elementos do circuito inferior da economia urbana, com menor grau de utilização de tecnologia e capital em relação aos elementos do circuito superior da mesma economia, os supermercados. Esses se conflitam com as feiras: em termos políticos, com a intermediação do Estado que investe indiretamente na infraes- trutura de supermercados e diretamente negligencia a infraestrutura das feiras livres; em termos ideológicos, por meio da mídia que passa uma imagem qualificando os supermercados e desqualificando as fei- ras livres.

Correndo-se o risco de deixar de lado trabalhos relevantes, fizemos um levantamento das feiras livres do Estado do Rio Grande do Norte que já foram estudadas em livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado, monografias de graduação e artigos em periódicos científicos. Os municípios do Rio Grande do Norte que tiveram suas feiras livres abordadas nesses trabalhos são: Natal, Pedro Velho, Caicó, Macaíba, Nova Cruz, Ceará Mirim, Bom Jesus e Pau dos Ferros (PACHECO, 1986; MOREIRA, 2002; OLIVEIRA, 2004; PEREIRA, 2004; ARAÚJO, 2006; MORAIS & ARAÚJO, 2006; QUEIROZ, 2006; DANTAS, 2007; LIMA, 2010; QUEIROZ, 2011; GURGEL, SILVA & DOZENA, 2012; LUCENA,

2012; MARANHÃO, 2012; OLIVEIRA, 2012; QUEIROZ & AZEVEDO, 2012; QUEIROZ & AZEVEDO, 2013; CARNEIRO, 2014).

Todas essas pesquisas foram desenvolvidas no âmbito da Histó- ria, das Ciências Sociais e principalmente da Geografia. Apesar de ser uma tradição histórica do Sertão e do Agreste do Nordeste do Brasil, as feiras livres têm maior destaque na capital do Rio Grande do Norte. A cidade de Natal tem 22 feiras livres semanais em sua configuração

espaço-temporal, tendo uma ampliação quantitativa delas nos últimos 30 anos. Ao contrário do que ocorre na capital, os demais municípios do Estado do Rio Grande do Norte têm apenas uma feira livre semanal, sendo que, na maioria delas, está ocorrendo a extinção da feira livre local ou uma diminuição da sua dinâmica socioespacial.

Apesar da existência de shoppings centers, hipermercados, super- mercados e lojas de departamentos, a coexistência das feiras livres nos dias atuais é explicada por necessidades de trocas internas e externas (BROMLEY, SYMANSKY & GOOD, 1980). Os referidos autores elencam mais três fatores para a existência das feiras livres: as necessidades dos produtores; a necessidade de organização do tempo; e a necessidade de inércia e vantagem comparativa.

O primeiro fator refere-se à necessidade de os produtores comer- cializarem sua produção. O segundo fator sugere que os dias de feiras livres estão em sincronia com os dias destinados ao descanso dos con- sumidores, aos dias de cerimônias religiosas, e aos dias de reuniões públicas e festividades, como também, à dinâmica espaço-temporal dos feirantes, que participam de feiras livres diferentes em dias dife- rentes. O terceiro fator designa os aspectos históricos e culturais que envolvem a feira livre a reprodução das relações sociais, para além do economicismo.

Uma feira livre que ainda não foi abordada em nosso levanta- mento, é a feira livre do município de São Paulo do Potengi, Estado do Rio Grande do Norte, na qual nos debruçaremos.

4 A FEIRA LIVRE DE SÃO PAULO DO POTENGI