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Considerações finais: standards do direito estrangeiro

2 TEXTOS: DIREITO DE REUNIÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO

2.10 Considerações finais: standards do direito estrangeiro

A despeito de certa diversidade nos textos normativos, é possível extrair algumas diretrizes da liberdade de reunião no direito estrangeiro, no qual a liberdade é relacionada de modo aproximado e expresso ora ao direito de petição, ora à liberdade de associação, ora à liberdade de expressão, reconhecendo-se o caráter instrumental.

O primeiro standard que se extrai dos textos estrangeiros é a exigência de ser a reunião pacífica e sem armas, conceito que não se limita a armas de fogo. Também se dispensa a autorização, sendo suficiente a comunicação contendo objeto, data, hora, local e itinerário da manifestação, com prazos variados de antecedência, sendo recorrente vincular a liberdade de reunião à democracia e ao pluralismo, com a emblemática tendência da Corte Constitucional alemã, no particular, de restringir expressamente o âmbito de proteção da liberdade de reunião à atividade política. Pode-se notar em geral uma interpretação favor libertatis - que importa intervenção estatal em último caso -, a tutela penal do direito e a extensão aos estrangeiros.

Previsão, quando existente regulamentação legal, de restrições de tempo e local, a exemplo de áreas próximas a parlamentos. Alguns textos diferenciam a reunião conforme a concentração seja estática ou em movimento, em local aberto ou fechado, acessível ao público ou não, admitindo expressamente a regulamentação ou com disciplina legal estabelecida, inclusive em período eleitoral como no México e na Espanha, sem notícia de questionamento relevante acerca da constitucionalidade. Particularmente nos países europeus, é corrente a invocação na doutrina e na jurisprudência de declarações internacionais de direitos humanos e mesmo de decisões do TEDH; proibição de manifestações de índole racista ou sectária; restrições especiais a membros das forças armadas e a policiais, incluindo o uso de farda; reconhecimento de uma dimensão positiva e de uma dimensão negativa da liberdade de

assembleia, vinculadas ao dever estatal de proteção; invocação da proporcionalidade para balizar a atuação do Estado; previsão legal de proibição por razões de moralidade, proteção da saúde e dos direitos e liberdades de outrem. Salvo na Espanha, a reunião se configura quando presentes no mínimo dois manifestantes com interesse comum de se reunir de forma concertada e não casual.

Outro standard: papel ativo da jurisprudência constitucional especialmente na Espanha, na Alemanha e nos EUA, com casos judiciais emblemáticos que servem de norte para a jurisprudência e mesmo para atuação estatal como um todo, como apontam, respectivamente, a STC 59/1990, o caso Brokdorf e o conjunto de precedentes da Suprema Corte. Atuação que na França desempenha o Conselho de Estado, com o arrêt Benjamin. Ainda quanto à jurisprudência impressiona a quantidade de casos envolvendo a aplicação do direito penal a manifestantes, de modo especial na Argentina onde há previsão do crime de corte de ruta.

Realmente os precedentes da Corte Constitucional alemã englobam um multiplicidade considerável de dimensões: identificação da liberdade de reunião com o exercício coletivo da liberdade de opinião, que inclui exposição, debate e condutas não verbais, como marchas silenciosas e sit-ins, além de formas extravagantes; exigência de ameaça substancial à paz e à ordem públicas para justificar a dissolução da assembleia, admitindo certo grau de força física sem arredar automaticamente o caráter pacífico, igualmente não afastado em atos de desobediência civil mesmo em se tratando de assunto militar e nuclear; dilatado âmbito de proteção, que abrange preparação, anúncio, acesso ao local e escolha de objeto, lugar, tempo e modo, além de pronunciamentos, distribuição de folhetos, slogans ou músicas e afixação de cartazes; dispensa de comunicação em manifestações espontâneas ou urgentes; negação da eficácia horizontal; conceito de ordem pública como a situação indispensável a uma existência humana comum ordenada; insuficiência da legislação de trânsito para impedir uma reunião; dever de tolerância com os incômodos causados pelo exercício do direito, além do dever de cooperação dos organizadores, adotando-se a estratégia de desanuviamento.

Nesse último aspecto, o Reino Unido adota uma diretriz de intervenção policial: a doutrina de ruptura da paz, que permite a atuação quando há risco para pessoas ou bens ou há ação cuja consequencia natural seja provocar violência em terceiros, conferindo, assim, amplo poder à autoridade policial, incluindo o uso da tática kettling em casos determinados, como foi aceito pelo TEDH. A propósito, embora esse tribunal tenha ainda entendimento reticente quanto à eficácia horizontal, na Itália há lei que garante o exercício do direito de reunião no local de trabalho independentemente de autorização do empregador, que pode indicar o lugar

e impedir o ato caso haja perturbação. Ainda na Itália, a posição de Ruotolo (2013) é digna de nota ao salientar a necessidade de reinterpretação da legislação do fascismo e quando inclui no âmbito de proteção uma ampla variedade de eventos: atividades esportivas, entretenimento, trabalho, procissões religiosas, marchas de movimento civis, comícios, meetings, sit-in, assembleias, sendo indiferente o uso de meios de transporte, excluindo apenas a atividade empresarial em lugar aberto ao público, que exige licença.

Já da vasta jurisprudência da Corte Suprema dos Estados Unidos, é possível elencar diversos standards, quase sempre relacionados à liberdade de expressão, permeados da doutrina do marketplace of ideas e do public forum, locais de longa tradição de uso público para fins de expressão, como ruas, calçadas e parques ou recintos públicos: a existência de “equivalentes funcionais de equipamentos públicos semelhantes” em propriedade privada importa reconhecer eficácia horizontal da liberdade de reunião na state action; diferença entre discurso e conduta, incluindo no primeiro o ato de queimar em praça pública a bandeira americana; atuação policial dirigida contra contramanifestantes provocadores a fim de garantir a liberdade de manifestantes; teste de tempo, lugar e modo para analisar a legitimidade das restrições no caso concreto, observando o propósito de manter a ordem pública e proteger contra transtornos; doutrina das restrições prévias, que considera potencialmente violadoras limitações de conteúdo da mensagem; possibilidade de taxas administrativas para cobrir os custos; aceitação de desobediência civil: propagar o uso de restaurantes segregados e protesto silencioso em biblioteca pública segregada. Além disso, a Suprema Corte ainda estabeleceu: a doutrina fighting words que exige para ilicitude uma ofensa individualizada capaz de provocar resposta violenta imediata, sendo insuficiente um insulto genérico; o parâmetro clear and present danger que, na expressão tradicional, exclui a liberdade de expressão para aquele que grita falsamente fogo causando pânico em um teatro; a diretriz da "liberdade para ideia que odiamos", fundamento do hate speech.