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Indignados nas praças da Espanha: em busca de democracia direta

5 RUAS: PROTESTOS EXPRESSIVOS NO MUNDO

5.3 Indignados nas praças da Espanha: em busca de democracia direta

Em três décadas, a porcentagem de pessoas que declaram ter participado de alguma manifestação passou de 20% para 50%, na Espanha. As manifestações também deixaram de ter presença majoritária de homens e aumentou o número de manifestantes que não pertencem a nenhum tipo de associação, residem fora de grandes cidades e são desinteressados da política tradicional (SÁNCHEZ, 2011).

Segundo Adell (1997), somente a partir de 1986 autoridades espanholas começaram a publicar balanços sobre as manifestações, que dão uma dimensão da prática dessa ação coletiva no país. Assim, na contabilidade oficial, de 1988 a 1995 foram 7.061 atos públicos em Madri, excluindo-se pequenos eventos de até cinquenta pessoas; no ano de 1991, na mesma cidade, cerca de 330 mil manifestantes, com 56,9% dos eventos sem aviso prévio. Em 1989, 8.880 manifestações foram realizadas em todo o território espanhol; em 1990, 9.460; em 1992, 9.686; e em 1995, 11.550, quando três milhões de pessoas se manifestaram. Já a média de manifestações diárias passou de quinze nos anos 80 para trinta na década de 90 e trinta e dois na primeira década desse século, sendo o ápice entre 1991 e 1997, entre 2000- 2002 e 2008-2009, nesses dois últimos anos com 15.000 e 24.000 manifestações, respectivamente. Os anos 1996-1997 e 2000 correspondem às manifestações contra o terrorismo e de apoio ao ETA - Euskadi Ta Askatasuna, organização nacionalista do País Basco que reivindicava independência da região e declarou encerradas as atividades em 2011. Os anos 2008 e 2009 coincidem com crise econômica e de emprego, com 40% das manifestações tendo como objeto questões de trabalho, repetindo períodos anteriores de crise econômica (transição democrática e início da década de 90). O número de mortes relacionadas aos atos (imediatamente antes, durante ou depois) dá conta de 95 mortes entre 1970 e 1995, sendo 16 entre 1981-1995, ainda conforme Adell (1997).

No caso de manifestações contra o terrorismo, sentimentos de injustiça moral constituem a primeira motivação para participar e a condição de afetado pode atingir toda a cidadania, ampliando o potencial de mobilização, desvinculando-se de fatores políticos como afinidade partidária ou ideologia, e impulsionando desinteressados. Assim, os protestos condenando o terrorismo por ocasião das mortes de Francisco Tomás y Valiente em 1996, de Miguel Blanco em 1997 ou o protesto em favor da liberdade, da democracia e da Constituição, realizado em Madri contra a tentativa de golpe de estado em fevereiro de 1981, que reuniu um milhão de pessoas, número carregado de forte simbolismo. Nas manifestações de 2003 contra a Guerra do Iraque também houve um componente mobilizador de natureza

ética. Nessa perspectiva, a natureza institucional e apartidária e o fator emocional levaram às ruas setores que de outro modo nunca haviam optado por esta forma de expressão política (ADEL, 1997; ARGILÉS, 2005; SANCHÉZ, 2011).

Para Sánchez (2011), a inclinação à manifestação alcançou níveis sem precedentes durante o ciclo de mobilização global nos primeiros anos do presente século, coincidindo, ainda, com a oposição a propostas governamentais de reforma trabalhista e de atuação no 11- M, como é identificado o dia dos atentados terroristas na cidade de Madri em 11 de março de 2004.

Assim, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra os efeitos da crise econômica a partir de 2008. Em 2012, foram contabilizadas mais 14.700 manifestações, sendo 3.419 em Madri, onde em 2013 subiu para 4.354, segundo levantamento da Anistia Internacional (AMNÍSTIA INTERNACIONAL, 2014). A entidade concluiu que a imensa maioria dos protestos foi pacífica, embora grande parte das autoridades espanholas tenha adotado uma postura repressiva, com uso de sanções administrativas e penais, de propostas legislativas que ampliam restrições ao direito de reunião e de força policial excessiva, sendo digno de nota a desocupação da Plaza de Catalunya em Barcelona em maio de 2011 e os protestos perante o Congresso dos Deputados em Madri em setembro de 2012 (BLAY, 2013).

Ainda nesse período, em 15 de maio de 2011, mais de 100 mil pessoas responderam ao apelo na internet de Democracia Real Ya!, com manifestações expressivas em várias cidades contra o desemprego, cortes orçamentários em áreas sociais e contra a representação política. Na sequência, dezenas de pessoas decidiram acampar na praça Puerta del Sol na capital e na Plaza Catalunya em Barcelona, repertório que se espalhou pelo país dando origem às "Acampadas", com uso intensivo da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) para coordenar, comunicar e deliberar, aglutinando nas ruas milhares de pessoas, incluindo aquelas que não costumavam participar em manifestações até então. No repertório, boicote a sindicatos e aos principais partidos e forte interação entre o espaço físico (off-line) e virtual (on-line) que fortaleceram a identidade coletiva (PEÑA-LÓPEZ; CONGOSTO; ARAGÓN, 2013).

Surgem aí os indignados do movimento 15-M, que transformam praças em mais de cem cidades da Espanha em acampadas durante várias semanas, influenciados pelo livro Indignez-vous! de Stéphane Hessel, judeu capturado pela Gestapo, preso em campos de concentração e um dos redatores da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. O livro-manifesto foi direcionado precisamente à juventude e alcançou no Natal de 2010 sucesso de público na França, onde também inspirou protestos (BOSQUET, 2012, p. 90).

Em 15 de outubro 2011, teve lugar uma manifestação internacional pela mudança global, coincidindo com os cinco meses do primeiro acampamento na Espanha. O evento aconteceu em 951 cidades em 82 países do mundo. Na Europa, as maiores manifestações foram na Espanha, em Portugal e na Itália. Em Madri, segundo os organizadores, estiveram reunidos nas ruas cerca de 500 mil manifestantes, em Barcelona 250 mil, em Sevilha 50 mil, em Bilbao mais de 10 mil (SOEIRO, 2014, p. 67-68).

Para Bosquet (2012), os Indignados têm ligação profunda com o movimento em defesa dos direitos civis nos Estados Unidos entre 1955 e 1965, passa pela revolta de Maio de 68 na França, pelos movimentos feministas dos anos 60 e 70, pelo movimento ambiental na década de oitenta e nas manifestações contra as ditaduras comunistas até 1989, chegam à primeira revolta anti-capitalista no século XX e continua na expressão do Fórum Social Mundial. Já para Lucas (2011), os Indignados surpreenderam ao mostrar a vontade de participar nas decisões coletivas, apresentando propostas e demonstrando preocupação com os interesses gerais, contrariando a costumeira falta de empenho em assuntos políticos, confirmada por altos níveis de abstenção. Castells (2012, p. 117-120) admite, nesse caso, a possibilidade de uma revolução rizomática, não sujeita à lógica do resultado mas, sim, centrada no processo como mensagem e aprendizado democrático, que se movimenta fincando raízes mesmo em ritmos alternados, como exemplifica um dos lemas usados então: "Somos lentos porque vamos longe".